Ferramentas de Medição de Impacto Digital no Setor Público
O objetivo dessa aula é fazer o aluno:
- Compreender o conceito de impacto digital e a relevância de sua mensuração na administração pública.
- Conhecer as principais ferramentas e índices internacionais utilizados para medir a maturidade e a transformação digital em governos (GTMI, EGDI, DGI).
- Diferenciar indicadores qualitativos e quantitativos no contexto da avaliação do impacto digital.
- Analisar a aplicabilidade prática dessas ferramentas em diferentes contextos e identificar seus desafios e limitações.
- Refletir sobre a importância de uma abordagem ética, inclusiva e centrada no cidadão para a transformação digital do Estado.
Contextualizando a importância da avaliação no setor público
A administração pública lida diariamente com uma vasta gama de processos e demandas, tanto internas (servidores e gestores) quanto externas (sociedade, empresas e outros órgãos). A melhoria na organização e resposta a esses fluxos é uma necessidade urgente para a modernização da administração pública, visando não apenas à produtividade, mas também à qualidade dos serviços oferecidos à população. Problemas como burocracia excessiva, baixa digitalização e ausência de padronização afetam diretamente a agilidade, previsibilidade e transparência das entregas públicas, impactando a rotina dos servidores e a experiência do cidadão.
Nesse cenário, a revolução digital, impulsionada pelos avanços tecnológicos da internet, tem reconfigurado profundamente a sociedade contemporânea, alterando nossas formas de viver, trabalhar e interagir. A transformação digital, que se consolidou como uma extensão dessa revolução, designa mudanças nas estruturas organizacionais, sociais e econômicas do Estado e das corporações privadas. O conceito, que teve origem no ambiente das corporações privadas, ganhou espaço nas administrações públicas, levando governos a considerar a produção e o uso de dados digitais como pilares fundamentais para o desenvolvimento econômico e social.
A adoção de indicadores de desempenho é indispensável para acompanhar a performance da gestão pública e identificar pontos de melhoria, permitindo uma gestão mais proativa e orientada por dados. No planejamento governamental, os indicadores são instrumentos que contribuem para identificar, medir e descrever aspectos de um fenômeno ou objeto da realidade, traduzindo-os de forma mensurável ou descritível para possibilitar seu acompanhamento.
O que é impacto digital e por que mensurá-lo?
A transformação digital pode ser amplamente compreendida como a extensão da revolução digital, ressaltando as mudanças históricas decorrentes da adoção em massa de tecnologias digitais. Em um sentido mais estrito, refere-se ao processo de integração de tecnologias digitais em todas as áreas de uma organização, resultando em profundas mudanças na condução de operações internas, oferta de produtos e serviços, e relacionamento com "clientes" e partes interessadas. No setor público, essa transformação vai além da simples adoção de novas ferramentas tecnológicas; ela envolve a reestruturação das práticas organizacionais, modelos de negócios e cultura corporativa, visando aumentar a eficiência, promover a inovação e melhorar a "experiência do cliente".
A transformação digital em governos se confunde com uma reforma administrativa que tem como elemento-chave a implementação de tecnologias com a promessa de alcançar metas de melhoria de eficiência, efetividade e transparência na prestação dos serviços, além de preconizar um vínculo mais estreito entre governantes e cidadãos. Esse processo vem sendo também denominado de e-government, e-governança, governo digital ou governo eletrônico, significando a provisão eletrônica de serviços governamentais, viabilizada por tecnologias digitais através da internet, com o objetivo de transformar e melhorar a administração pública e suas operações e interações.
Mensurar o impacto digital é crucial porque a digitalização não pode ser analisada apenas como um avanço tecnológico, mas também considerando fatores sociais, como o acesso desigual à internet e as barreiras de letramento digital. A avaliação permite verificar se as ações certas foram executadas e se tiveram o resultado social esperado. É fundamental que a transformação digital no setor público priorize a inclusão, a equidade e o fortalecimento da cidadania, adaptando-se às particularidades sociais e econômicas de cada território.
