Casos práticos, jurisprudência e exercícios aplicados - Parte 4

 

Fiscalização e Gestão Contratual na Prática

I. Conceitos-Chave da Fiscalização e Gestão Contratual

A gestão e a fiscalização contratual são etapas primordiais para a correta execução dos serviços e aquisições pela Administração Pública. É nesse estágio que se busca alcançar resultados positivos nas contratações públicas, exigindo dos agentes conhecimento da legislação e capacidade para conduzir procedimentos e resolver incidentes.

1. Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) – Lei nº 14.133/2021: A Lei nº 14.133/2021 inaugurou um novo microssistema normativo para as contratações públicas brasileiras, buscando modernizar o sistema e priorizar meios eletrônicos. Embora ainda apresente desafios para sua implementação, especialmente em pequenos municípios com estruturas frágeis, a NLLC oferece atributos que favorecem a dinamicidade dos procedimentos. Seu objetivo é alcançar uma Administração Pública mais gerencial e orientada para o controle de resultados, limitando a discricionariedade do gestor.

2. Governança das Contratações Públicas: A NLLC coloca a governança e o planejamento das contratações como pilares para a eficiência do processo licitatório. A alta administração do órgão ou entidade é a responsável por implementar processos e estruturas, incluindo a gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e contratos, visando a alcançar os objetivos e promover um ambiente íntegro e confiável. O Tribunal de Contas da União (TCU) define governança como o conjunto de diretrizes, estruturas organizacionais, processos e mecanismos de controle que asseguram que as decisões e ações relativas à gestão das aquisições estejam alinhadas às necessidades da organização e contribuam para o alcance de suas metas.

3. Fases da Contratação Pública: O metaprocesso de contratação pública é composto por três fases principais:

    ◦ Fase Preparatória (Planejamento): Abrange o planejamento da licitação, incluindo o Documento de Formalização de Demanda (DFD), o Plano de Contratações Anual (PCA), o Estudo Técnico Preliminar (ETP), o Termo de Referência (TR), o Projeto Básico (PB) e a análise de riscos. Esta fase é crucial para o sucesso de todo o processo, dependendo dela o sucesso da licitação e da execução contratual.

    ◦ Fase de Seleção do Fornecedor: Inclui a realização da licitação e a formalização do contrato.

    ◦ Fase de Gestão do Contrato (Contratual): Envolve a execução e fiscalização administrativa dos contratos, o pagamento, o monitoramento contínuo e o encerramento do contrato.

4. Gestão de Riscos: A gestão de riscos é um elemento essencial em todas as fases do processo de contratação, do planejamento à execução do contrato. Consiste em um conjunto de atividades coordenadas para identificar, analisar, avaliar, tratar e monitorar riscos, visando a promover transparência, eficiência e integridade. A NLLC exige a análise de riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual, documentada no Mapa de Riscos da Contratação. Para contratações de grande vulto ou nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, o edital deve obrigatoriamente contemplar uma Matriz de Alocação de Riscos, que define riscos e responsabilidades entre as partes e caracteriza o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. A elaboração da matriz deve ser feita antes da pesquisa de preços.

5. Segregação de Funções: Princípio fundamental previsto no artigo 7º da NLLC, que veda a designação do mesmo agente público para atuar simultaneamente em funções mais suscetíveis a riscos, a fim de reduzir a possibilidade de ocultação de erros e ocorrência de fraudes.

6. Agentes de Contratação, Gestores e Fiscais de Contratos: A NLLC exige a profissionalização dos agentes públicos responsáveis pelas contratações, como o Agente de Contratação. O Gestor do Contrato é o responsável pela coordenação das atividades relacionadas à fiscalização técnica, administrativa e setorial, além de encaminhar a documentação para formalização de prorrogações, alterações e sanções. O Fiscal Técnico acompanha a execução do contrato, avaliando a entrega do objeto conforme contratado (quantidade, qualidade, tempo). O Fiscal Administrativo verifica as obrigações previdenciárias, fiscais e trabalhistas, além de controlar revisões e repactuações. O Fiscal Setorial atua quando o objeto é prestado em diferentes locais ou setores descentralizados. A contratação de terceiros para auxiliar a fiscalização é permitida, mas não exime o fiscal de suas responsabilidades. O fiscal deve anotar em registro próprio todas as ocorrências da execução e informar a seus superiores sobre situações que demandem decisão que ultrapasse sua competência.

