BlockChain e Transparência nas Operações Governamentais

Renor A A Ribeiro, Ph.D. (2025).

 

A tecnologia blockchain é uma tecnologia de registro distribuído (Distributed Ledger Technology - DLT) que funciona como um livro-razão digital distribuído por uma rede de computadores, chamados nós. O seu funcionamento baseia-se no registro e armazenamento de informações em blocos, onde cada bloco contém um conjunto de registros ou transações. Esses blocos são encadeados sequencialmente de forma criptografada, formando uma cadeia. Cada bloco inclui um apontador para o hash do bloco anterior, garantindo que se qualquer parte do bloco anterior for alterada, o hash mudará e causará uma inconsistência facilmente detectável na cadeia. Isso confere à tecnologia a característica de resistência à adulteração.

A transparência é uma característica fundamental do blockchain. Embora os usuários possam permanecer anônimos, todas as transações registradas na cadeia são públicas e podem ser verificadas por qualquer pessoa com acesso à rede. Além disso, a tecnologia garante a imutabilidade dos registros. Uma vez que uma transação é registrada em um bloco e este é adicionado à cadeia (validados por uma rede de usuários), ela não pode ser alterada ou excluída sem a validação da maioria da rede, tornando os dados praticamente invioláveis. Em caso de erro em um registro, uma nova transação deve ser incluída para reverter o erro, e ambas as transações permanecerão visíveis.

A natureza descentralizada da rede blockchain significa que a validação das transações é feita pelos participantes da rede, sem a necessidade de uma autoridade central ou intermediário. Isso não apenas agiliza processos, mas também minimiza o risco de fraudes e falhas sistêmicas. A tecnologia também permite o uso de contratos inteligentes (smart contracts), que são conjuntos de regras armazenados no blockchain e executados automaticamente quando condições predefinidas são cumpridas. Estes podem automatizar e garantir o cumprimento de termos contratuais sem intermediários.

No contexto da administração pública e do governo digital, o blockchain emerge como uma tecnologia poderosa com potencial para garantir segurança e transparência. Ele pode revolucionar a forma como os governos operam, tornando os processos mais transparentes e eficientes. A sua adoção pode melhorar a transparência dos processos governamentais, permitindo maior visibilidade e facilitando a auditoria das atividades. A imutabilidade dos registros contribui para a prevenção de fraudes e corrupção, fortalecendo a integridade dos sistemas e instituições.

O blockchain pode ser utilizado para registrar e verificar uma ampla gama de transações e atividades governamentais. A automação da confiança provida por soluções blockchain pode ser um instrumento poderoso no processo de transformação digital da administração pública. Eliminar a necessidade de intermediários, automatizar processos e reduzir a burocracia podem reduzir custos operacionais e agilizar a prestação de serviços públicos.

Diversos países ao redor do mundo já estão implementando soluções baseadas em blockchain para melhorar seus serviços.

  • A China utiliza blockchain para proteger dados de saúde e melhorar a logística. Um projeto notável é a moeda digital do banco central (DCEP), que visa modernizar o sistema financeiro.
  • Dubai tem uma estratégia ambiciosa de transformar seus serviços governamentais usando blockchain, com a visão de se tornar o primeiro governo totalmente baseado em blockchain até 2025. Projetos abrangem setores como finanças, educação, imobiliário, saúde e transporte, prometendo economizar milhões de dólares anualmente. A digitalização de serviços como pagamentos de contas, solicitações de vistos e renovações de licenças está alinhada com essa visão.
  • A Suíça já aceita pagamentos em criptomoedas para serviços públicos em cidades como Zug. O país também implementou sistemas de votação eletrônica baseados em blockchain, garantindo anonimato, segurança e integridade. A digitalização do sistema de identificação dos cidadãos utilizando blockchain melhora a segurança e facilita o acesso a serviços públicos.
  • A Dinamarca aplica blockchain em sistemas de votação para garantir segurança e transparência eleitoral. A tecnologia também é usada nos setores de saúde (gerenciamento seguro de registros médicos) e identidade digital (controle do cidadão sobre suas informações).

No Brasil, o Tribunal de Contas da União (TCU) realizou um levantamento sobre o potencial disruptivo do blockchain para a melhora dos serviços digitais, desburocratização e combate à corrupção. O TCU reconheceu o potencial da tecnologia para permitir transações autenticadas sem autoridade central e automatizar a confiança, o que pode acelerar a transformação digital. Exemplos de uso incluem o Diário de bordo digital da ANAC, a plataforma de integração de informações de entidades reguladoras do BACEN, a rede de troca de informações de resumo de atendimento clínico do DATASUS, e a plataforma da Receita Federal do Brasil (RFB) para compartilhamento de bases de cadastro de pessoas físicas e jurídicas, incluindo os cadastros de CPF e CNPJ. A Receita Federal também está na vanguarda da aplicação da tecnologia no comércio exterior, e as aduanas do Mercosul estão conectadas por blockchain para unificar dados de importadores e exportadores. O uso de blockchain e contratos inteligentes em contratações públicas é defendido como ferramenta para prevenir a corrupção. A Rede Blockchain Brasil é uma iniciativa para avaliar a aplicação da tecnologia no serviço público. A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) incluiu o uso de blockchain em suas ações.

Apesar do grande potencial, a implementação do blockchain no governo digital apresenta desafios. Um deles é a adaptação legislativa e a necessidade de regulamentação. No Brasil, o TCU concluiu que falta amadurecimento regulatório para aproveitar todo o potencial da tecnologia. Outros desafios incluem a escalabilidade e a complexidade das questões regulatórias, a necessidade de capacitação técnica dos servidores públicos e a infraestrutura tecnológica adequada. Além disso, o blockchain pode gerar conflitos com leis de proteção de dados, como a LGPD no Brasil, que garante o direito do cidadão à eliminação de dados pessoais, o que se contrapõe à característica de imutabilidade do blockchain. Portanto, é fundamental aprofundar as discussões e superar os desafios técnicos, regulatórios e sociais. A adoção do blockchain exige um esforço de colaboração entre diferentes órgãos governamentais e empresas de tecnologia. O TCU recomendou a realização de estudos de viabilidade e a verificação de desafios, riscos e oportunidades dessas tecnologias.

Em suma, o blockchain é uma ferramenta promissora para a administração pública, oferecendo uma forma inovadora de melhorar a transparência, segurança, eficiência e confiança nos serviços governamentais, mas sua implementação bem-sucedida depende da superação de importantes desafios técnicos, regulatórios e de coordenação.


REFERÊNCIAS

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