O que é Compliance e Integridade no Setor Publico?
Renor Ribeiro, Ph.D
Como citar esse artigo:
RIBEIRO, Renor Antonio Antunes. Compliance e Integridade. Cegesp (2024); Revisado em: 2025.
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1. Introdução
A busca pela máxima integridade administrativa possível e a luta permanente contra a corrupção e a fraude no setor público são elementos essenciais para a consolidação de um efetivo Estado Democrático de Direito no Brasil. Nesse contexto, o mecanismo do compliance público é um dos instrumentos fundamentais para alcançar esses objetivos, inserido no amplo contexto dos programas de integridade. Entender esses conceitos não é apenas uma formalidade, mas uma necessidade para melhorar os serviços prestados e fortalecer a confiança da sociedade na administração pública.
2. Tópicos Explicativos
Para entendermos a fundo o compliance e a integridade, vamos explorar alguns conceitos interligados:
2.1. O que é Compliance?
O termo "compliance" vem do verbo em inglês "to comply", que significa agir de acordo com uma instrução, norma ou ordem. No contexto da Administração Pública, estar em compliance significa estar em conformidade com as leis e normas vigentes, bem como com as políticas de gestão e controles internos e externos.
• Definição: O compliance no setor público é um conjunto de mecanismos de controle que visa garantir que o órgão ou entidade atue em observância ao conjunto de normas jurídicas (leis, regulamentos e regras internas), assumindo um papel estratégico fundamental como uma poderosa ferramenta de integridade. A Controladoria-Geral da União (CGU) qualifica o compliance público como um programa normativo de integridade ou conformidade, abrangendo mecanismos e procedimentos setoriais para promover a análise e gestão de riscos na implementação de políticas públicas, e fortalecer a comunicação interna e a interação.
• Analogia: Imagine o compliance como as "regras do jogo". Para que um jogo seja justo e funcione bem, todos os participantes precisam conhecer e seguir as regras. No serviço público, essas "regras" são as leis, normas e procedimentos que garantem que a máquina pública funcione de forma correta e para o bem comum.
2.2. O que é Integridade?
A integridade é uma vertente do compliance, mais direcionada ao combate a atos ilícitos como corrupção e fraudes.
• Definição: Integridade pública é o conjunto de arranjos institucionais que visam garantir que a Administração Pública não se desvie de seu objetivo principal: entregar os resultados esperados pela população de forma adequada, imparcial e eficiente. Para a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), integridade pública é o "alinhamento consistente e adesão a valores, princípios e normas éticas comuns para sustentar e priorizar o interesse público sobre os interesses privados no setor público". Em outras palavras, é fazer as coisas certas, pelas razões certas e da maneira certa.
• O que se busca com um Programa de Integridade? Busca-se alinhar a expressão moral do comportamento humano com os princípios, valores e normas éticas da organização, motivando a adesão das pessoas a eles. Um programa de integridade é um conjunto estruturado de medidas institucionais voltadas para a prevenção, detecção, punição e remediação de práticas de corrupção, fraudes, irregularidades e desvios éticos e de conduta.
• Analogia: Se o compliance são as "regras do jogo", a integridade é a "bússola moral" que guia o jogador. Não basta apenas seguir as regras; é preciso ter a intenção e o compromisso de jogar limpo, agindo sempre com retidão e buscando o que é melhor para todos.
2.3. Ética no Setor Público
A ética é o alicerce da integridade.
• Definição: A conduta ética é fundamental para fortalecer a imagem institucional, ampliar a legitimidade das ações administrativas e contribuir diretamente para a valorização das carreiras e da atuação dos órgãos públicos. Os valores fundamentais destacados em códigos de ética incluem probidade, lealdade, eficiência, imparcialidade e respeito ao interesse público.
• Princípios da Administração Pública: A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, estabelece os princípios da Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A moralidade e a legalidade são diretrizes primárias do compliance.