II. Análise Crítica das Decisões e Casos Concretos de Responsabilização de Gestores

A NLLC e a jurisprudência dos órgãos de controle, como o TCU, têm reforçado a responsabilização dos gestores públicos por falhas na gestão e fiscalização contratual.

1. Responsabilização por Falhas na Governança e Planejamento (TCU): O Tribunal de Contas da União tem entendimento claro sobre a responsabilidade da alta administração. O Acórdão nº 1270/2023 do Plenário do TCU entendeu que a alta administração pode ser responsabilizada pela não implementação da governança das contratações públicas. Isso demonstra que a falha em estabelecer as estruturas e processos de governança, incluindo gestão de riscos e controles internos, pode levar à responsabilização dos dirigentes. A governança busca assegurar que as decisões e ações estejam alinhadas às necessidades da organização, contribuindo para o alcance das metas. A ausência de planejamento adequado submete os agentes públicos a riscos de atos antieconômicos, ineficientes, ineficazes, ilegais ou antiéticos.

2. Responsabilização em Contratações Diretas Indevidas (NLLC): A NLLC estabelece que, na hipótese de contratação direta indevida ocorrida com dolo, fraude ou erro grosseiro, o contratado e o agente público responsável responderão solidariamente pelo dano causado ao erário, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

    ◦ Contratação Direta Indevida: Caracteriza-se por dolo, fraude ou erro grosseiro que resulta em danos comprovados ao erário, comprometendo princípios como eficiência, economicidade, competitividade, moralidade. Um exemplo seria a aplicação inadequada da norma devido à falta de planejamento ou interpretação errônea.

    ◦ Contratação Direta Ilegal: Refere-se à adoção ilegal da contratação por inexigibilidade ou dispensa, fora das hipóteses previstas nos artigos 74 e 75 da NLLC.

3. Responsabilidade por Falhas em Projetos de Obras e Serviços de Engenharia (NLLC): Em contratos de obras e serviços de engenharia, se as alterações contratuais forem decorrentes de falhas de projeto, isso ensejará a apuração da responsabilidade do responsável técnico e a adoção de providências para o ressarcimento dos danos causados à Administração. Nos regimes de contratação integrada e semi-integrada, os riscos de falhas no projeto básico elaborado pelo contratado são alocados como responsabilidade dele na matriz de riscos. Além disso, o recebimento definitivo de um projeto de obra pela Administração não exime o projetista ou consultor da responsabilidade objetiva por danos causados por falha de projeto.

4. Responsabilidade por Encargos Trabalhistas e Previdenciários em Serviços Contínuos (NLLC): A NLLC prevê uma hipótese importante de responsabilização da Administração. Exclusivamente nas contratações de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado. Para mitigar esse risco, a Administração pode exigir caução, fiança bancária, seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias, condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações, efetuar depósitos em conta vinculada ou realizar diretamente o pagamento de verbas trabalhistas, deduzindo-as do valor devido ao contratado.

5. Responsabilidade do Fiscal do Contrato (NLLC): Mesmo com a contratação de terceiros para auxiliar na fiscalização do contrato, o fiscal do contrato não é eximido de sua responsabilidade, dentro dos limites das informações recebidas do terceiro contratado. A decisão final e o julgamento das informações cabem exclusivamente ao fiscal. O fiscal deve anotar em registro próprio todas as ocorrências da execução e informar a seus superiores sobre situações que demandem decisão que ultrapasse sua competência.

Atenção: As fontes fornecidas detalham a Lei nº 14.133/2021 e jurisprudências do TCU, mas não incluem casos concretos de responsabilização de gestores provenientes de tribunais estaduais ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ) com detalhes específicos de casos julgados em relação a falhas em contratos. As decisões mencionadas do TCU são mais voltadas para a definição de conceitos e políticas de governança e controle, bem como a responsabilização da alta administração por falhas na implementação dessas políticas. As normas da NLLC, no entanto, são aplicadas por todas as esferas judiciais e de controle, e as falhas mencionadas acima seriam a base para futuras responsabilizações nessas instâncias.

