Programa de integridade no Setor Público

Renor Ribeiro, Ph.D

Como citar esse artigo: 

RIBEIRO, Renor Antonio Antunes. Programas de Integridade no Setor Público. Cegesp (2025).

1. O que é um Programa de Integridade?

Em um sentido filosófico, integridade refere-se à característica de algo que é inteiro, intocado, não contaminado ou danificado, como uma construção com estrutura firme e sólida, sem infiltrações ou rachaduras. No contexto público, a integridade pública representa a condição de um órgão ou entidade pública ser "completo, inteiro, são", atuando de forma imaculada e sem desvios, em conformidade com os princípios e valores que devem nortear a Administração Pública.

Um Programa de Integridade é, portanto, o conjunto de medidas e ações institucionais que visam à prevenção, detecção, punição e remediação de fraudes e atos de corrupção. Em outras palavras, é uma estrutura de incentivos organizacionais – tanto positivos quanto negativos – que busca orientar e guiar o comportamento dos agentes públicos para alinhá-los ao interesse público.

Instituir um programa de integridade não é tratar de algo totalmente novo, mas sim sistematizar temas já conhecidos pelas organizações. Ele incorpora diretrizes já adotadas em atividades como auditoria interna, correição, ouvidoria, transparência e prevenção à corrupção, organizando-as para promover a integridade institucional. O objetivo é fazer com que as áreas responsáveis por essas atividades trabalhem de forma coordenada para garantir uma atuação íntegra, minimizando os riscos de corrupção.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) considera a integridade uma pedra fundamental da boa governança, essencial para que todas as atividades governamentais tenham confiança, legitimidade e sejam efetivas. Para a OCDE, promover a integridade e a prevenção da corrupção no setor público é crucial não apenas para preservar a credibilidade das instituições públicas, mas também para assegurar um ambiente propício para negócios privados.

O programa de integridade tem um enfoque preventivo, buscando primordialmente a diminuição dos riscos de corrupção. Contudo, se houver algum desvio, ele deve atuar para identificar, responsabilizar e corrigir a falha de forma rápida e eficaz.

2. Os Quatro Eixos Essenciais de um Programa de Integridade

Para que um programa de integridade seja adequadamente estruturado, quatro eixos principais precisam estar presentes, servindo como suporte para as ações e medidas que o constituirão:

1. Comprometimento e Apoio da Alta Direção:

  • Este é um elemento indispensável para a criação e funcionamento de um programa de integridade, pois é fundamental para fomentar uma cultura ética e de respeito às leis.
  • A liderança, que inclui Ministros, Secretários, Diretores e cargos equivalentes, serve de exemplo, e seus atos são reproduzidos pelos funcionários, seja por admiração, lealdade ou respeito.
  • Exemplos de comprometimento da alta direção incluem patrocinar o programa, participar de todas as suas fases, adotar uma postura ética exemplar e aprovar políticas e medidas, destinando recursos humanos e materiais suficientes. No setor privado, isso é conhecido como "Tone from the Top" ou "O exemplo vem de cima".

2. Instância Responsável pelo Plano de Integridade:

  • É necessário designar uma unidade, grupo, pessoa ou comitê para acompanhar, monitorar e gerenciar as ações de integridade.
  • Essa instância deve possuir autonomia, independência, imparcialidade e os recursos necessários para suas atribuições. Sempre que possível, deve ter acesso ao mais alto nível hierárquico da organização.
  • Em órgãos federais, o "Comitê de Governança, Riscos e Controles" (previsto pela Instrução Normativa Conjunta MP/CGU n.º 01/2016) pode assumir esse papel estratégico.