• Instrumentos: A elaboração de um Código de Conduta e Integridade é essencial, dispondo sobre princípios, valores, missão e orientações sobre prevenção de conflito de interesses e vedação de atos de corrupção e fraude. Esses códigos definem padrões básicos de comportamento e podem ser a base para avaliar a adesão e aplicar medidas disciplinares.
• Analogia: A ética é o "fundamento do serviço público". Assim como um prédio precisa de uma base sólida, o serviço público precisa de uma base ética inabalável para se manter de pé e cumprir sua missão com confiança.
2.4. Governança Pública
A governança fornece a estrutura para que compliance e integridade funcionem eficazmente.
• Definição: Governança pública é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade. Ela envolve o estabelecimento de responsabilidades claras em todos os níveis para projetar, liderar e implementar os elementos do sistema de integridade.
• Importância: A governança no setor público busca garantir que as demandas coletivas sejam cumpridas com qualidade, dentro dos limites da lei e com responsabilidade (accountability). A CGU (Controladoria-Geral da União) é o órgão responsável por coordenar e disciplinar as atividades relacionadas à promoção da integridade pública no âmbito do Poder Executivo Federal.
• Analogia: A governança é como o "cérebro" e o "sistema nervoso" de um corpo. Ela define a estratégia, toma as decisões e coordena todas as ações para que o corpo (a administração pública) funcione de forma integrada e eficiente em prol do bem-estar geral (o interesse público).
2.5. Accountability (Prestação de Contas e Responsabilidade)
Um dos pilares da boa governança é a accountability.
• Definição: Accountability refere-se à obrigação de um ator de explicar e justificar sua conduta a um fórum que pode fazer perguntas e julgar, e onde o ator pode enfrentar consequências. Ela compreende duas dimensões: o dever de prestar contas (fornecer informações, esclarecimentos e justificativas) e a aplicação da lei e sanção (ação formal contra conduta ilegal, incorreta, ineficiente ou ineficaz).
• Importância: A accountability é crucial para que a sociedade possa monitorar e avaliar a atuação da gestão pública, garantindo que os recursos e as políticas estejam sendo bem aplicados.
• Analogia: É como o "dever de explicar e ser responsável". Pense em um motorista que deve prestar contas sobre como conduziu seu veículo; se ele não seguiu as regras, será responsabilizado. Da mesma forma, o servidor público deve justificar suas ações e decisões, sendo responsável por elas.
2.6. Pilares Básicos de um Programa de Integridade
Embora não exista um modelo único de programa de compliance, a CGU e o TCU publicaram documentos fundamentais para orientar a implementação de programas de integridade. De acordo com o Decreto nº 9.203/2017 e os manuais da OCDE e CGU, os eixos (pilares) de um programa de integridade são:
• Comprometimento e Apoio da Alta Administração: O programa deve ser respaldado pela alta administração, cujo comprometimento é a base para a criação de uma cultura organizacional ética. Sem o apoio da liderança, as iniciativas de integridade correm o risco de se tornarem irrelevantes ou de corroerem a confiança pública.
• Padrões de Ética e de Conduta: O estabelecimento de altos padrões de conduta que priorizem o interesse público e a adesão aos valores do setor público é fundamental. Isso inclui a elaboração e divulgação de um Código de Conduta e Integridade, que oriente sobre a prevenção de conflitos de interesse e a vedação de atos de corrupção e fraude.
• Gestão de Riscos de Integridade: É necessário identificar, analisar, avaliar e tratar os riscos decorrentes da implementação, monitoramento e execução das políticas públicas, buscando promover o fortalecimento da comunicação interna e da interação. A abordagem deve ser baseada em evidências para mitigar os riscos.
• Canais de Denúncia e Comunicação Transparente: Ferramentas como canais de denúncias e ouvidorias são essenciais para receber informações sobre irregularidades e atender queixas, promovendo a abertura onde os funcionários se sintam seguros para levantar questões sem medo de represálias.
