Cenários Futuros: A Transformação Digital em Governos do Futuro

 

Objetivos

Ao final desta aula, espera-se que você seja capaz de:

  • Compreender o conceito de transformação digital no setor público e seus principais impulsionadores.
  • Explorar cenários futuros para governos, caracterizados por serem ágeis, automatizados, baseados em dados e digitais por padrão.
  • Discutir modelos emergentes de governança e seus potenciais impactos na administração pública.
  • Analisar os desafios éticos, de segurança, participação cidadã e soberania digital inerentes a essa transformação.
  • Identificar boas práticas e iniciativas de sucesso no Brasil e no mundo que exemplificam o "Governo do Futuro".

 

A transformação digital não é mais uma opção, mas uma obrigatoriedade para os governos na sociedade atual. Este processo, que já está em curso, se estabelece como um elemento chave para o desenvolvimento de cidades melhores, promovendo gestões mais tecnológicas, inovadoras e sustentáveis. A pandemia global, em particular, acelerou a digitalização dos serviços públicos, e os governos não ficaram alheios a esse movimento.

A digitalização busca atender às demandas crescentes de cidadãos e empresas por serviços digitais eficientes, eficazes e confiáveis. O Governo Federal do Brasil, por exemplo, avançou significativamente, com 84% dos 4,8 mil serviços públicos já disponíveis digitalmente. Essa transição não apenas facilita a compreensão das necessidades cidadãs, gerando ações mais efetivas e transparentes, mas também otimiza tempo e recursos financeiros, resultando em economias substanciais, estimadas em R$ 4,6 bilhões. O setor público brasileiro está em um momento de potencial para avanços radicais na prestação de serviços e nas operações.

Projeções de Médio e Longo Prazo

A transformação digital visa criar governos que sejam intrinsecamente mais eficientes e responsivos. As projeções para o futuro apontam para a consolidação de governos com as seguintes características:

  • Governos Ágeis: A digitalização promove a celeridade nos processos e a otimização do tempo. Ao focar na experiência do usuário, os governos podem atender melhor às expectativas dos cidadãos e aumentar a confiança nos serviços públicos digitais.
  • Governos Automatizados: A Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de automatizar processos burocráticos que tradicionalmente exigem trabalho manual, liberando funcionários públicos para tarefas de maior valor. Isso pode reduzir erros e acelerar o processamento.
  • Governos Baseados em Dados: A IA permite a análise de grandes volumes de dados para uma tomada de decisão mais informada e estratégica. No Brasil, a Infraestrutura Nacional de Dados (IND) é fundamental para o uso estratégico dos dados públicos, promovendo maior transparência e eficácia na alocação de recursos.
  • Governos Digitais por Padrão: A meta é que os serviços digitais se tornem a norma. O Brasil já tem 84% dos serviços federais digitais, e países como a Estônia são uma referência global, onde quase 95% da população utiliza uma identidade digital para acessar mais de 500 serviços governamentais online.

Modelos de Governança do Futuro

A integração da IA e de outras tecnologias está alterando fundamentalmente as operações governamentais e o planejamento estratégico.

  • Governo em Nuvem (Inferência das fontes): Embora as fontes não utilizem explicitamente o termo "governo em nuvem", elas enfatizam a necessidade de uma infraestrutura tecnológica robusta e a existência de uma Infraestrutura Nacional de Dados (IND). A capacidade de promover a troca automática e segura de informações entre sistemas (como o Conecta GOV.BR) sugere um modelo onde os serviços e dados governamentais são acessíveis e processados de forma distribuída e escalável, similar a um ambiente de nuvem, permitindo a ampla oferta de serviços digitais.
  • Governança Algorítmica e a IA: A IA é uma força transformadora, oferecendo capacidades sem precedentes na análise de grandes volumes de dados para uma tomada de decisão mais informada e estratégica. Sistemas baseados em IA podem otimizar recursos, como na gestão de tráfego para melhorar a mobilidade urbana, ou identificar padrões de fraude em serviços financeiros públicos, aumentando a transparência e a segurança.

Insights de Relatórios Globais

As fontes fornecem insights importantes sobre o panorama global da transformação digital em governos:

  • Um relatório da Deloitte sobre Tendências Governamentais 2024 indica que governos em todo o mundo estão alcançando avanços radicais, com melhorias de mais de 10 vezes em áreas como eficiência operacional e experiência do cliente, impulsionadas pela convergência de tecnologia com inovações de processos, políticas, força de trabalho e regulamentação. Além disso, novas tecnologias e métodos podem tornar a regulamentação de ambientes complexos mais eficiente e eficaz.
  • O Digital Evolution Index da Harvard Business Review classifica o Brasil entre as regiões "Break out" (pouca digitalização, mas evolução rápida) e "Watch out" (enfrentando barreiras sérias, em alguns casos, regressão). Em contraste, Singapura se destaca na região "Stand out", sendo altamente digitalizada e líder em inovação.
  • O Índice de Maturidade Digital da Dell Technologies 2018 posicionou o Brasil como o segundo país com maior transformação digital entre os países analisados.