3. Análise de Riscos:

  • O programa deve ser guiado por uma contínua identificação, análise e avaliação dos riscos aos quais o órgão está vulnerável. Isso permite criar ou adaptar controles de forma eficaz, atuando de maneira mais direcionada.
  • Risco é a possibilidade de um evento impactar o cumprimento dos objetivos de uma organização.
  • Riscos de Integridade são vulnerabilidades organizacionais que podem favorecer práticas como recebimento indevido de propina, desvio de verbas, abuso de poder, nepotismo, conflito de interesses e vazamento de informações sigilosas.
  • Uma quebra de integridade é geralmente um ato doloso (intencional), praticado por uma pessoa ou grupo, que afronta os princípios da administração pública (Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência), e deturpa a finalidade pública ou o serviço a ser entregue ao cidadão.
  • A análise de riscos deve responder a perguntas como: Quais são os principais riscos de integridade? Quais áreas e processos são mais vulneráveis? Como esses riscos podem se manifestar? Quais fatores os causam? Como categorizá-los e priorizá-los?.
  • Os fatores de risco podem ser de origem externa (e.g., legislação inconsistente), organizacional (e.g., regras internas, gestão de pessoas), ou individual (e.g., falta de conhecimento técnico, pressões).
  • Ferramentas como o Mapa de Calor podem ser usadas para avaliar e priorizar riscos, cruzando probabilidade e impacto. É crucial definir o "apetite a risco" da organização. Os riscos podem ser aceitos, transferidos ou mitigados.

4. Monitoramento Contínuo:

  • Uma política de monitoramento contínuo é essencial para dar dinamismo e promover a constante atualização das iniciativas do programa.
  • Isso implica avaliar continuamente se as medidas mitigadoras estão funcionando, comunicar fragilidades à alta direção, e identificar novos riscos ou redefinir a priorização dos existentes.
  • A instância de integridade tem um papel fundamental na organização de dados e na avaliação das medidas para decidir os ajustes necessários.

3. O Plano de Integridade: Formalizando as Ações

O Plano de Integridade é o documento que formaliza as principais informações e atividades propostas para a implementação de um programa de integridade. Ele organiza, de forma sistêmica, as medidas a serem implementadas em um período determinado para prevenir, detectar e remediar quebras de integridade. A aprovação do plano pela alta direção e a responsabilidade de uma área específica estabelecem um compromisso formal com as propostas.

A construção de um Plano de Integridade é uma atividade obrigatória segundo a metodologia do manual da CGU.

4. Ciclo de Vida e Implementação Eficaz

A elaboração de um Plano de Integridade pode começar em diferentes estágios, dependendo da maturidade dos controles internos e da gestão de riscos da organização. Para unidades com menor maturidade, o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União propõe uma série de etapas que culminam na elaboração do Plano de Integridade.

As etapas para elaborar um Plano de Integridade são:

  1. Aprovação da Alta Direção: Começa com a apresentação das diretrizes aos superiores e a obtenção de um comprometimento formal (e.g., assinatura de um Termo de Adesão).
  2. Ambiente para Implementação:
  • Corpo Técnico: Designar um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar o Plano, com um coordenador e suplentes. Esse GT não é necessariamente a instância permanente de integridade, mas um grupo técnico-operacional para "arrumar a casa". Setores relevantes como controles internos, corregedoria, ouvidoria, comissão de ética e planejamento devem estar representados.
  • Planejamento: Elaborar um Plano de Trabalho detalhando etapas, objetivos, produtos, resultados esperados, responsáveis e prazos.
  • Levantamento Prévio de Informações: Coletar dados sobre o órgão (servidores, orçamento, serviços, estrutura, interação com o setor privado) e analisar o histórico de quebras de integridade (notícias, relatórios disciplinares, denúncias, relatórios de auditoria).
  1. Identificação e Avaliação de Riscos: Definir os principais riscos à integridade (e.g., abuso de poder, nepotismo, recebimento de propina), identificar as áreas e processos mais vulneráveis, e analisar os fatores que levam a essas ocorrências. Utilizar o Mapa de Calor para priorizar os riscos. Ao final, deve-se ter uma relação de riscos e um Mapa de Calor.
  2. Identificação, Avaliação e Adequação de Medidas: Propor medidas para evitar, mitigar ou transferir os riscos mais relevantes, adaptando as existentes ou criando novas. Um Formulário de Registro de Riscos pode ser usado para listar riscos, fatores, impactos, medidas de controle existentes e novas propostas. As medidas podem incluir treinamento de pessoal, procedimentos de controle, diluição de poder, promoção da transparência e controle social.
  3. Construção do Plano de Integridade: Elaborar a primeira versão do Plano, contemplando objetivos, caracterização do órgão, identificação de riscos, políticas de monitoramento e instâncias de governança. Um anexo detalhado deve conter fatores de risco, relevância, medidas existentes, recomendações e monitoramento. O GT prepara um Relatório Final e submete o Plano para aprovação da alta direção ou instância responsável. Após aprovado, o Plano deve ser amplamente comunicado e divulgado a todos os colaboradores e partes interessadas.