• Orientação e Treinamento: Fornecer informações claras e atualizadas, bem como treinamentos regulares e personalizados, para que os servidores públicos apliquem os padrões de integridade no local de trabalho. Isso inclui discutir dilemas éticos e desenvolver habilidades para a tomada de decisões.
• Ações de Remediação e Melhoria Contínua: O programa deve prever mecanismos para correção de desvios e busca de aprimoramento constante. As auditorias são um mecanismo de monitoramento do trabalho realizado, garantindo a conformidade da Administração Pública.
3. Exemplos Reais no Setor Público Brasileiro
O Brasil tem avançado na implementação de compliance e integridade no setor público:
• Tribunal de Contas da União (TCU): O TCU, como órgão constitucional de controle externo da administração pública federal, tem um papel central na busca pela integridade. Ele editou documentos como "Dez Passos para a Boa Governança" (2014), que define governança como mecanismos de liderança, estratégia e controle para avaliar, direcionar e monitorar a gestão pública. O TCU atua como um dos "órgãos de controle da administração pública", cujas determinações são importantes para a tomada de decisões.
• Controladoria-Geral da União (CGU): A CGU é a coordenadora e disciplinadora das atividades relacionadas à promoção da integridade pública no Poder Executivo Federal. Ela promove capacitações e publica materiais informativos para órgãos e entidades. O Decreto nº 9.203/2017, instituído pela CGU, define a Política de Governança da Administração Pública Federal, estabelecendo mecanismos de liderança, estratégia e controle.
• Legislação Específica:
- Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013): Regulamentou a responsabilidade civil e administrativa de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública.
- Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021): Tornou obrigatória a adoção de programas de integridade por pessoas jurídicas em contratos de grande vulto com a administração pública e estabeleceu a implementação do programa de integridade como critério de desempate em licitações.
- Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016): Introduziu os conceitos de compliance e gestão de riscos nas empresas públicas e sociedades de economia mista.
• Exemplo Prático - Agrodefesa (Goiás): A Agência Goiana de Defesa Agropecuária (Agrodefesa) realizou uma palestra sobre "Conduta ética e prevenção de infrações disciplinares no serviço público" como parte de seu Programa de Compliance Público (PCP). O evento destacou o compromisso da instituição com boas práticas de governança e integridade, enfatizando que o código de ética é um instrumento de orientação para a conduta profissional, buscando assegurar a confiança da sociedade na administração pública. A aplicação dos princípios éticos no dia a dia assegura que as decisões sejam menos questionadas e mais respeitadas, além de prevenir eventuais sanções disciplinares.
4. Conclusão
A implementação de programas de compliance e integridade na administração pública é fundamental para promover a integridade e a ética no governo, mitigar riscos significativos e fomentar uma gestão eficiente e responsável. Isso se traduz em melhores serviços públicos e benefícios para toda a sociedade. O compromisso com a integridade pública não é apenas uma questão de conformidade legal, mas uma mudança cultural que exige o engajamento de todos os servidores. Ao adotarmos essas práticas, fortalecemos a confiança da sociedade, valorizamos o serviço público e contribuímos para um Brasil mais justo e eficiente.
5. Perguntas de Fixação
1. Qual a principal diferença entre "Compliance" e "Integridade" no setor público?
a) Compliance se refere apenas a leis, enquanto integridade se refere apenas a valores. b) Compliance é seguir as regras (as "regras do jogo"), e integridade é agir com retidão e ética (a "bússola moral").
c) Compliance é para empresas privadas, e integridade é para o setor público.
d) Não há diferença; os termos são sinônimos.