Desafios Éticos, Segurança, Participação Cidadã e Soberania Digital

Apesar das oportunidades, a jornada para o governo do futuro não está isenta de obstáculos:

  • Desafios Éticos: Há profundas preocupações com a privacidade dos dados e o uso ético da IA. O Brasil ainda está desenvolvendo um quadro regulatório para endereçar essas questões. Além disso, a resistência cultural à mudança entre os funcionários públicos, o medo da perda de empregos e a desconfiança do público em relação a decisões tomadas por máquinas são barreiras significativas. A "mecanização das atividades" e a "substituição do humano pela máquina" trazem dilemas éticos.
  • Segurança (Cibersegurança): A cibersegurança é uma presença inegociável na agenda dos líderes. O Brasil, entre janeiro e setembro de 2020, sofreu mais de 3,4 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos. A lacuna entre o nível necessário e o nível atual de segurança da informação é um risco. Notavelmente, 95% dos problemas de cibersegurança são atribuídos a erro humano. A confiança é tudo que o governo não pode correr o risco de perder. A Estratégia Brasileira para a Transformação Digital inclui a "Confiança no Ambiente Digital" como um dos eixos habilitadores. O Ministério da Gestão e da Inovação lançou o Programa de Privacidade e Segurança da Informação (PPSI), que inclui o Centro Integrado de Segurança Cibernética do Governo Digital (CISC GOV.BR) para enfrentar incidentes, e o Centro de Excelência em Privacidade e Segurança da Informação (CEPS GOV.BR) para promover a cultura de segurança. A conformidade das empresas com a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) já é um valor competitivo, e o Congresso Nacional tornou a proteção de dados pessoais um direito fundamental do cidadão.
  • Participação Cidadã: A transformação digital no setor público é vista como uma forma de tornar o governo mais transparente e acessível aos cidadãos, contribuindo para a democracia participativa. O foco na experiência do usuário e a abertura para feedbacks nos canais digitais são cruciais para otimizar serviços e recursos com base em dados reais, aumentando a confiança. No entanto, a baixa participação e a exclusão digital no Brasil ainda se configuram como desafios. Iniciativas como o Orçamento Participativo Digital e a governança colaborativa na era digital demonstram o potencial.
  • Soberania Digital: O acesso à internet é, na prática, o que garante o direito de estudar, trabalhar e buscar a cidadania, representando inclusão, geração de oportunidades e soberania digital. O Brasil assinou a Convenção de Budapeste, um passo importante para uma cibersegurança mais robusta, que visa facilitar a cooperação internacional em casos específicos. A Estratégia Brasileira para a Transformação Digital busca aproveitar o potencial das tecnologias digitais para construir uma sociedade livre, justa e próspera para todos.

Exemplos de Projetos-Piloto ou Iniciativas de "Governo do Futuro"

O cenário atual já apresenta diversas iniciativas que apontam para o governo do futuro:

  • No Brasil:
    • A plataforma GOV.BR, com mais de 161 milhões de usuários, permite que 91 milhões deles, com contas de nível Ouro e Prata, assinem documentos com validade jurídica e façam prova de vida por biometria facial.
    • A nova Carteira de Identidade Nacional (CIN), com padrão e número único (CPF), reduz a possibilidade de fraudes e permite a integração de outros documentos, visando ser o único documento necessário no futuro.
    • O programa Conecta GOV.BR promove a troca automática e segura de informações entre sistemas, gerando uma economia de R$ 3,61 bilhões desde 2023.
    • Iniciativas do Governo da Bahia, como BA.GOV.BR, Bahia Mais Digital, Conecta Bahia e Bahia Contra o Fake, são exemplos de ampliação e democratização do acesso à internet e combate a notícias falsas.
    • A Incubadora de Soluções para o Jornalismo Negro, Periférico e Independente, executada pela SEI na Bahia, é uma política pública inédita do Governo Federal para fortalecer mídias de menor porte com um investimento de R$ 15 milhões.
    • Cidades como Pedra Branca (SC) e Smart City Laguna (CE) se destacam por adotar tecnologias avançadas para otimizar a gestão urbana e melhorar a qualidade de vida, utilizando IoT e IA em mobilidade, segurança e gestão de recursos.
    • Projetos-piloto de IA na saúde para melhorar a triagem e diagnósticos em hospitais e programas de aprendizado adaptativo na educação estão sendo testados no Brasil.
  • Internacionalmente:
    • A Estônia é uma referência mundial em administração pública, com quase 95% da população utilizando uma identidade digital para acessar mais de 500 serviços governamentais online, demonstrando uma infraestrutura governamental menos burocrática e mais colaborativa.
    • O programa Índia Digital focou em infraestrutura de internet e identidade digital para todos os cidadãos, impactando positivamente a arrecadação de impostos e melhorando a posição do país no Índice do Banco Mundial de Facilidade de Realização de Negócios.
    • Na Finlândia, sistemas de IA são utilizados para diagnósticos médicos mais rápidos e precisos.
    • Em Singapura, plataformas de aprendizado adaptativo com IA personalizam o ensino.
    • No Reino Unido, sistemas de reconhecimento facial baseados em IA são usados na segurança pública para prevenção de crimes.
    • Nos Estados Unidos, a IA é empregada para otimização energética em edifícios públicos.
    • No Japão, tecnologias de IA auxiliam no monitoramento e cuidado de idosos.

