RGPS: Entendendo Receitas, Despesas e Desafios da Previdência Social no Brasil
1. O Tamanho do Desafio – Números e Tendências da Previdência
Vamos começar examinando o panorama financeiro do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que cobre os trabalhadores do setor privado no Brasil. Esse sistema paga benefícios para milhões de pessoas todos os meses – em dezembro de 2024, havia cerca de 34,4 milhões de benefícios previdenciários (aposentadorias, pensões, auxílios) em manutenção no RGPS. Considerando também os benefícios assistenciais (como o BPC/LOAS) administrados pelo INSS, o total de pagamentos mensais se aproxima de 40 milhões, evidenciando a enorme abrangência social do sistema (BRASIL, Ipea, 2023). Toda essa proteção social tem um custo altíssimo e, infelizmente, há anos as despesas superam as receitas do RGPS. Ou seja, existe um déficit previdenciário considerável: o RGPS arrecada menos do que gasta com benefícios, e a diferença é coberta pelo Tesouro Nacional com recursos de outros impostos. Quão grande é esse “rombo” da Previdência? Em 2024, o RGPS fechou com déficit em torno de R$ 304,6 bilhões, equivalente a aproximadamente 2,5% do PIB (BRASIL, Ministério da Previdência Social, 2025). Esse número impressionante corresponde a cerca de 73% do déficit previdenciário total da União naquele ano, que inclui também os regimes de servidores públicos (RPPS da União) e militares. Para comparação, em 2015 o déficit anual do INSS era de cerca de R$ 141 bilhões (1,43% do PIB) – ou seja, em menos de dez anos o rombo mais que dobrou em termos reais. No conjunto dos três regimes (INSS + RPPS civil federal + militares), o déficit passou de R$ 260,6 bi em 2015 para R$ 416,8 bi em 2024, um aumento real de aproximadamente 60%. Isso mostra uma tendência preocupante de crescimento do desequilíbrio entre arrecadação e gastos previdenciários ao longo da última década. Essa trajetória, porém, não foi linear. Houve oscilações ano a ano influenciadas por fatores econômicos e mudanças nas regras. Por exemplo, em 2020, durante a recessão da pandemia de COVID-19 (e primeiro ano após a Reforma da Previdência de 2019), o déficit do RGPS atingiu um pico em torno de R$ 344,5 bilhões (cerca de 3,4% do PIB), o maior valor já registrado até então. Nos dois anos seguintes houve alguma melhora: o resultado negativo recuou para R$ 304,2 bi em 2021 e R$ 291,1 bi em 2022, reflexo da recuperação econômica e dos efeitos iniciais da reforma. Já em 2023, mesmo com a reforma ainda recente, o déficit voltou a se ampliar, fechando o ano em R$ 315,7 bilhões. Esse valor de 2023 correspondeu a 73,7% do déficit previdenciário total da União naquele ano. Em 2024 houve nova ligeira melhora em relação a 2023 – o déficit do RGPS caiu para cerca de R$ 303-304 bilhões (redução de 3,8%) – mas isso está longe de significar que “resolvemos” o problema. Em termos históricos, o déficit do INSS mais que dobrou como proporção do PIB desde meados da década de 2010, mesmo após as reformas, e as projeções atuariais apontam agravamento futuro se nada for feito (BRASIL, TCU, 2025). Em suma, os números atuais deixam claro o tamanho do desafio: a Previdência Geral opera no vermelho, com um rombo anual na casa de centenas de bilhões de reais, em trajetória de crescimento no longo prazo.