Principais ferramentas utilizadas no setor público
Organizações internacionais como a ONU, a OCDE e o Banco Mundial desenvolveram metodologias para avaliar a maturidade digital dos governos, refletidas em índices amplamente utilizados.
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Índice de Maturidade GovTech (GovTech Maturity Index – GTMI) / Banco Mundial:
- Lançado em 2021 e atualizado em 2022.
- Vincula a maturidade digital ao conceito de GovTech, que se refere à utilização estratégica de tecnologias emergentes e soluções digitais específicas para modernizar e otimizar as operações do setor público. É um subconjunto da transformação digital focado no setor público.
- Pilares fundamentais:
- Sistemas centrais de governo (CGS): Avalia a modernização de sistemas como gestão financeira pública, administração tributária, recursos humanos e compras governamentais.
- Entrega de serviços públicos (PSD): Avalia a capacidade dos governos de usar a tecnologia para melhorar o acesso e a qualidade dos serviços públicos.
- Engajamento cidadão digital (DCE): Enfoca a participação dos cidadãos em processos governamentais por meio de soluções digitais.
- Inovação e capacitação GovTech (GTE): Analisa o ecossistema de inovação, incluindo incentivos para startups que desenvolvem soluções tecnológicas voltadas para o governo.
- O GTMI de 2022 introduziu novos indicadores para capturar melhor a implementação de tecnologias emergentes (IA e blockchain) e a capacidade dos governos de promover um ambiente de inovação para startups de GovTech.
- Foco: Principalmente na eficiência operacional e na capacidade de inovação.
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Índice de Desenvolvimento de Governo Eletrônico (E-Government Development Index – EGDI) / ONU:
- O índice mais antigo, avaliado bianualmente pela ONU desde 2001, acompanhando 193 Estados-membros.
- Dimensões avaliadas (combinadas em um índice composto):
- Índice de infraestrutura de telecomunicações (TII): Mede a disponibilidade de infraestrutura tecnológica (usuários de internet, assinaturas de banda larga).
- Índice de capital humano (HCI): Avalia a capacidade da população de utilizar tecnologias, considerando educação e habilidades digitais.
- Índice de serviços online (OSI): Avalia a quantidade e qualidade dos serviços públicos oferecidos online.
- Índice de e-participação (EPI): Um índice complementar que mede o nível de participação eletrônica dos cidadãos, avaliando e-information, e-consultation e e-decision-making.
- O relatório de 2024 incluiu um apêndice sobre o uso de IA no governo e enfatizou o desenvolvimento local e a inclusão através do local online service index (Losi).
- Foco: Inclusão digital e o acesso equitativo à tecnologia, com métricas padronizadas.
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Índice de Governo Digital (Digital Government Index – DGI) / OCDE:
- Lançado em 2020 e atualizado em 2023, avalia a capacidade dos governos de integrar estratégias digitais.
- Seis dimensões:
- Digital por projeto (digital by design): Integração de tecnologias digitais desde o início das políticas.
- Governo como plataforma: Capacidade de fornecer plataformas colaborativas para interoperabilidade.
- Setor público guiado por dados (data-driven public sector): Uso estratégico de dados na formulação de políticas e prestação de serviços.
- Abertura por padrão (open by default): Nível de transparência e disponibilização de dados públicos.
- Centralidade no usuário (user-driven): Serviços digitais focados nas necessidades dos cidadãos.
- Proatividade (proactiveness): Capacidade de antecipar necessidades e oferecer serviços automatizados.
- O DGI de 2023 incluiu novos indicadores de transparência de dados, integração de tecnologias emergentes (IA, blockchain, nuvem) e participação mais ativa dos cidadãos na dimensão de centralidade no usuário.
- Foco: Governança orientada por dados e centralidade no usuário.
Outros índices complementares relevantes:
- Índice de Prontidão em Rede (Network Readiness Index – NRI): Mede a capacidade de um país de explorar oportunidades digitais, incluindo tecnologia, pessoas, governança e impacto.
- Índice Global de Inovação (Global Innovation Index – GII): Avalia a capacidade de inovação, incluindo aspectos tecnológicos e digitais que afetam a administração pública, como instituições, infraestrutura e capital humano.
