Histórico da Digitalização no Setor Público e Privado

Renor A A Ribeiro, Ph.D. (2025)

 
 

    A transformação digital representa uma trajetória evolutiva e mais abrangente que organizações dos setores público e privado percorrem para tornar produtos, serviços e processos digitais, aproveitando tecnologias para viabilizar modelos de negócio e operacionalidade que criam valor. Este processo vai além da mera aplicação de tecnologia, compreendendo redesign de sistemas, capacitação de pessoal, automatização de processos e relacionamento com o ecossistema. A seguir, iremos definir alguns conceitos relacionados ao tema:

  • Digitização (do inglês digitization) refere-se ao processo de converter algo analógico em um formato digital. É a passagem de dados físicos para o meio digital, como escanear documentos. A digitização é o nível considerado básico na jornada digital. Nos documentos oficiais brasileiros, a digitização é comumente tratada como digitalização.
  • Digitalização (do inglês digitalization) envolve o emprego de tecnologias digitais para mudar um modelo de negócio e prover novas oportunidades de receita e produção de valor. É a inovação de modelos de negócios e processos para explorar as oportunidades digitais. Implica mudanças profundas na estrutura, processos e estratégia do negócio. A digitalização preconiza o completo gerenciamento da informação em meio digital, desde o seu nascimento até o descarte.
  • Transformação Digital (digital transformation) é um processo mais amplo e evolutivo. Refere-se à trajetória que uma organização persegue para tornar seus produtos, serviços e processos digitais. Aproveita capacidades digitais e tecnologias para viabilizar modelos de negócios, processos operacionais e experiências de clientes, criando valor. A transformação digital pode envolver digitização e/ou digitalização, mas vai além disso. É um processo no qual recursos tecnológicos passam a ocupar um lugar central na organização. Não se resume apenas à aplicação de tecnologia, mas compreende pilares interconectados como redesenho de sistemas, capacitação de pessoal, automatização de processos e relacionamento com o ecossistema. Resulta em um novo paradigma caracterizado pela hiperconectividade e colaboração entre consumidores e organizações. A transformação digital é vista como uma mudança de paradigma e às vezes rotulada como uma revolução tecnológica. Em organizações públicas, o termo tem sido utilizado para iniciativas modestas, mas a definição mais ampla é totalmente aplicável.

Histórico no Setor Privado:

Nos últimos 25 anos, as Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) evoluíram muito, impactando significativamente pessoas e empresas. A chegada e evolução da internet foram impulsionadores principais, juntamente com outras tecnologias como 3G, 4G, 5G, aumento da banda larga, evolução de aparelhos celulares, computação em nuvem, inteligência artificial (IA), big data e internet das coisas (IoT). Essas tecnologias tornaram-se acessíveis e estão disponíveis para serem usadas em novos modelos de negócios ou para transformar negócios já existentes. Empresas como a Apple reinventaram a interação com o mundo através de dispositivos como o iPhone, criando um novo universo digital com aplicativos de fácil uso. Atualmente, competir com empresas que nascem 100% digitais, com mentalidade de escala exponencial, é um desafio. A transformação digital se estabeleceu como uma prioridade estratégica na busca por competitividade empresarial.

Histórico no Setor Público Brasileiro:

A transformação digital no setor público brasileiro tem uma trajetória que remonta ao final da década de 1990.