5. Importância em Contratos Públicos

A gestão da integridade em contratos públicos é crucial. Uma das diretrizes fundamentais é a verificação prévia, ou due diligence. Essa prática exige que a organização pública adote procedimentos para avaliar a integridade de terceiros contratados, especialmente em situações de alto risco, como licitações de obras.

A due diligence permite coletar informações sobre empresas, seus representantes, sócios e administradores, para garantir que não haja impedimentos à contratação e para determinar o grau de risco do contrato. É uma ferramenta valiosa que protege os gestores públicos, oferecendo mais segurança em sua atuação contra responsabilização por omissão ou "cegueira deliberada".

Apesar de sua importância, pesquisas mostram um baixo índice de implementação de práticas de due diligence na administração pública brasileira (39% dos casos). Por exemplo, poucos programas federais incluem cláusulas anticorrupção em contratos ou exigem que terceiros declarem ciência do Código de Ética. No entanto, a exigência de due diligence em contratações tem o maior potencial para qualificar o ambiente de negócios e disseminar uma cultura de integridade, criando um efeito em cascata que pode tornar inviável atuar no mercado sem um compromisso efetivo com a integridade pública.

6. Exemplos de Órgãos Públicos que Adotaram Programas de Integridade

No Brasil, vários órgãos têm implementado ou estão em processo de implementação de programas de integridade:

  • A Controladoria-Geral da União (CGU) é um órgão de referência no tema, publicando guias e manuais para orientar a implementação de programas de integridade em empresas estatais e no setor público em geral.
  • Um estudo analisou 12 programas de integridade pública em fevereiro de 2019, incluindo governos federais, estaduais e municipais.
    • Federal: Exemplos incluem a Casa Civil da Presidência da República, a própria Controladoria-Geral da União, Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Ministério da Defesa, Ministério da Fazenda (Economia), Ministério das Cidades (Desenvolvimento Regional), e Ministério de Desenvolvimento, Planejamento e Gestão.
    • Estadual: A Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais apresentou o programa com a maior aderência às práticas nacionais e internacionais (91,67%). A Secretaria da Fazenda do Estado de Alagoas também foi analisada.
    • Municipal: Programas em Município de Aracati/CE (com a menor aderência), Município de Belo Horizonte/MG e Secretaria do Verde e do Meio Ambiente - São Paulo/SP. Os programas municipais, em média, atendem a apenas 52% das práticas, enfrentando desafios como a ausência de gestão de riscos e monitoramento.
    • Empresas Estatais: A Lei nº 13.303/16 (Lei das Estatais) exige a implementação de programas de integridade nessas empresas. Empresas como Furnas, Eletronorte e Chesf (todas do grupo Eletrobras) demonstraram altos níveis de transparência em seus programas. A Petrobras também aprimorou suas práticas de governança após escândalos.

Perguntas para Fixação

1. Qual a principal finalidade de um Programa de Integridade no setor público e quais são os quatro eixos que o sustentam?

2. De que forma o comprometimento da alta direção influencia o sucesso de um Programa de Integridade?

3. O que são "riscos de integridade" e por que a análise contínua desses riscos é tão importante para um programa eficaz?

4. Descreva brevemente as etapas para a elaboração de um Plano de Integridade.

5. Explique a importância do due diligence em contratos públicos e os desafios de sua implementação no Brasil.

6. Cite dois exemplos de órgãos públicos ou empresas estatais brasileiras que já implementaram programas de integridade.

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Referências

 

BRASIL. Controladoria-Geral da União (CGU). CGU – Manual para Implementação de Programas de Integridade - GOV.BR. Disponível em https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/manual_profip.pdf. Acesso em: 25 de jul. 2025.

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