- Índice Global de Cibersegurança (Global Cybersecurity Index – GCI): Mede o compromisso dos países com a cibersegurança, avaliando medidas legais, técnicas, organizacionais e de capacitação.
Indicadores qualitativos e quantitativos
Os indicadores podem ser traduzidos de forma mensurável (quantitativamente) ou descritível (qualitativamente). As ferramentas de medição de impacto digital frequentemente se baseiam em métricas quantitativas, como o número de serviços online disponíveis. No entanto, os próprios estudos de referência criticam a ênfase excessiva nesses indicadores de maturidade digital, sugerindo que não capturam plenamente as realidades e necessidades locais.
É argumentado que a falta de indicadores qualitativos mais robustos em dimensões como a proteção de dados e privacidade limita a capacidade de avaliação integrada do progresso digital de um governo. A transformação digital precisa ser acompanhada de ganhos efetivos em transparência, eficiência e participação social, garantindo que a digitalização não seja apenas um meio para reduzir custos, mas uma estratégia para ampliar a capacidade do Estado de atender às necessidades da população.
Indicadores qualitativos e outras formas de aquisição de informações, como a troca de experiências e impressões interpessoais, não devem ser desprezadas. A integração de indicadores quantitativos e qualitativos pode oferecer uma compreensão mais ampla e consistente das necessidades e desafios da transformação digital em diferentes contextos.
Exemplos de classificação de indicadores segundo o fluxo de implementação:
- Insumo: Medem recursos alocados (ex: médicos/mil habitantes, gasto per capita com educação).
- Processo: Medem o desempenho das atividades de execução (ex: dias de demora de um processo de compra, percentual de atendimento de um público-alvo).
- Produto: Expressam as entregas de bens ou serviços ao público-alvo (ex: percentual de quilômetros de estrada entregues, número de crianças vacinadas).
- Resultado: Expressam benefícios no público-alvo decorrentes das ações (ex: taxas de morbidade, taxa de reprovação escolar).
- Impacto: Medem os efeitos relacionados ao fim último esperado, de natureza abrangente e multidimensional, de médio e longo prazo (ex: Índice Gini, PIB per capita).
Como aplicar essas ferramentas em contextos reais
As ferramentas de medição de impacto digital devem ser utilizadas como ferramentas de diagnóstico, e não como metas absolutas. É essencial que sua utilização seja orientada pela realidade interna de cada país, levando em conta suas especificidades socioeconômicas e culturais, e a construção de estratégias que dialoguem com as particularidades.
A aplicação dessas ferramentas na prática envolve:
- Centralização de dados e integração de áreas: Contar com soluções tecnológicas que centralizem dados, integrem áreas e forneçam dashboards com visualização clara de metas e resultados. O Business Intelligence (BI) no governo, por exemplo, busca coletar dados de diversas fontes e reuni-los em uma única plataforma para organização e análise, formando relatórios e dashboards que servem de base para a tomada de decisões.
- Priorização de necessidades locais: Adaptar os parâmetros de avaliação para considerar as desigualdades regionais e as especificidades locais.
- Foco na inclusão e equidade: A transformação digital genuína no setor público deve priorizar a inclusão, a equidade e o fortalecimento da cidadania. A tecnologia orientada por dados pode definir políticas públicas mais efetivas, como a localização de novas UPAs ou a distribuição de equipamentos médicos essenciais para áreas mais necessitadas.
- Avaliação de resultados e não apenas outputs: Em vez de focar apenas na quantidade de serviços digitalizados (outputs), é preciso considerar os impactos reais sobre a qualidade dos serviços e a experiência dos cidadãos (outcomes). Os indicadores devem informar as mudanças promovidas diretamente pelos programas e indiretamente por seus objetivos, sendo instrumentos diretos de verificação dos resultados da ação governamental.
- Reestruturação de processos internos: A digitalização deve envolver mudanças profundas na cultura organizacional, reestruturação burocrática, capacitação dos servidores públicos e a adoção de um mindset digital.