III. Boas Práticas de Fiscalização e Gestão Contratual

A fiscalização e gestão eficazes de contratos são cruciais para o sucesso das contratações públicas. Para isso, algumas boas práticas devem ser adotadas:

1. Planejamento Robusto e Contínuo:

    ◦ Assegurar que todas as contratações, inclusive diretas e adesões a atas de registro de preços, sejam precedidas de um planejamento adequado, formalizado e alinhado ao planejamento estratégico do órgão e ao Plano de Contratações Anual (PCA).

    ◦ No Estudo Técnico Preliminar (ETP), incluir as providências a serem adotadas pela Administração antes da celebração do contrato, como a capacitação de servidores para fiscalização e gestão contratual. O ETP deve evidenciar o problema a ser resolvido e a melhor solução, permitindo a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação.

    ◦ Considerar a sustentabilidade desde a fase de planejamento, incluindo critérios socioambientais na especificação do objeto, nas obrigações da contratada e na gestão de resíduos. A NLLC aprimora o tratamento de aspectos de sustentabilidade em diversos artigos.

    ◦ A matriz de riscos deve ser elaborada antes da pesquisa de preços, pois ela altera a relação de risco entre contratante e contratado.

2. Gestão de Riscos Proativa:

    ◦ Implementar processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos em todas as fases da contratação.

    ◦ Realizar o mapeamento contínuo dos riscos, atualizando o Mapa de Riscos da Contratação e monitorando o plano de tratamento.

    ◦ Nas contratações de grande vulto ou integrada/semi-integrada, a matriz de alocação de riscos é obrigatória.

3. Fiscalização Detalhada e Documentada:

    ◦ Designar fiscais do contrato (técnico, administrativo, setorial) com base em perfis de competência e evitar sobrecarga de atribuições.

    ◦ Os fiscais devem ser proativos no acompanhamento pormenorizado, anotando em registro próprio todas as ocorrências e notificando a contratada para regularização de falhas ou defeitos.

    ◦ Em caso de irregularidades, a empresa contratada deverá ser notificada para regularização, sob pena de abertura de procedimento administrativo punitivo.

    ◦ O gestor deve coordenar as atividades de fiscalização e acompanhar os registros dos fiscais, informando à autoridade superior sobre o que ultrapassa sua competência.

    ◦ Utilizar indicadores objetivamente definidos para avaliar a atuação do contratado.

4. Controle e Transparência na Execução:

    ◦ Assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais por parte do contratado, especialmente em serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, por meio de garantias contratuais, conta vinculada, ou outros mecanismos.

    ◦ Realizar o recebimento provisório e definitivo do objeto contratual, conforme procedimentos estabelecidos, verificando a conformidade do material ou serviço com as exigências contratuais. O recebimento não exclui responsabilidades civis e ético-profissionais.

    ◦ Manter a ordem cronológica de pagamentos e documentar qualquer alteração motivada.

    ◦ Em contratações de grande vulto, exigir a implementação de um programa de integridade pelo licitante vencedor no prazo de seis meses da celebração do contrato.

5. Suporte e Capacitação Contínua:

    ◦ Contar com o auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno para dirimir dúvidas e subsidiar os fiscais com informações relevantes. A atuação da assessoria jurídica é voltada para manifestações jurídicas opinativas e controle preventivo de juridicidade dos atos administrativos.

    ◦ Investir na capacitação dos servidores envolvidos, com certificação profissional por escolas de governo.

    ◦ A NLLC prevê a defesa dos agentes públicos pela advocacia pública, caso ajam em estrita observância de parecer jurídico e não haja dolo comprovado.

IV. Exercícios Simulados de Acompanhamento Contratual

(Nota: Os exercícios a seguir são simulados e criados para fins didáticos, baseando-se nos princípios e práticas da NLLC e na jurisprudência mencionada).

Exercício 1: Problemas de Qualidade e Atraso na Entrega de Material de Escritório

Cenário: A Secretaria Municipal de Educação (SME) celebrou um contrato para fornecimento contínuo de material de escritório por 12 meses. O Fiscal Técnico do contrato, João, recebe a primeira remessa de papéis, canetas e pastas. Ao inspecionar os produtos, João verifica que o papel sulfite tem gramatura inferior à especificada no Termo de Referência e as canetas são de uma marca diferente da solicitada, com qualidade notoriamente inferior. Além disso, a entrega foi realizada com 5 dias de atraso em relação ao cronograma.