2. Operadores e Estrutura – Como Funciona o RGPS?
Quem são os responsáveis por gerir e financiar esse gigantesco sistema previdenciário? O RGPS envolve diversos órgãos com atribuições complementares. No front office, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) administra os benefícios: é o INSS que analisa requerimentos, concede aposentadorias, pensões e auxílios e realiza os pagamentos aos beneficiários. Já a Receita Federal do Brasil (RFB) cuida da arrecadação das contribuições sociais que financiam o sistema (empregados, empregadores, contribuintes individuais etc.), enquanto a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) é responsável por cobrar judicialmente os devedores e inscrições em dívida ativa, buscando recuperar contribuições não pagas (BRASIL, TCU, 2024b). Esse tripé – INSS, RFB e PGFN – constitui o núcleo operacional do RGPS, e sua atuação coordenada é essencial: se a arrecadação falha, faltam recursos para pagar benefícios; se a concessão de benefícios falha, podem ocorrer pagamentos indevidos; se a cobrança de dívidas não funciona, amplia-se o rombo nas contas. Além desses órgãos principais, há instâncias de apoio, coordenação e controle. Por exemplo, o Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), de composição tripartite (governo, trabalhadores e empregadores), atua como órgão consultivo que discute e opina sobre políticas previdenciárias. No âmbito do Ministério da Previdência Social (MPS), existe a Subsecretaria do Regime Geral de Previdência Social (SRGPS), responsável pela gestão orçamentária e atuarial do RGPS – realizando estudos, estatísticas e projeções de receitas e despesas futuras do sistema (BRASIL, Ministério da Previdência Social, 2025). E não podemos esquecer dos órgãos de controle externo: o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) realizam auditorias periódicas para avaliar a performance e a regularidade da gestão previdenciária, fiscalizando tanto a arrecadação quanto a concessão de benefícios. Veremos no próximo episódio que essas auditorias têm apontado problemas importantes nessa engrenagem. Um último ator fundamental nos bastidores é o Tesouro Nacional (Ministério da Fazenda). Do ponto de vista financeiro, o RGPS não possui um fundo segregado ou caixa próprio – todo o fluxo de recursos passa pelo Orçamento Geral da União. Assim, cabe ao Tesouro gerir o fluxo de caixa da Previdência, garantindo que não falte dinheiro para os pagamentos mensais, e cobrir o déficit do regime com recursos do Tesouro (provenientes de tributos gerais ou endividamento). Em outras palavras, o Tesouro completa a diferença entre o que a Previdência arrecada e o que gasta com benefícios. Essa integração faz com que o equilíbrio do RGPS seja também um desafio fiscal para o governo federal como um todo. Com tantas peças envolvidas, é crucial haver boa governança e coordenação entre todos os elos. Infelizmente, como veremos a seguir, auditorias recentes do TCU e da CGU têm revelado falhas significativas nessa gestão integrada, o que ajuda a explicar por que as contas da Previdência permanecem tão desequilibradas.
3. Na Mira da Fiscalização – Problemas Apontados pelo TCU e CGU
Vamos agora examinar quais problemas foram detectados por órgãos de controle como o TCU e a CGU no funcionamento financeiro do RGPS. Infelizmente, as auditorias revelam diversas ineficiências e falhas de governança que agravam o desequilíbrio previdenciário. Um primeiro grande ponto é a baixa efetividade na cobrança de contribuições em atraso. Uma auditoria do TCU avaliou a arrecadação das contribuições do RGPS entre 2017 e 2021 e identificou um estoque enorme de créditos previdenciários não recebidos pelo governo. Em dezembro de 2021, a quantia de contribuições devidas e não pagas acumulada correspondia a 186% de toda a receita previdenciária daquele ano. Em outras palavras, quase o dobro do que se arrecadou em 2021 estava pendente de pagamento na forma de dívidas. Pior: 76% desses débitos já estavam atrasados há mais de 12 meses (com altíssimo risco de inadimplência) e cerca de R$ 403 bilhões eram considerados créditos de difícil recuperação. De fato, naquele período apenas R$ 11 bilhões foram efetivamente recuperados, valor insuficiente até mesmo para compensar os novos débitos lançados no ano (cerca de R$ 20,5 bilhões em 2021). Esses dados deixam claro que há um grave problema de inadimplência e cobrança: existe um volume gigantesco de contribuições não recolhidas ao RGPS, que teoricamente seriam devidas ao sistema, mas que na prática acabam não entrando nos cofres públicos, ampliando o déficit. As causas apontadas pelo TCU para o alto estoque de créditos vencidos são diversas: baixo índice de recuperação dos débitos em atraso, demora na resolução de litígios fiscais, elevada proporção de créditos em discussão judicial, concessões frequentes de parcelamentos especiais (Refis e programas similares de