2. Qual dos órgãos abaixo é o principal responsável por coordenar e disciplinar as atividades relacionadas à promoção da integridade pública no Poder Executivo Federal brasileiro?
a) Tribunal de Contas da União (TCU)
b) Controladoria-Geral da União (CGU)
c) Congresso Nacional
d) Supremo Tribunal Federal
3. Qual dos itens a seguir NÃO é considerado um pilar essencial para um programa de integridade eficaz?
a) Comprometimento da alta administração.
b) Treinamento e orientação dos servidores.
c) Total ausência de canais de denúncia para evitar conflitos.
d) Gestão de riscos de integridade.
4. A Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei de Licitações, trouxe qual novidade em relação aos programas de integridade?
a) Proibiu a adoção de programas de integridade em contratos públicos.
b) Tornou a adoção de programas de integridade obrigatória para contratos de grande vulto e um critério de desempate.
c) Apenas recomendou, mas não obrigou, a adoção de programas de integridade.
d) Não mencionou os programas de integridade em suas disposições.
5. De acordo com a aula, qual a importância da ética para o serviço público?
a) A ética é importante apenas para evitar sanções disciplinares.
b) A ética garante que as decisões sejam menos questionadas, fortalece a imagem institucional, amplia a legitimidade das ações administrativas e valoriza o serviço público.
c) A ética é um conceito filosófico sem aplicabilidade prática no dia a dia.
d) A ética é responsabilidade exclusiva dos gestores de alto escalão.
6. Referências
• BRASIL. Controladoria-Geral da União. Integridade Pública. Brasília, DF: Controladoria-Geral da União, [s.d.]. Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/assuntos/integridade-publica. Acesso em: 25 de Jul. 2025.
• DISTRITO FEDERAL. Controladoria-Geral. Cartilha de governança e compliance. Brasília, DF: Controladoria-Geral do Distrito Federal, [s.d.]. Disponível em: https://www.cg.df.gov.br/wp-conteudo/uploads/2021/03/Cartilha-versao-2-SUGOV2.pdf. Acesso em: 25 de Jul. 2025.
• GOIÁS. Governo do Estado de Goiás. Palestra da Agrodefesa reforça importância da conduta ética no serviço público. Portal Goiás, [s.d.]. Disponível em: https://goias.gov.br/agrodefesa/palestra-da-agrodefesa-reforca-importancia-da-conduta-etica-no-servico-publico/#:~:text=Palestra%20da%20Agrodefesa%20refor%C3%A7a%20import%C3%A2ncia%20da%20conduta%20%C3%A9tica%20no%20servi%C3%A7o%20p%C3%BAblico,-%C3%9Altima%20Atualiza%C3%A7%C3%A3o%20em&text=Com%20foco%20na%20integridade%20e,infra%C3%A7%C3%B5es%20disciplinares%20no%20servi%C3%A7o%20p%C3%BAblico%E2%80%9D. Acesso em: 25 de Jul. 2025.
• INSPER. Compliance e governança no setor público. [S.l.: s.n.], [s.d.]. Disponível em: https://ee.insper.edu.br/cursos/gestao-e-politicas-publicas/compliance-e-governanca-no-setor-publico/?gad_source=1&gad_campaignid=15995128763&gbraid=0AAAAAoYXPYDGXcKj3Iyra5b2MoF5nKg1D&gclid=CjwKCAjw1ozEBhAdEiwAn9qbzQjIWnbKpcpIEvir5_IfB589UHr1LCO8tmJdbMJ_tonGSCXBtgWK0xoCxhcQAvD_BwE. Acesso em: 25 de Jul. 2025.
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• PAU. Compliance e busca de integridade na gestão pública: breves notas sobre a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU). Atricon, 2022. Disponível em: https://atricon.org.br/wp-content/uploads/2023/04/Compliance-e-busca-de-integridade-na-gestao-publica_-breves-notas-sobre-a-atuacao-do-TCU.pdf. Acesso em: 25 de Jul. 2025.
Respostas das perguntas de fixação: 1. b) ; 2. b) ; 3. c) ; 4. b) ; 5. b)