Perguntas para Acompanhamento:

1. Qual a primeira ação que João (Fiscal Técnico) deve tomar ao constatar as irregularidades?

2. Como o gestor do contrato, Maria, deve ser envolvida nessa situação?

3. Quais as possíveis consequências para a empresa contratada, considerando as disposições da NLLC?

4. Que medidas a SME poderia ter previsto no edital ou contrato para mitigar esses riscos de qualidade e atraso?

Respostas Sugeridas:

1. João (Fiscal Técnico) deve:

    ◦ Registrar detalhadamente todas as ocorrências (gramatura do papel, marca das canetas, atraso) no registro próprio do contrato, incluindo fotos se possível.

    ◦ Emitir uma notificação formal à empresa contratada, exigindo a imediata regularização das falhas (substituição dos materiais inadequados e justificativa do atraso) dentro de um prazo razoável.

    ◦ Informar o gestor do contrato, Maria, sobre as irregularidades detectadas e as providências tomadas.

2. Maria (Gestora do Contrato) deve:

    ◦ Analisar os relatórios de João e a documentação apresentada.

    ◦ Coordenar a comunicação com a contratada e o fiscal, assegurando que as correções sejam feitas.

    ◦ Se a empresa não regularizar a situação, Maria deve tomar as providências para a formalização de um processo administrativo de responsabilização para aplicação das sanções cabíveis.

    ◦ Aguardar a regularização para atestar a nota fiscal correspondente, ou promover a glosa dos valores relacionados aos produtos não conformes.

3. As consequências para a empresa contratada podem incluir:

    ◦ Advertência: Pela inexecução parcial do contrato.

    ◦ Multa de mora: Pelo atraso injustificado na execução do contrato, conforme previsto em edital ou contrato.

    ◦ Impedimento de licitar e contratar: Se a inexecução parcial causar grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo.

    ◦ A dosimetria da sanção considerará o grau de culpabilidade e os danos causados, além da possível existência de programa de integridade.

4. A SME poderia ter previsto no edital ou contrato as seguintes medidas preventivas:

    ◦ Cláusulas de qualidade e desempenho mais rigorosas e mecanismos de verificação (testes, amostras) no Termo de Referência e no edital.

    ◦ Matriz de Riscos: Alocando a responsabilidade por atrasos e falhas de qualidade ao contratado, com previsão de penalidades claras.

    ◦ Exigência de Programa de Integridade: Se o contrato fosse de grande vulto.

Exercício 2: Falha na Fiscalização de Obrigações Trabalhistas em Contrato de Limpeza

Cenário: O órgão "X" contratou uma empresa de limpeza com regime de dedicação exclusiva de mão de obra. Durante a execução, foram recebidas denúncias anônimas de que os funcionários da contratada estavam com salários atrasados e sem o recolhimento adequado do FGTS. O Fiscal Administrativo, Pedro, que deveria monitorar essas obrigações, falhou em solicitar periodicamente as comprovações de quitação desses encargos, conforme previsto no contrato e na legislação. Após seis meses de atrasos e sem recolhimentos, a empresa de limpeza faliu, deixando os funcionários sem receber verbas rescisórias.

Perguntas para Acompanhamento:

1. Qual a responsabilidade do órgão "X" e, por extensão, do gestor e fiscal do contrato, diante da falha na fiscalização?

2. Que medidas preventivas o órgão "X" deveria ter implementado no contrato para mitigar esse tipo de risco?

3. Qual o papel do órgão de assessoramento jurídico nesse contexto?

Respostas Sugeridas:

1. Responsabilidade do órgão "X" e dos agentes:

    ◦ O órgão "X" responderá solidariamente pelos encargos previdenciários e subsidiariamente pelos encargos trabalhistas dos empregados da contratada, uma vez comprovada a falha na fiscalização do cumprimento das obrigações, por se tratar de serviço contínuo com regime de dedicação exclusiva de mão de obra.

    ◦ O Fiscal Administrativo, Pedro, e o Gestor do Contrato podem ser responsabilizados por essa falha na fiscalização, uma vez que suas atribuições incluíam o monitoramento desses aspectos, como a verificação das obrigações previdenciárias e trabalhistas.