- Mapeamento e planejamento estratégico: Mapear os processos internos de forma transparente e vertical para implementar estratégias e políticas. O planejamento estratégico é fundamental para projetar o cenário desejado pela gestão pública.
Limitações e desafios da medição de impacto digital
Apesar dos avanços e do potencial, a medição do impacto digital no setor público enfrenta desafios significativos:
- Ênfase excessiva em indicadores de maturidade digital: Há questionamentos sobre a ênfase excessiva em indicadores como GTMI, EGDI e DGI, sugerindo que esses instrumentos não capturam plenamente as realidades e necessidades locais dos países em desenvolvimento.
- Linearidade e padronização: Os modelos baseados em estágios de e-government tendem a sugerir uma progressão linear, mas a experiência prática mostra que o desenvolvimento raramente segue uma progressão previsível, e a padronização impõe uma homogeneidade artificial que desconsidera a variedade de trajetórias e desafios.
- Dependência tecnológica e perda de soberania: O uso de soluções GovTech pode aprofundar dependências e trazer riscos não antecipados, como a perda de controle sobre sistemas críticos e dados sensíveis para o setor privado, comprometendo a soberania digital. Há risco de lock-in tecnológico, onde governos ficam dependentes de um pequeno número de startups.
- Falta de clareza conceitual: No Brasil, a transformação digital tem sido amplamente utilizada como sinônimo de digitalização de serviços, sem uma definição clara e consolidada, o que reflete uma lacuna teórica e dificulta a tradução em estratégias coerentes e eficazes.
- Foco em eficiência vs. inclusão: A ênfase em indicadores que valorizam a eficiência operacional e a inovação tecnológica pode desconsiderar o impacto social da transformação digital, levando a políticas públicas que beneficiam apenas uma parcela privilegiada da população conectada, perpetuando desigualdades.
- Resistência à mudança e falta de liderança: A implementação de tecnologias esbarra na falta de lideranças capazes de navegar pelas complexidades políticas e gerenciais, e na resistência de equipes sobrecarregadas à dedicação de tempo para novas tecnologias.
- Custos de implementação e manutenção: As barreiras orçamentárias e os custos elevados de implementação, armazenamento, manutenção de sistemas e treinamento fazem muitos governos hesitarem em financiar programas de e-government. A medição efetiva de indicadores também envolve custos significativos.
- Exclusão digital: Desigualdades significativas em termos de acesso à infraestrutura tecnológica (especialmente em áreas rurais e periferias) e déficits de letramento digital são barreiras críticas, que podem levar a digitalização a reforçar novas formas de exclusão.
- Desinformação e confiança pública: O uso massivo das redes sociais amplifica a polarização e a desinformação, comprometendo a confiança dos cidadãos nas instituições públicas e no governo digital. A proteção digital deve ser acompanhada pelo fortalecimento da confiança pública através da transparência e ética digital.
- Dados e ética: Questões éticas sobre o uso de tecnologia e dados, como privacidade dos dados e o potencial viés em algoritmos, precisam ser cuidadosamente consideradas. É fundamental que algoritmos que embasam decisões que afetam a vida das pessoas não sejam baseados em preconceitos e respeitem a privacidade e os direitos dos cidadãos.
- Indicadores como representações imperfeitas: A medição interfere na realidade, e indicadores são representações imperfeitas e transitórias, não devendo ser confiados cega e permanentemente. O foco das ações não deve ser deslocado da realidade para o indicador.
Estudos de caso práticos ou simulações
O Brasil tem apresentado avanços expressivos na transformação digital de seu governo, com posições distintas nos índices globais:
- GTMI/Banco Mundial (2022): O Brasil ocupa o 2º lugar global, com pontuação de 0,975 (nível muito alto), refletindo avanços em iniciativas como a plataforma Gov.br (que centraliza serviços governamentais digitais) e modernização de sistemas centrais. O país destaca-se em sistemas centrais de governo (2º lugar) e engajamento cidadão digital (9º lugar).
