Serviços Públicos Digitais: eficiência e acessibilidade

Renor A A Ribeiro, Ph.D. (2025)

 

A digitalização dos serviços públicos representa um avanço crucial com o propósito de aprimorar a eficiência, a transparência e a acessibilidade das ofertas governamentais para os cidadãos. Impulsionada pela pandemia de COVID-19 e pela Lei de Governo Digital (Lei Federal nº 14.129/21) no Brasil, que incentiva a disponibilização de serviços digitais gratuitos e menos burocráticos, essa transformação facilita a vida do cidadão, permitindo o acesso a informações e serviços de qualquer lugar.

No que tange à eficiência, a digitalização proporciona benefícios significativos. Estima-se que a digitalização de processos no governo federal brasileiro tenha gerado uma economia anual de R$ 4,6 bilhões nos últimos três anos e meio, além de reduzir gastos com pessoal. A automação de tarefas repetitivas, como processamento de formulários e gestão de registros, aumenta a eficiência operacional. Uma gestão eficiente de documentos e dados é alcançada através de sistemas eletrônicos, com a interoperabilidade e a integração de bases de dados sendo priorizadas para simplificar processos e diminuir a necessidade de solicitar informações já disponíveis aos usuários. A digitalização também acelera a prestação de serviços. No contexto municipal brasileiro, apesar de desafios como a fragmentação de sistemas e a baixa cultura digital, houve avanços notáveis em áreas como agendamento online, envio de formulários por site e emissão de nota fiscal eletrônica, com um crescimento significativo no uso de canais como WhatsApp e Telegram para solicitação de serviços. A colaboração com startups voltadas para o setor público, conhecidas como govtechs, também pode aprimorar a atuação governamental. Exemplos internacionais, como a Estônia, demonstram a vasta extensão da digitalização, onde a grande maioria dos serviços governamentais está disponível online.

Em paralelo à eficiência, a digitalização melhora a acessibilidade dos serviços públicos. A acessibilidade digital visa remover barreiras na web para que todos, independentemente de suas capacidades físico-motoras, perceptivas, culturais e sociais, possam utilizar os serviços online de forma eficaz. Isso democratiza o acesso e promove a inclusão digital e social, sendo especialmente benéfico para pessoas com deficiência e idosos, que podem realizar diversas atividades online sem precisar se deslocar. Sites acessíveis também são mais fáceis de serem indexados por mecanismos de busca e mais rápidos para navegar, o que beneficia um público mais amplo, incluindo usuários de dispositivos móveis. A transparência também é ampliada, com portais online fornecendo informações e permitindo a realização de diversas ações.

A melhoria da experiência do usuário é um componente chave na acessibilidade dos serviços digitais, conforme destacado pelo guia de boas práticas para formulários do Portal Gov.br. Algumas recomendações incluem a utilização de layout de coluna única para facilitar a inserção de informações, a divisão de formulários longos em etapas, a criação de caminhos de navegação simples, o agrupamento de informações relacionadas, o uso de labels descritivos nos botões para indicar a ação a ser tomada, e a possibilidade de reaproveitar informações já digitadas pelo usuário. Para minimizar frustrações, é importante identificar claramente os erros de preenchimento ou pendências e abordar possíveis dúvidas, explicando a necessidade de certas informações, especialmente as privadas. O uso de campos com formatação definida, como máscaras, ajuda a evitar erros de inserção e facilita a análise de dados. Além disso, orientações sobre onde obter as informações solicitadas podem agilizar o preenchimento. Para manter o usuário informado e engajado, é recomendado indicar em qual etapa do processo ele se encontra e fornecer mensagens de feedback. A comunicação com o usuário deve ser clara e simples, e a consistência da interface é garantida pela aderência ao Design System do governo federal. A interoperabilidade também contribui para a simplificação ao reduzir a quantidade de informações que precisam ser solicitadas diretamente ao cidadão. O Portal Gov.br tem implementado funcionalidades como reconhecimento facial por câmera traseira e comando de voz, e um piloto de atendimento presencial para melhorar a experiência. Uma nova ferramenta de avaliação de serviços no Gov.br foi lançada para acompanhar a satisfação dos usuários, com critérios simplificados, nomes mais claros e ícones para facilitar a compreensão, buscando promover uma transformação digital inclusiva.

A base legal no Brasil tem sido fundamental para a promoção da acessibilidade na web. A Constituição Federal de 1988 estabelece a cidadania e a dignidade da pessoa humana como fundamentos e inclui a proteção e integração social das pessoas com deficiência entre as competências legislativas. A Lei nº 10.098 e seu regulamento, o Decreto nº 5.296, trouxeram avanços ao estabelecer normas e critérios básicos para a acessibilidade, definindo barreiras nas comunicações e informações como obstáculos ao acesso. Embora o Decreto nº 5.296/2004 inicialmente se restringisse a pessoas com deficiência visual e sites da administração pública, a incorporação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência à Constituição, por meio do Decreto nº 6.949, promoveu o acesso a novas tecnologias de informação e comunicação, incluindo a Internet, e urgiu entidades privadas a fornecer serviços em formatos acessíveis. Um marco importante foi a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015, que tornou obrigatória a acessibilidade em sites de governo e grandes empresas no Brasil, garantindo o acesso às informações disponíveis. Existem também iniciativas direcionadas à educação digital e midiática de pessoas idosas para sua inclusão.