renegociação que aliviam devedores) e a própria complexidade da legislação previdenciária. Ou seja, fatores tanto administrativos quanto legais que dificultam o ingresso das receitas devidas. A auditoria também encontrou irregularidades em cerca de 9% das remessas diárias de dados de arrecadação enviadas pelos agentes arrecadadores, indicando falhas operacionais e de tecnologia da informação no controle desses repasses. Além disso, constatou falta de ferramentas específicas na Receita Federal para monitorar e avaliar adequadamente a arrecadação previdenciária, incluindo a ausência de estimativas do chamado “gap tributário” das contribuições – a diferença entre o que, teoricamente, se deveria arrecadar e o que de fato é pago. Também foi apontada a falta de integração entre os sistemas de classificação contábil usados na arrecadação do RGPS, prejudicando a gestão eficiente das informações financeiras. Em resumo, do lado das receitas, o TCU evidenciou fragilidades importantes: há muito dinheiro de contribuições escorado em dívida ativa sem perspectiva de entrada (centenas de bilhões de reais), e há deficiências nos processos de arrecadação e cobrança – desde sistemas antiquados e pouca automatização, até dificuldades jurídicas para receber o que é devido. Isso se traduz em menos recursos para a Previdência do que o potencial, pressionando o Tesouro a cobrir a diferença. A boa notícia é que o TCU emitiu determinações e recomendações visando mitigar esses problemas, como: desenvolver indicadores específicos para acompanhar a cobrança, adotar estratégias mais eficazes para melhorar a recuperação de créditos, reduzir erros nos documentos de arrecadação e implementar metodologia para estimar com precisão o gap de contribuições não recolhidas. Ou seja, há um roteiro técnico sendo apontado para fortalecer a arrecadação. Outro foco dos fiscalizadores tem sido analisar despesas indevidas e fraudes no pagamento de benefícios. A CGU, por exemplo, identificou em 2023-2024 graves fragilidades nos controles do INSS que permitiram descontos não autorizados em milhões de benefícios de aposentados e pensionistas (uma fraude praticada por associações de suposto auxílio, em conluio com intermediários) (BRASIL, CGU, 2025). Esse esquema de descontos irregulares vinha se expandindo rapidamente – de R$ 536 milhões descontados em 2021 para R$ 1,3 bilhão em 2023 – até ser revelado pela auditoria da CGU, que levou à suspensão desses convênios e a uma operação policial em 2025. Segundo o relatório da CGU, mais de 6 milhões de beneficiários do INSS chegaram a ter mensalidades descontadas sem consentimento, evidenciando uma grave falha de governança e supervisão no âmbito do Instituto. A CGU recomendou o bloqueio imediato de todos esses descontos indevidos e a revisão dos acordos de cooperação que permitiram o problema. Esse caso ilustra como controles internos deficientes podem gerar perdas financeiras (neste caso, para os próprios beneficiários) e dano à imagem da Previdência, exigindo ações corretivas enérgicas. Em resposta, o governo federal, via CGU, AGU, Ministério da Previdência e INSS, montou força-tarefa para responsabilizar os envolvidos, recuperar os valores desviados (já bloqueando cerca de R$ 2 bilhões em contas das entidades) e aprimorar os mecanismos de prevenção a fraudes. Em adição, os órgãos de controle têm ressaltado questões estruturais que pesam nas contas do RGPS. Uma delas é o caráter semicontributivo da previdência rural: a maioria dos benefícios rurais é paga a segurados especiais (como pequenos agricultores familiares) que contribuem pouco ou nada, gerando um desequilíbrio interno significativo. Em 2024, por exemplo, apenas cerca de 5% do gasto previdenciário rural foi coberto por contribuições específicas – o restante foi integralmente subsidiado pela União. O TCU apontou que, embora representem cerca de 25% da quantidade de benefícios, as aposentadorias rurais foram responsáveis por cerca de 60% do déficit do RGPS em 2024. Essa situação levou o Tribunal a observar que o benefício rural opera mais como programa assistencial do que como seguro social contributivo. Trata-se, portanto, de um fator estrutural de desequilíbrio, previsto em lei e na Constituição, mas que impacta fortemente o resultado financeiro do INSS. Em conclusão deste episódio, as auditorias do TCU e da CGU têm evidenciado duas ordens de problemas no RGPS. Primeiro, ineficiências na gestão financeira corrente – pouca eficácia na cobrança de receitas devidas, sistemas defasados, governança e fiscalização internas falhas levando a fraudes e pagamentos indevidos. Segundo, distorções estruturais – como segmentos não contributivos (rural) e benefícios ampliados sem fonte de custeio – que sobrecarregam o orçamento previdenciário. No próximo episódio, discutiremos como esses desafios estão sendo enfrentados e quais caminhos estão sendo propostos para equilibrar melhor o sistema.