- EGDI/ONU (2024): O Brasil aparece em 50º lugar (com pontuação de 0,840, considerada muito alta), uma posição mais modesta devido à ênfase do EGDI em infraestrutura de telecomunicações e capital humano. Apesar de boa oferta de serviços digitais (OSI: 0,906), o país enfrenta desafios em TII (0,808) e HCI (0,863), relacionados à infraestrutura e capacitação digital da população, especialmente em áreas rurais e de baixa renda.
- DGI/OCDE (2023): O Brasil participa como país parceiro, sem classificação oficial. Estimativas indicam que ocuparia o 15º lugar (0,619) entre países-membros e parceiros da OCDE. Destaca-se em proatividade (11ª posição, 0,658) e governo como plataforma (17ª posição, 0,645), mas precisa melhorar no alinhamento de políticas digitais desde o projeto (25º lugar em "digital por projeto", 0,622).
Exemplos de sucesso no Brasil:
- Plataforma Gov.br: Centralizou mais de 4 mil serviços digitais e integrou mais de 142 milhões de cidadãos, contribuindo significativamente para o destaque do Brasil no GTMI.
- São Paulo (habitação popular): A implantação de um sistema digital para prefeituras reduziu em quase 80% o tempo para aprovação de projetos de moradias para famílias de baixa renda, permitindo a aprovação de 131 mil unidades habitacionais em pouco mais de um ano.
- Cascavel, PR (Secretaria de Obras): Reduziu o tempo para liberação de documentos de 60 para 15 dias, gerando um impacto positivo no mercado da construção civil, quase dobrando o número de vagas de trabalho e reduzindo o déficit habitacional. Alvarás para construções de até 600m² são emitidos instantaneamente.
- Itajaí, SC (emissão de alvarás): Com a tecnologia, a emissão de alvará de funcionamento de uma empresa passou a ser de 1 dia, inclusive para empresas de médio e alto risco, um processo que antes levava dois meses. Isso injetou R$ 3,4 bilhões na economia local em 2020.
- Uso de BI e IA na gestão pública: A Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná) desenvolveu um sistema que informa ocorrências de desastres, auxiliando a Defesa Civil na tomada de decisões ágeis. O SAS trabalhou com a polícia de um país para identificar quadrilhas por redes de relacionamento e com a Secretaria de Finanças do Rio de Janeiro para combater a evasão fiscal.
Tópicos de fixação
- Qual a diferença fundamental entre "transformação digital" e "GovTech" e por que essa distinção é importante para gestores públicos?
- Como a inclusão digital (ou a falta dela) impacta a posição de um país em índices internacionais de maturidade digital?
- De que forma a análise de dados (Business Intelligence) pode apoiar a tomada de decisões no governo para além da simples eficiência?
- Quais são os principais riscos éticos e sociais de uma transformação digital focada apenas em aspectos técnicos e quantitativos?
- Pensando no seu contexto de atuação, qual dos desafios da medição de impacto digital (custos, resistência, exclusão, etc.) é o mais premente e como ele poderia ser mitigado?