Apesar dos inúmeros benefícios, a digitalização dos serviços públicos também apresenta desafios e riscos. Um dos principais riscos é a exposição de dados dos cidadãos, à medida que mais informações pessoais são compartilhadas com o governo. Embora a digitalização possa aumentar a segurança das contas e prevenir fraudes, ainda há preocupações com a falta de transparência sobre como esses dados são utilizados e com a estrutura do setor para garantir a proteção adequada. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) prevê que instituições públicas só podem tratar dados relacionados à sua função, mas a integração de bases de dados pode aumentar a exposição do cidadão aos governos, especialmente pela falta de transparência no compartilhamento de informações entre órgãos. O projeto da nova Carteira de Identidade Nacional (CIN) prevê maior compartilhamento de dados, embora o Ministério da Gestão afirme que as regras da LGPD serão respeitadas. Há também a preocupação com a comercialização de dados públicos, como no caso do software do Serpro que valida dados pessoais para o setor privado. Especialistas apontam que a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) ainda não possui estrutura suficiente para ampliar sua atuação fiscalizadora. O risco de vazamento de dados, como o ocorrido no INSS, evidencia a capacidade incipiente do Estado em proteger esses registros. A gestão pública ainda está em desenvolvimento em termos de governança de dados, sendo fundamental ampliar a literacia sobre o uso de dados entre servidores de diversas áreas.

Em suma, a digitalização dos serviços públicos, pautada por legislações e iniciativas que priorizam usabilidade, linguagem simples e acessibilidade, tem o potencial de otimizar a eficiência operacional governamental e facilitar o acesso e uso dos serviços pelos cidadãos, promovendo a inclusão digital e social. Contudo, é crucial abordar os desafios relacionados à proteção e governança de dados para garantir a segurança e a confiança dos cidadãos neste processo de transformação.

Referências

  1. BRAZILLAB. Serviços públicos digitais: os desafios e benefícios dessa transformação. [S. l.: s. n.], [s.d.]. 
  2. COLAB. 4 cases de serviços digitais para inspirar a sua gestão. [S. l.: s. n.], 30 nov. 2023. 
  3. COLAB. 7 Países onde a digitalização de serviços públicos é uma realidade. [S. l.: s. n.], 30 nov. 2023. 
  4. CONTEC ONLINE. ASSESSORIA. Serviços públicos digitais podem elevar risco de exposição de dados dos cidadãos. [S. l.: s. n.], 17 jul. 2024. 
  5. GOVERNO DIGITAL - GOV.BR. Acessibilidade Digital. [S. l.: s. n.], [s.d.]. Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2024.
  6. MÁXIMA TECNOLOGIA. Como a Digitalização Pode Melhorar a Eficiência dos Serviços Públicos. [S. l.: s. n.], [s.d.]. 
  7. PORTAL GOV.BR. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Gestão lança nova ferramenta de avaliação dos serviços públicos no GOV.BR. [S. l.: s. n.], 9 abr. 2024. 
  8. PORTAL GOV.BR. Departamento de Experiência do Usuário de Serviços Públicos. Coordenação Geral de Apoio à gestão de serviços. Guia de boas práticas para formulários de requisição de serviços do Portal Gov.br. [S. l.: s. n.], [s.d.]. 
  9. PORTAL GOV.BR. Secretaria de Comunicação Social. Pessoa Idosa. [S. l.: s. n.], 1 out. 2024. 
  10. WPT. Leis federais sobre acessibilidade na web. [S. l.: s. n.], [s.d.]. 

 

Serviços públicos digitais prometem maior eficiência e acessibilidade para a população, mas será que todos estão conseguindo colher esses benefícios na prática?

Para direcionar o debate, reflita sobre:

Experiências concretas: Qual serviço público digital você já utilizou (ex.: agendamento online, documentos digitais, aplicativos governamentais)? Foi eficiente ou enfrentou dificuldades?

Acessibilidade real: Como garantir que idosos, pessoas com baixa escolaridade ou em áreas rurais também se beneficiem desses serviços?

Eficiência vs. Privacidade: O ganho de agilidade justifica a coleta massiva de dados pessoais? Como equilibrar esses aspectos?

Caso para discussão:

Imagine que seu município vai digitalizar 100% dos serviços públicos. Quais 3 medidas seriam essenciais para que essa transição:

Realmente facilitasse a vida das pessoas

Não excluísse quem não tem familiaridade com tecnologia

Mantivesse a segurança dos dados

Dados para reflexão (opcional):

"No Brasil, 30% da população ainda não usa internet regularmente (IBGE, 2023) - como serviços digitais podem servir a quem está offline?

 

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