4. Ajustes Recentes e Pendentes – A Reforma de 2019 e Seus Limites
Antes de partirmos para soluções futuras, é importante lembrar que uma reforma previdenciária de grande porte já foi realizada recentemente, em 2019 (Emenda Constitucional 103). Essa reforma alterou diversas regras do RGPS e dos regimes próprios, estabelecendo idades mínimas de aposentadoria no RGPS (65 anos para homens, 62 para mulheres, com regras de transição), alterando fórmulas de cálculo de benefício para desestimular aposentadorias precoces, mudando regras de pensão por morte, entre outras medidas. Foi, sem dúvida, um marco importante que melhorou a sustentabilidade do sistema no médio prazo. Estimativas oficiais indicam que, não fosse a reforma de 2019, o déficit atual seria ainda maior – de fato, observou-se uma desaceleração no crescimento das despesas previdenciárias nos anos imediatamente seguintes à reforma (BRASIL, TCU, 2024a). Por exemplo, comparando 2018 com 2022, o gasto do RGPS como proporção do PIB ficou relativamente estabilizado em torno de 8% do PIB, enquanto antes da reforma projetava-se uma trajetória de alta contínua. O governo da época enfatizou, corretamente, que a reforma não extinguiria o déficit, apenas reduziria seu ritmo de expansão – o que de fato ocorreu nos primeiros anos (2020-2022). Porém, conforme vimos, em 2023 o rombo voltou a crescer e, olhando adiante, as pressões estruturais persistem. A reforma de 2019 resolveu parte do desequilíbrio, mas não abarcou todos os aspectos do problema. Um ponto importante é que aquela reforma não incluiu todos os setores: Estados e municípios inicialmente ficaram de fora (tiveram que aprovar reformas próprias posteriormente) e os militares tiveram regras alteradas separadamente por outro projeto de lei. Além disso, algumas medidas propostas não foram aprovadas no texto final. Durante a tramitação, por exemplo, acabou suprimido um mecanismo de ajuste automático da idade mínima conforme a evolução da expectativa de vida – um instrumento que diversos países da OCDE utilizam para adequar o sistema previdenciário às mudanças demográficas (BRASIL, MPS, 2025). Em suma, a EC 103/2019 foi um avanço, mas não eliminou a necessidade de novos ajustes. Passados alguns anos, começa a haver um consenso entre especialistas e autoridades de que será necessária em breve outra rodada de reformulações nas regras da Previdência, atacando pontos que permaneceram desequilibrados (BRASIL, MPS, 2025). No episódio final a seguir, vamos enumerar alguns caminhos e propostas debatidos para melhorar o equilíbrio do RGPS à luz dos problemas discutidos.