Quadro Resumo: Comparativo entre os Principais Índices de Medição de Impacto Digital em Governos
Critério | EGDI/ONU | GTMI/Banco Mundial | DGI/OCDE |
---|---|---|---|
Objetivo principal | Avaliar o desenvolvimento de governos eletrônicos, focando na inclusão digital e nos serviços online. | Medir a maturidade das tecnologias de governo e soluções digitais em governos. | Avaliar a capacidade dos governos em integrar soluções digitais nos processos de governança, com foco em dados, transparência e serviços centrados no cidadão. |
Abrangência | Global (193 países). | Global (198 países). | Global (32 países-membros da OCDE). |
Foco de avaliação | Inclusão digital, serviços públicos online e infraestrutura. | Digitalização de processos governamentais centrais, entrega de serviços públicos, inovação digital e engajamento de startups. | Políticas centradas em soluções digitais, governança baseada em dados, transparência e serviços focados no usuário. |
Dimensões avaliadas | 1) Infraestrutura (TII). 2) Capital humano (HCI). 3) Serviços online (OSI). 4) Participação social (EPI, complementar). | 1) Sistemas centrais do governo. 2) Entrega de serviços públicos. 3) Engajamento cidadão. 4) Inovação e startups GovTech. | 1) Digital por projeto. 2) Setor público guiado por dados. 3) Governo como plataforma. 4) Governo aberto por padrão. 5) Governo centrado no usuário. 6) Proatividade. |
Principais variáveis | Usuários de internet, assinaturas de banda larga, cobertura de telefonia móvel, educação e treinamento digital. | Digitalização de processos centrais de governo, acesso e qualidade dos serviços públicos online, participação cidadã digital, suporte à inovação e startups de GovTech. | Integração de soluções digitais nas políticas públicas, governança de dados, transparência por padrão (open data), foco em serviços centrados no usuário. |
Periodicidade | Bianual (último relatório em 2024). | Anual (último relatório em 2022). | Anual (último relatório em 2023). |
Inovação | Foco na inclusão digital e no acesso universal a serviços de e-participation. | Foco no suporte à inovação por intermédio de startups de GovTech. | Enfoque na inovação com base em plataformas colaborativas e uso de dados para inovação nos serviços públicos. |
Impacto social | Foco em melhorar a inclusão digital e o acesso igualitário aos serviços públicos. | Foco no engajamento cidadão e inovação no setor público, com ênfase na eficiência. | Foco em transformar o governo digital por meio de dados e inclusão centrada no usuário. |
Exemplos de líderes | Dinamarca, Coreia do Sul e Finlândia. | Estônia, Coreia do Sul e Reino Unido. | Dinamarca, Noruega e Coreia do Sul. |
Posição do Brasil | 50º lugar em 2024 (Muito alto), com desafios em infraestrutura e capital humano. | 2º lugar em 2022 (Muito alto), destacando-se em sistemas centrais e entrega de serviços. | País parceiro, estima-se 15º lugar em 2023, com destaque em proatividade e governo como plataforma. |
Fonte: Adaptado das fontes.
Conclusão
A transformação digital no setor público é um processo dinâmico e multidimensional que vai além da simples automação de processos ou digitalização de serviços. Ela exige mudanças estruturais e culturais, visando aprimorar a entrega de serviços, fortalecer a participação cidadã e promover a eficiência governamental. No entanto, a narrativa reformista que associa a transformação digital apenas a ideias de inovação e eficiência esconde complexidades, frequentemente negligenciadas em cenários de restrições orçamentárias.
Para que a transformação digital seja verdadeiramente eficaz e inclusiva, ela não pode ser medida exclusivamente por indicadores globais que frequentemente falham em capturar as nuances e particularidades dos contextos nacionais e locais. O desafio não é apenas tecnológico, mas envolve um redesenho institucional que coloque as pessoas no centro das políticas públicas.
Uma visão de futuro para a medição do impacto digital no setor público deve:
- Priorizar a equidade e a inclusão: Garantir que os benefícios da digitalização alcancem todas as parcelas da população, especialmente as mais vulneráveis, e não apenas uma elite conectada.
- Desenvolver políticas e regulações adaptadas: O Brasil, e outros países em desenvolvimento, precisam desenvolver políticas e regulações para o digital adaptadas às suas realidades locais, priorizando transparência, proteção de dados e engajamento cívico.
- Incentivar a colaboração e a cocriação: Fortalecer a coprodução de políticas públicas com a participação ativa dos cidadãos, utilizando ferramentas digitais para diálogos e consultas.
- Promover uma governança digital robusta: Ir além das metas quantitativas, fomentando uma cultura de transparência, responsabilidade e ética no uso de dados e tecnologias, com líderes que incentivem o uso estratégico da tecnologia.
- Investir em letramento e capacitação digital: Superar os déficits de letramento digital e a falta de conectividade em áreas remotas, capacitando a população para utilizar as tecnologias de forma efetiva.
Em última análise, o verdadeiro sentido da transformação digital transcende o imediatismo de métricas e rankings, priorizando a equidade e a sustentabilidade em lugar de uma mera adaptação tecnológica e modernização administrativa na oferta de serviços.
