Questões desafiadoras na gestão das finanças públicas do Brasil:Desoneração da Folha de Pagamento e rombo na previdência

Renor Ribeiro, Ph.D., (2025)
 
 

A desoneração da folha de pagamento impacta a Previdência Social no Brasil principalmente ao reduzir a arrecadação de contribuições patronais, o que agrava o déficit previdenciário e aumenta a necessidade de aportes do governo para cobrir o rombo nas contas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Veja os principais impactos e detalhes:

  • Mecanismo da Desoneração

    • A desoneração, instituída em 2011, permite que empresas de determinados setores, inicialmente 17, substituam a contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários por uma alíquota menor (entre 1% e 4,5%) calculada sobre a receita bruta. O objetivo original era aliviar a carga tributária, estimular a geração de empregos e reduzir a informalidade.
    • Trabalhadores, por sua vez, continuam a contribuir com base na folha salarial.
  • Impacto na Arrecadação e no Déficit Previdenciário

    • O financiamento da Previdência Social no Brasil baseia-se majoritariamente na contribuição dos empregadores sobre a folha de pagamento. Ao reduzir essa base de arrecadação, a desoneração gera um rombo significativo nos cofres do INSS.
    • Perdas de Arrecadação: Estudos e estimativas indicam perdas bilionárias. Em 2022, a renúncia fiscal da desoneração foi de aproximadamente R$ 9 bilhões. Com a prorrogação até 2027, esse valor pode ultrapassar R$ 40 bilhões em quatro anos. A perda estimada de receita previdenciária do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) avançou de R$ 12,3 bilhões em 2006 para R$ 62,5 bilhões em 2017 e R$ 50,6 bilhões em 2018. O custo anual da desoneração gira em torno de R$ 25 bilhões.
    • Agravamento do Déficit: O déficit previdenciário do RGPS foi de R$ 272,1 bilhões em 2023, um aumento de 8,6% em relação ao ano anterior. A desoneração contribui para que esse déficit se agrave, exigindo mais recursos do Tesouro Nacional para cobrir a insuficiência financeira.
    • Dependência do Tesouro Nacional: Com menos arrecadação própria, o INSS torna-se mais dependente de aportes do governo federal, pressionando as contas públicas. Isso significa que a sociedade como um todo pode ter que arcar com esse custo através de aumento de impostos ou cortes em outras áreas essenciais, como saúde e educação.
    • A ANFIP alerta que as renúncias fiscais corroem a base de financiamento da Previdência. Em 2023, as renúncias de contribuições sociais totalizaram cerca de R$ 270 bilhões.
  • Eficácia na Geração de Empregos

    • Apesar de ser defendida como um incentivo à geração de empregos, dados do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) indicam que a medida teve um impacto marginal no crescimento do emprego formal. Os setores beneficiados pela desoneração não são os maiores empregadores e, de 2012 a 2022, reduziram sua participação na população ocupada e entre os empregados com carteira assinada.
    • Estudos sugerem que o benefício na criação de empregos é "muito pequeno", se comparado ao custo da arrecadação perdida. Os segmentos empresariais beneficiados com esses "privilégios fiscais" não conseguiram demonstrar os impactos positivos prometidos.
  • Consequências para a Sustentabilidade do Sistema

    • O financiamento patronal da Previdência via folha de pagamento está se esgotando rapidamente devido à revolução tecnológica, novas formas de trabalho sem vínculo formal (como a "uberização" e pejotização), automação, digitalização, e o envelhecimento da força de trabalho.
    • Mantido o modelo atual, o sistema previdenciário pode se tornar insustentável a curto prazo, levando a novas reformas com viés fiscal que penalizariam aposentados, pensionistas e trabalhadores, possivelmente com o adiamento no acesso aos benefícios e a redução de seus valores. Isso também pode levar à desvinculação do salário mínimo do piso de benefícios da Previdência Social e à supressão do reajuste automático dos benefícios.
  • Controvérsias e Soluções Propostas

    • A prorrogação da desoneração até 2027 pela Lei nº 14.784/2023 foi alvo de questionamentos jurídicos e econômicos. O governo federal tentou revogá-la por meio de Medida Provisória, argumentando que a política compromete a arrecadação sem garantir benefícios concretos.
    • O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os efeitos da lei em abril de 2024, exigindo que o Congresso Nacional apresentasse a estimativa de receita para compensar a renúncia fiscal.
    • Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que propõe uma transição gradual de três anos para o fim da desoneração, com a redução gradual da alíquota sobre a receita bruta e o aumento gradual da alíquota sobre a folha, retornando aos 20% a partir de 2028.
    • Para garantir a sustentabilidade da Previdência, algumas alternativas incluem:
      • Revisão das regras da desoneração, com um modelo de transição gradual.
      • Criação de fontes alternativas de financiamento, como taxação de lucros e dividendos ou destinação de parte da arrecadação de impostos sobre transações financeiras para o INSS.
      • Combate à sonegação e inadimplência para recuperar bilhões de reais.
      • Aprimoramento da fiscalização para garantir que as empresas beneficiadas ampliem seus quadros de funcionários.
      • Mudança da fonte de financiamento da parte patronal da folha de pagamento para a receita ou o faturamento das empresas, o que é considerado uma solução mais sustentável frente ao envelhecimento da população e às alterações nos modos de produção e prestação de serviços. Essa mudança garantiria que a arrecadação permanecesse constante, independentemente de vínculos formais de emprego, automação, ou uso de Inteligência Artificial.
 

 

Referências 
  1. BADARI, João. A desoneração da folha de pagamento e o déficit na Previdência Social. [Publicado em portal ou site não identificado nos excertos], 2024. 
  2. BARROS, Gabriel Leal de. Atualização tributária: a influência e impacto das renúncias fiscais. Brasília, DF: Instituto Fiscal Independente, Senado Federal, 14 set. 2017. Nota Técnica n. 7. 
  3. BRASIL. Receita Federal. Benefícios e Renúncias Fiscais. [Brasília, DF], [s.d.]. 
  4. FERNANDES, Daniel Augusto Moreira. Caracterização e impacto da desoneração da folha de pagamentos nas receitas e despesas do RGPS. 2021. 33 f. Trabalho de conclusão de curso (Bacharelado em Ciências Contábeis) – Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Gestão de Políticas Públicas, Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://www.bdm.unb.br/handle/10483/30773. 
  5. HECKSCHER, Marcos. Desoneração da folha salarial: O que justifica e quem se beneficia dela? Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 27 nov. 2023. KONCHINSKI, Vinicius. Impasse sobre desoneração da folha leva contas do governo ao limite da meta fiscal. Brasil de Fato, Curitiba, PR, 23 jul. 2024. 
  6. LINO, Elisa. O que é desoneração da folha de pagamento e como fica em 2025? Sólides, 11 jul. 2024. MACHADO, Ludmila. Renúncias fiscais corroem a base de financiamento da Previdência, alerta ANFIP no Senado. ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), 20 ago. 2024. 
  7. PIOVESAN, Eduardo; MORAES, Geórgia. Câmara dos Deputados aprova fim gradual da desoneração da folha de pagamento. Agência Câmara de Notícias, Brasília, DF, 12 set. 2024. 
  8. QUEIROZ, Antonio Augusto de. A desoneração da folha e o futuro da Previdência Social. Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Brasília, DF, 8 maio 2024.