5. Buscando Soluções – Caminhos para o Equilíbrio Financeiro
Diante de todos esses desafios, quais seriam as propostas e alternativas para fortalecer a sustentabilidade financeira e atuarial do RGPS? Listamos a seguir as principais ideias que vêm sendo discutidas em relatórios técnicos e fóruns de política pública:
Regras previdenciárias ajustáveis à demografia: Muitos especialistas defendem a criação de mecanismos automáticos de alteração dos parâmetros de aposentadoria conforme a população envelhece. Isso incluiria, por exemplo, vincular a idade mínima de aposentadoria à expectativa de vida da população (ou outro indicador demográfico relevante). Assim, à medida que a expectativa de vida aumenta, a idade mínima e possivelmente o tempo de contribuição exigido subiriam de forma pré-definida, evitando a necessidade de uma grande reforma a cada década. Vários países já adotam dispositivos desse tipo (indexação da idade aposentadoria à longevidade) e o próprio governo brasileiro chegou a considerar essa medida em 2019 (foi proposta na reforma, mas retirada durante a tramitação) (BRASIL, MPS, 2025). Implementar uma “regra de atualização demográfica” manteria o equilíbrio atuarial diante das inevitáveis mudanças populacionais, prevenindo a explosão dos gastos nas próximas décadas. Em outras palavras, seria uma forma de o sistema reagir automaticamente ao envelhecimento da sociedade, garantindo sua viabilidade de longo prazo.
Revisão das regras dos regimes especiais (rural e MEI): Como vimos, há distorções significativas nesses segmentos que oneram o RGPS. No caso da aposentadoria rural, estuda-se elevar gradualmente a idade mínima (aproximando mais da exigida no urbano) e/ou estabelecer contribuições simbólicas para os segurados especiais, de forma a reduzir o subsídio implícito. Hoje esses benefícios são majoritariamente custeados pelo Tesouro, devido à baixa arrecadação própria rural – praticamente um programa assistencial dentro do RGPS. Medidas como uma contribuição anual mínima sobre a produção agrícola, ou uma maior fiscalização das contribuições sobre a comercialização, poderiam aumentar um pouco a receita no meio rural e trazer mais equidade entre trabalhadores urbanos e rurais (BRASIL, TCU, 2025). No caso do Microempreendedor Individual (MEI), há consenso de que a alíquota super-reduzida de 5% do salário mínimo é insuficiente para cobrir os benefícios futuros, gerando um desequilíbrio atuarial (BRASIL, MPS, 2025). Especialistas sugerem elevar essa contribuição para um patamar um pouco maior ou diferenciar por faixa de faturamento do MEI, garantindo que quem pode pagar mais contribua mais. Além disso, discute-se restringir renúncias previdenciárias em geral: por exemplo, reavaliar a desoneração da folha de pagamentos – talvez mantê-la apenas para setores realmente estratégicos e com devida compensação orçamentária, ao invés de ampla e por tempo indeterminado como aprovada recentemente (Lei nº 14.973/2024). Também vale analisar o impacto do Simples Nacional nas contas previdenciárias, já que esse regime favorecido reduz a contribuição patronal. São decisões de política pública complexas (pois envolvem, de um lado, estímulo a pequenos negócios e formalização, e de outro, o financiamento da seguridade), mas o equilíbrio de longo prazo pode exigir essas correções. O Ministério da Previdência Social, em nota técnica recente, reconhece que a expansão excessiva de regimes favorecidos como MEI e desonerações sem contrapartida têm fragilizado a base de financiamento do RGPS, o que reforça a necessidade de revê-los.
Abranger Estados e Municípios nas reformas: Embora os regimes próprios de servidores estaduais e municipais não façam parte do RGPS (são sistemas distintos), eles também geram pressão sobre as contas públicas gerais e, indiretamente, competem por recursos no orçamento da União. Muitos defendem que uma nova reforma nacional considere também os entes subnacionais, padronizando regras para todos os regimes de Previdência do país. Na prática, isso já começou a acontecer: após 2019, diversos Estados e municípios aprovaram reformas dos seus regimes próprios para se adequar às novas normas federais, embora nem todos tenham seguido pelo mesmo caminho. Uma reforma abrangente que inclua todos os servidores públicos poderia fechar brechas e eliminar disparidades, evitando, por exemplo, aposentadorias muito precoces em alguns locais. Ainda que essa medida não afete diretamente o resultado financeiro do RGPS (setor privado), ela melhora a sustentabilidade previdenciária global do Brasil, liberando recursos públicos que eventualmente também sustentam a seguridade social de forma ampla. Em suma, equalizar as regras entre União, Estados e Municípios tornaria o sistema mais justo e reduziria riscos de ônus futuros para o Tesouro em eventuais socorros a regimes locais insolventes.