Referências ABNT e sugestões de leitura/vídeo complementares
Referências bibliográficas da aula:
BRITO, Antônio de P. de L. Estado digital: análise crítica sobre indicadores de transformação digital e sua aplicação no setor público. Brasília, DF: Ipea, abr. 2025. 50 p. (Texto para Discussão, n. 3097). DOI: https://dx.doi.org/10.38116/td3097-port.
DIGIX. Existe Business Intelligence (BI) no Governo? Campo Grande, MS: Digix, 2 mar. 2018. Disponível em: https://www.digix.com.br/existe-business-intelligence-bi-no-governo/. Acesso em: 15 mai. 2025..
IPM SISTEMAS. Como promover a cidadania digital nas cidades? Florianópolis, SC: IPM Sistemas, 25 abr. 2024. Disponível em: https://www.ipm.com.br/blog/como-promover-cidadania-digital-nas-cidades/. Acesso em: 15 mai. 2025..
MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO, DESENVOLVIMENTO E GESTÃO. Guia Metodológico para Indicadores – PPA 2016-2019: Orientações Básicas Aplicadas à Metodologia do Plano Plurianual. 3. ed. Brasília, DF: MP, jul. 2018..
NAIM, Fernando. Como avaliar a performance da gestão pública com 5 indicadores chave. [S.l.]: [s.n.], 29 abr. 2025. Disponível em: https://softplan.com.br/blog/como-avaliar-performance-da-gestao-publica/. Acesso em: 15 mai. 2025..
SAS SOFTWARE BRASIL. Transformação Digital no setor público: novas perspectivas e desafios. [S.l.]: MIT Technology Review, 6 set. 2023. Disponível em: https://mittechreview.com.br/transformacao-digital-no-setor-publico-novas-perspectivas-e-desafios/. Acesso em: 15 mai. 2025..
SOFTPLAN. Transformação digital em governos: perspectivas de inovação no Brasil e exemplos de sucesso. [S.l.]: Aprova, 8 jan. 2025. Disponível em: https://aprova.com.br/blog/transformacao-digital-em-governos/. Acesso em: 15 mai. 2025..
Sugestões de leitura/vídeo complementares (baseadas nas fontes):
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Para aprofundar em conceitos de e-government e transformação digital:
- MERGEL, I.; EDELMANN, N.; HAUG, N. Defining digital transformation: results from expert interviews. Government Information Quarterly, v. 36, n. 4, p. 1-16, out. 2019. Referenciado em: 03 de jul. 2025.
- KULDOSHEVA, G. Challenges and opportunities of digital transformation in the public sector in transition economies: examination of the case of Uzbekistan. Tóquio: ADBI, abr. 2021. (ADBI Working Paper, n. 1248). Referenciado em: 03 de jul. 2025.
- TERLIZZI, A. The digitalization of the public sector: a systematic literature review. Rivista Italiana di Politiche Pubbliche, v. 16, n. 1, p. 5-38, 2021. Referenciado em: 03 de jul. 2025.
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Para entender as críticas aos índices e o conceito de GovTech como "cavalo de Troia":
- BHAROSA, N. The rise of GovTech: Trojan horse or blessing in disguise? A research agenda. Government Information Quarterly, v. 39, n. 3, p. 1-10, jul. 2022. Referenciado em: 03 de jul. 2025.
-
Para explorar os modelos de estágios de governo digital:
- LAYNE, K.; LEE, J. Developing fully functional e-government: a four stage model. Government Information Quarterly, v. 18, n. 2, p. 122-136, 2001. Referenciado em: 03 de jul. 2025.
-
Sobre indicadores de desempenho na gestão pública:
- BONNEFOY, J. C., & ARMIJO, M. (2005). Indicadores de desempeño en el sector público. Santiago do Chile: Instituto Latinoamericano y del Caribe de Planificación Económica y Social – ILPES. Referenciado em: 03 de jul. 2025.
- JANNUZZI, P. M. (2005). Indicadores para diagnóstico, monitoramento e avaliação de programa sociais no Brasil. Revista do Serviço Público, pp. 137-160. Referenciado em: 03 de jul. 2025.