2. Medidas preventivas no contrato: O órgão "X" deveria ter previsto no edital ou contrato as seguintes medidas para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas:

    ◦ A exigência de caução, fiança bancária ou seguro-garantia com cobertura específica para verbas rescisórias inadimplidas.

    ◦ A condição de pagamento mediante comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas.

    ◦ A possibilidade de depósito de valores em conta vinculada específica para o pagamento de encargos trabalhistas (férias, 13º salário, etc.).

    ◦ A autorização para efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas em caso de inadimplemento, deduzindo os valores do pagamento devido ao contratado.

3. Papel do órgão de assessoramento jurídico:

    ◦ Os órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração devem auxiliar o fiscal e o gestor, dirimindo dúvidas e subsidiando-os com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual, incluindo a elaboração de minutas padronizadas com as cláusulas de garantia trabalhista.

    ◦ Em caso de processo de responsabilização, a assessoria jurídica pode ser consultada para auxiliar a autoridade competente na elaboração das decisões. A NLLC prevê a defesa dos agentes públicos pela advocacia pública, caso ajam em estrita observância de parecer jurídico e não haja dolo comprovado.

V. Reflexões sobre o Papel do Gestor na Integridade da Execução Contratual

O papel do gestor público nas contratações transcende a mera execução de procedimentos burocráticos. A NLLC eleva as contratações públicas a um patamar de ações estratégicas, exigindo dos gestores uma visão abrangente e proativa. A integridade na execução contratual é diretamente ligada à atuação consciente e responsável desses profissionais.

1. Visão Estratégica e Modernização da Gestão: Historicamente, a área de contratações públicas foi, por vezes, relegada a um segundo plano, vista como uma área-meio meramente operacional. Contudo, comprar ou contratar bem é a origem de bons resultados e o caminho para o sucesso de uma política pública, viabilizando "entregas" e impactando diretamente a qualidade de vida dos cidadãos. A NLLC busca uma Administração mais gerencial, focada no controle de resultados. O planejamento das contratações é a pedra fundamental para a eficiência do processo licitatório, devendo estar alinhado ao planejamento estratégico do órgão.

2. Liderança e Promoção de um Ambiente Íntegro: A alta administração do órgão é a principal responsável pela governança das contratações, cabendo-lhe a implementação de processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos para promover um ambiente íntegro e confiável. A liderança deve focar nas pessoas e suas competências, assegurando integridade, responsabilidade e motivação. A existência de programas de integridade ("compliance"), especialmente em contratos de grande vulto (acima de R$ 200.000.000,00), é uma medida crucial para o combate à corrupção e para garantir contratações probas, morais e éticas.

3. Responsabilidade e Capacidade de Gerenciamento de Riscos: Os gestores devem reconhecer a gestão de riscos como uma prática contínua e essencial para a integridade e o sucesso das contratações. A capacidade de antecipar, identificar, lidar com situações de riscos e elaborar planos de tratamento é fundamental para alcançar resultados mais vantajosos e evitar problemas como sobrepreço, desperdício e inexecução. A responsabilização pela não implementação da governança das contratações, conforme o entendimento do TCU, sublinha a importância da atuação diligente dos gestores nessa área. A gestão de riscos também contribui para aumentar a responsabilização (accountability) e prevenir fraudes ou desvios.

4. Decisões Fundamentadas e Colaboração: O gestor moderno deve pautar suas decisões em análises técnicas, mercadológicas e de gestão, buscando o resultado mais vantajoso e alinhado ao interesse público. Isso inclui a colaboração com os órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, cujas manifestações e orientações são cruciais para a segurança jurídica e para a prevenção de riscos. A NLLC, ao prever a defesa do agente público pela advocacia pública quando este atua em conformidade com parecer jurídico, incentiva a busca por respaldo técnico-jurídico. Além disso, a segregação de funções é essencial para a integridade e para evitar fraudes.

Em síntese, o gestor público tem um papel protagonista na garantia da integridade da execução contratual. Sua atuação não é apenas de conformidade com a lei, mas de engajamento estratégico, liderança ética, gestão proativa de riscos e busca contínua por eficiência e resultados que atendam verdadeiramente ao interesse público e aos direitos fundamentais da sociedade. A apropriação e o domínio das possibilidades oferecidas pelo novo regramento são tarefas indispensáveis para os gestores públicos.

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Referências

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