Fortalecer a arrecadação e o combate à inadimplência: Uma solução “óbvia”, porém crucial, é aumentar as receitas efetivas do RGPS sem elevar alíquotas, por meio de melhorias na eficiência da cobrança. Tudo o que o TCU e a CGU apontaram – investir em tecnologia, medir e fechar o “gap” de arrecadação, cobrar os grandes devedores, agilizar os processos de cobrança e reduzir a litigiosidade – faz parte desse esforço (BRASIL, TCU, 2024b). Diminuir a evasão de contribuições e recuperar parte daquele estoque enorme de créditos devidos teria impacto direto no caixa do sistema. Para isso, será necessário vontade política para, por exemplo, limitar perdões de dívidas recorrentes – pois parcelamentos especiais concedidos com frequência (Refis sucessivos) acabam por incentivar os maus pagadores a postergar indefinidamente o pagamento, esperando um desconto futuro (BRASIL, TCU, 2024b). O TCU já observou que a proliferação de programas de parcelamento e anistia contribuiu para o alto volume de créditos em atraso. Assim, endurecer contra os grandes sonegadores contumazes e aparelhar melhor a Receita Federal e a PGFN (com sistemas modernos de análise de dados, inteligência artificial, etc.) são medidas importantes. O objetivo é incrementar a base contributiva e a efetividade da arrecadação, de modo que menos recursos “escapem” do sistema. Cada real adicional coletado (ou não perdido) é um real a menos de déficit a ser coberto pelo Tesouro.
Melhorar a governança interinstitucional e a prevenção de fraudes: O RGPS, como vimos, envolve múltiplos órgãos – Ministério, INSS, Receita, PGFN, Tesouro – o que demanda uma coordenação afinada. Propõe-se estabelecer metas e indicadores integrados entre essas instituições, por exemplo metas de redução do déficit que combinem iniciativas de aumento de receita e de racionalização de despesas. Uma gestão financeira mais integrada e transparente pode ajudar a identificar rapidamente os pontos de desequilíbrio e corrigi-los em conjunto. Ademais, é fundamental reforçar os mecanismos de controle interno para evitar perdas com fraudes e pagamentos indevidos de benefícios. Isso inclui dar continuidade e ampliar programas de revisão de benefícios (pente-fino em auxílios-doença, BPC e outras prestações onde historicamente há índices de irregularidades), utilizar ferramentas tecnológicas como a prova de vida digital e o cruzamento de bases de dados para detectar automaticamente benefícios suspeitos (por exemplo, pagamento a pessoas falecidas ou acumulação indevida de benefícios). O combate às fraudes já foi objeto de uma medida provisória em 2019 (convertida na Lei nº 13.846/2019, que estabeleceu um programa permanente de revisão de benefícios) e deve ser um esforço contínuo. Cada real economizado com pagamentos indevidos conta no resultado final e melhora a credibilidade do sistema. A recente experiência revelada pela CGU sobre descontos irregulares mostrou a necessidade de ação proativa do INSS para proteger seus beneficiários (BRASIL, CGU, 2025). Portanto, investir em auditorias internas, ouvidorias atuantes e sistemas de monitoramento pode reduzir perdas e aprimorar a governança do RGPS.
Medidas de incentivo e visão de longo prazo: Por fim, há propostas mais amplas, voltadas a reduzir a pressão sobre o RGPS nas próximas décadas. Uma delas é estimular a previdência complementar, tanto para trabalhadores do setor privado quanto para servidores. A reforma de 2019 já tornou obrigatória a previdência complementar para novos servidores públicos federais (via fundos como a Funpresp) e criou incentivos para trabalhadores do RGPS aderirem a planos privados (como fundos de pensão corporativos ou planos individuais com benefícios fiscais). A lógica é que, quanto mais pessoas poupam para a aposentadoria por fora do INSS, menos dependerão exclusivamente do benefício público, o que no futuro pode permitir que o valor pago pelo RGPS seja mais focalizado em quem mais precisa. Outra frente importante é promover a formalização do emprego e o crescimento econômico. Políticas que criem empregos formais (carteira assinada) ou facilitem a contribuição dos autônomos e empreendedores tendem a melhorar o resultado previdenciário, pois ampliam a base de contribuintes. Vimos que em 2024 houve uma melhora nas contas do RGPS em parte porque a economia gerou mais empregos formais e a massa salarial cresceu, aumentando a arrecadação (BRASIL, EBC, 2025). Taxas de desemprego menores e mais trabalhadores contribuindo regularmente significam mais receita e menos déficit. Investimentos em educação, qualificação e produtividade também têm impacto indireto positivo, pois fortalecem o mercado de trabalho formal no longo prazo. Em suma, o equilíbrio da Previdência não depende só de ajustes paramétricos no sistema em si, mas também de fatores macroeconômicos e sociais – uma economia mais forte e inclusiva alivia naturalmente a pressão sobre o RGPS.