  • Anos 2000: O conceito de Governo Eletrônico (e-Government) surge a partir da evolução da TIC, especialmente a internet, visando novas formas de relacionamento da Administração Pública com a sociedade, com foco na prestação de serviços sem a necessidade de presença física. O Programa de Governo Eletrônico do Estado brasileiro foi criado no ano 2000, alinhado às metas do Programa Sociedade da Informação (SocInfo).
  • Período pós-2009: Houve a evolução das estratégias de tecnologia da informação e comunicação no governo, como a Estratégia Geral de Tecnologia da Informação (EGTI) e a Estratégia Geral de Tecnologia da Informação e Comunicações (EGTIC), que buscaram estruturar, integrar e agregar valor na gestão dos ambientes de informática do Executivo Federal.
  • E-Digital 2018: O Governo Federal publicou a Estratégia Brasileira para a Transformação Digital (E-Digital) em 2018. Este documento representou uma nova abordagem para o uso das tecnologias digitais no setor público, colocando o foco totalmente centrado no cidadão e buscando transformar a economia, o governo e a sociedade brasileira.
  • EGD 2020-2022: A Estratégia de Governo Digital (EGD) para o período de 2020 a 2022 foi formalizada pelo Decreto nº 10.332, de 28 de abril de 2020. Esta estratégia instituiu o Brasil como um Governo Digital. Seu principal objetivo era transformar todas as etapas e serviços públicos digitalizáveis até 2022, tornando-os 100% on-line, por meio do portal GOV.BR. A EGD 2020-2022 busca oferecer políticas públicas e serviços de melhor qualidade, mais simples, acessíveis a qualquer hora e lugar e a um custo menor para o cidadão. A construção da EGD contou com a participação da sociedade organizada, entidades governamentais e cidadãos.
  • Aceleração pela Pandemia: Embora o movimento de transformação digital já fosse uma prioridade, ele ganhou um enorme impulso a partir da pandemia de Covid-19. A necessidade compulsória de trabalho remoto superou resistências culturais e impulsionou a adoção de ferramentas colaborativas e soluções digitais em poucos dias. Anos de tentativas de transformação digital foram resolvidos rapidamente devido à situação-limite criada pela pandemia.
  • Desenvolvimentos Recentes e Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs): Desde o primeiro mandato do governo Lula, o Brasil tem avançado na modernização dos serviços públicos. A plataforma GOV.BR digitalizou mais de 4 mil serviços e conta com mais de 162 milhões de contas. A publicação recente da Estratégia Nacional de Governo Digital (ENGD) e da Estratégia Federal de Governo Digital (EFGD) reforça a inclusão, direitos humanos e sustentabilidade. A EFGD formalizou a Infraestrutura Nacional de Dados. A implementação de IPDs como a identidade digital, o PIX, o Cadastro Único (CadÚnico) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) tem fortalecido a gestão de políticas públicas e ampliado o acesso a serviços. Um exemplo essencial de IPD é o alinhamento da Carteira de Identidade Nacional à identidade digital GOV.BR, oferecendo um número único de identificação civil.
  • Desenvolvimento Centrado no Cidadão: A visão de governo digital no Brasil é centrada no cidadão, buscando garantir que toda interação seja percebida como personalizada e alinhada à sua jornada de vida. Os cinco pilares do governo digital incluem: identificação unificada dos cidadãos; fortalecimento da plataforma GOV.BR; integração federativa; Infraestrutura Nacional de Dados e interoperabilidade; e privacidade e segurança de dados.

A transformação digital no setor público é necessária, possível e urgente, com as abordagens fora do setor público elevando as expectativas dos cidadãos. O setor público brasileiro está passando por uma transformação digital. Os cidadãos demandam melhores serviços públicos baseados em tecnologias atuais, sem necessidade de presença física ou autenticação cartorial para informações já existentes em bases digitais do próprio governo.

Historicamente, a jornada digital no governo pode ser vista em níveis de maturidade. O nível inicial é o Governo Eletrônico, focado em ter serviços online para conveniência e eficiência. Níveis mais maduros envolvem Governo Aberto, baseado em transparência e engajamento, e evoluem para o uso do valor dos dados como ativo e análise de dados como recurso crítico. O nível mais maduro é o Governo Inteligente, onde a transformação digital é um processo contínuo autossustentável.

Apesar dos avanços, o setor público brasileiro ainda é considerado digitalmente imaturo e está atrasado em relação ao setor privado quanto à transformação digital. Estudos apontam que poucas organizações públicas atingiram um estágio avançado de criação de valor novo e significativo a partir de serviços digitais. Essa lacuna tem sido observada tanto na prática quanto na literatura acadêmica. No entanto, casos de sucesso em transformação digital no setor público brasileiro mostram que isso não é novidade e que o impacto positivo repercute na economia, segurança e bem-estar social.

REFERÊNCIAS

de Medeiros, A. A. D. (2003). Modelagem e Análise de Sistemas Dinâmicos, Apostila.

Lopez, R. A. (2000). Sistemas de Redes para Controle e Automação, Book Express.

Maitelli, A. L. (2001). Controladores Lógicos Programáveis, Apostila.

Natale, F. (2003). Automação Industrial, Editora Érica.

Ribeiro, M. A. (2000). Instrumentação, PETROBRAS.

Filho, C. S. (2003). www.cpdee.ufmg.br/˜ seixas, CPDEE - UFMG.

BRASIL. Brasil apresenta experiências de sucesso da Transformação Digital em evento da Rede Gealc. 27 nov. 2024.

HOFF, Yasmim. Digitalização, Digitização ou Transformação Digital: Qual a diferença?. 21 jun. 2024.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA PÚBLICA (Org.). Reconstrução do Brasil pela transformação digital no setor público. Brasília: IBGP, 2020. 264 p.

PENA, M. G.; SILVA, A.C. A digitalização de documentos históricos e a gestão eletrônica de documentos para disponibilização on line. Saber Digital, [Local da publicação - CESVA/FAA], v. 01, n. 1, p. 80-96, 2008.

 

 

 

Considerando as distinções apresentadas nas fontes entre 'digitalização', 'digitização' e 'transformação digital', e os marcos históricos mencionados, como podemos descrever a trajetória e a evolução dessas iniciativas no Brasil, particularmente no setor público?

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