Quadro com Cenários Possíveis

A transformação digital pode seguir diferentes trajetórias, dependendo das escolhas e investimentos feitos. Abaixo, apresentamos um quadro com cenários possíveis para o futuro dos governos:

Cenário

Características Chave

Fatores Impulsionadores/Desafios Relevantes

Otimista

Governos plenamente digitais, ágeis, transparentes e hiperconectados. Alta adoção de IA e automação. Forte cultura de dados e ética no uso da tecnologia. Elevada participação e confiança cidadã. Cibersegurança robusta, com infraestrutura tecnológica avançada e acessível para todos.

Investimento contínuo em infraestrutura tecnológica e capacitação de pessoal. Regulamentação clara e robusta. Políticas de fomento à inovação e colaboração. Alta percepção de valor dos serviços digitais pela população. Superação da resistência à mudança.

Realista

Progresso contínuo na digitalização, mas com desafios persistentes em infraestrutura, capacitação e integração de sistemas legados. Adoção gradual de IA, focada na otimização de processos e redução de custos. Esforços contínuos para lidar com questões éticas e de segurança. Participação cidadã variada.

Infraestrutura insuficiente em algumas regiões. Escassez de profissionais qualificados. Necessidade de adaptação das tecnologias globais às condições locais. Regulamentação em evolução. Preocupações com a proteção de dados pessoais. Barreiras culturais a serem superadas.

Pessimista

Digitalização estagnada ou regressiva devido a falta de investimento, infraestrutura inadequada e resistência cultural generalizada. Falhas de cibersegurança e perda de confiança pública. Exclusão digital acentuada. Uso inadequado ou não ético da IA, exacerbando preconceitos e problemas sociais.

Falta de recursos financeiros e tecnológicos. Ausência de um quadro legal e ético claro. Resistência à mudança entre funcionários públicos e desconfiança da população. Alta exclusão digital por problemas de acessibilidade e desigualdades sociais. Inoperância dos sistemas devido a infraestrutura defasada.

Reflexões Finais

A transformação digital em governos é um caminho sem volta, mas sua direção e impacto dependerão das escolhas estratégicas e da capacidade de adaptação.

  • Como podemos garantir que os benefícios da transformação digital alcancem todos os cidadãos, especialmente os grupos mais vulneráveis e os digitalmente excluídos?
  • Qual o papel das parcerias público-privadas na aceleração dessa transformação e na superação das barreiras de investimento?
  • De que forma os governos podem construir e manter a confiança pública nos serviços digitais e na gestão de dados orientada por IA?
  • Considerando a posição do Brasil nas regiões "Break out" e "Watch out" do Índice de Evolução Digital, quais são os próximos passos mais críticos para o país alcançar um status de liderança na transformação digital governamental?

Conclusão

A transformação digital é um pilar indispensável para a construção dos governos do futuro. Ela oferece um potencial imenso para aprimorar a eficiência, a transparência e a qualidade dos serviços públicos, redefinindo a relação entre Estado e cidadão. Contudo, o sucesso dessa jornada depende da capacidade de superar desafios técnicos, legais e culturais, com foco em investimentos em infraestrutura, capacitação de pessoal, desenvolvimento de um quadro regulatório robusto e ético, e na construção de confiança mútua entre governo e sociedade. Ao abordar esses desafios de forma estratégica e colaborativa, o Brasil e outros países podem pavimentar o caminho para uma administração pública verdadeiramente moderna, inclusiva e responsável.


Referências Bibliográficas

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