Conclusão: Os desafios do RGPS são grandes e multifacetados, envolvendo questões demográficas, econômicas e de gestão. Por um lado, há medidas administrativas de curto e médio prazo (melhorar cobrança, gestão e controles). Por outro, há reformas legislativas e estruturais ainda pendentes (rever subsídios e regras especiais, adaptar o sistema ao envelhecimento populacional). Felizmente, tanto os órgãos de controle como o próprio Ministério da Previdência têm identificado caminhos para a solução, com base em análises técnicas e evidências estatísticas. A viabilidade de longo prazo da Previdência Social brasileira exigirá um pacto intergeracional e interinstitucional (BRASIL, MPS, 2025): governo, Congresso e sociedade precisam convergir na implementação dessas mudanças. Somente com receitas mais robustas, despesas mais controladas e regras modernas ajustadas à realidade do século XXI será possível assegurar que o RGPS continue cumprindo seu papel social – de proteger milhões de trabalhadores e aposentados – sem comprometer a saúde financeira do Estado. Os próximos anos serão decisivos para encaminhar essas soluções e garantir o equilíbrio dessa importante política pública.
Referências
BRASIL. Controladoria-Geral da União. Ministro da CGU detalha ações do governo sobre fraude contra o INSS. Agência Gov, 24 abr. 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202504/ministro-da-cgu-detalha-acoes-do-governo-sobre-fraude-contra-o-inss. Acesso em: 25 jun. 2025.
BRASIL. Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Cai 3,8% o déficit da Previdência geral em 2024. Agência Gov – Economia, 31 jan. 2025. Disponível em: https://agenciagov.ebc.com.br/noticias/202501/cai-em-3-8-o-deficit-da-previdencia-geral-em-2024. Acesso em: 25 jun. 2025.
BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Previdência Social – Artigo no Portal Benefíciometro. Brasília: IPEA, 2023. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/beneficiometro/beneficiometro-artigos/previdencia-social. Acesso em: 25 jun. 2025.
BRASIL. Ministério da Previdência Social. Nota Técnica nº 262/2025/DRGPS/SRGPS/MPS – resposta ao RIC nº 601/2025 (Dep. Cabo Gilberto Silva). Brasília: MPS, 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2898250&filename=Tramitacao-RIC%20601/2025. Acesso em: 24 jun. 2025.
BRASIL. Tribunal de Contas da União (2024a). Contas do Presidente da República 2023 – Resultado dos regimes de previdência mantidos pela União. Brasília: TCU, 2024. Disponível em: https://sites.tcu.gov.br/contas-do-governo-2023/fichas/Ficha%2001%20-%20Resultado%20dos%20regimes%20de%20previd%C3%AAncia%20mantidos%20pela%20Uni%C3%A3o.pdf. Acesso em: 24 jun. 2025.
BRASIL. Tribunal de Contas da União (2024b). Auditoria aponta falhas na arrecadação de contribuições previdenciárias. Notícias TCU, 08 maio 2024. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/auditoria-aponta-falhas-na-arrecadacao-de-contribuicoes-previdenciarias.htm. Acesso em: 23 jun. 2025.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Contas do Presidente da República 2024 – Resultado dos regimes de previdência mantidos pela União. Brasília: TCU, 2025. (Forthcoming relatório anual, dados preliminares disponíveis no portal TCU).