Governança nas contratações públicas: conceitos e aplicações práticas - Parte 2

 

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1. Introdução à Governança nas Contratações Públicas 

As contratações públicas são processos vitais para o funcionamento da administração pública, envolvendo a aquisição de bens, serviços e obras necessários à estrutura dos órgãos e entidades, e, principalmente, para o atendimento das demandas da sociedade. No Brasil, esse setor movimenta cerca de 12% do PIB anualmente, o que ressalta a importância de um sistema robusto de governança para assegurar o uso adequado dos recursos públicos e mitigar vulnerabilidades a práticas de corrupção, fraudes e ineficiências administrativas.

Governança, neste contexto, refere-se à forma como as contratações são planejadas, executadas e monitoradas, garantindo que os recursos públicos sejam utilizados de maneira eficiente, transparente e em conformidade com a legislação. O Tribunal de Contas da União (TCU) define governança como "o sistema pelo qual as organizações são dirigidas e controladas", incluindo ações e responsabilidades da alta administração para oferecer orientação estratégica, garantir o alcance de objetivos, gerenciar riscos e verificar o uso responsável dos recursos. A Portaria Seges/ME 8.678/21 complementa que a governança nas contratações públicas compreende o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle aplicados para avaliar, direcionar e monitorar a gestão das contratações, visando agregar valor ao órgão ou entidade e contribuir para o alcance de seus objetivos com riscos aceitáveis.

A premissa geral da governança nas contratações públicas está consagrada no Art. 37, inciso XXI da Constituição Federal de 1988, e é reforçada por legislações específicas, como a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), Lei nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa) e Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção).

Os objetivos primordiais da governança nas contratações públicas incluem:

• Assegurar a seleção da proposta que gere o resultado mais vantajoso para a Administração Pública, considerando o ciclo de vida do objeto.

• Garantir tratamento isonômico entre os licitantes e promover a justa competição.

• Evitar contratações com sobrepreço ou preços inexequíveis, e superfaturamento na execução dos contratos.

• Incentivar a inovação e o desenvolvimento nacional sustentável.

• Promover um ambiente íntegro e confiável.

• Assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias.

• Promover eficiência, efetividade e eficácia nas contratações.

A Lei nº 14.133/2021 atribui à alta administração dos órgãos e entidades a responsabilidade pela governança das contratações, determinando a implementação de processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e seus contratos.

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2. Modelos e Frameworks de Governança Aplicáveis ao Setor Público 

Para estruturar a governança nas contratações públicas, diversos modelos e frameworks são aplicáveis, oferecendo diretrizes para a organização, gestão de riscos e controle.

2.1. Modelo das Três Linhas de Defesa

A Lei nº 14.133/2021 estabelece expressamente que as contratações públicas devem se submeter a práticas contínuas de gestão de riscos e controle preventivo, seguindo o modelo das três linhas de defesa. Este modelo, conforme o The Institute of Internal Auditors (IIA), auxilia as organizações a identificar estruturas e processos que contribuem para o alcance de seus objetivos, facilitando uma governança e gerenciamento de riscos robustos.

As três linhas de defesa são:

Primeira Linha de Defesa: Integrada por servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade. São os responsáveis diretos pela gestão dos riscos e controles internos nas operações diárias, fornecendo produtos e serviços e desenvolvendo controles para os riscos.

Segunda Linha de Defesa: Composta pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade. Sua função é supervisionar a aplicação dos processos e controles desenvolvidos na primeira linha, garantindo sua eficácia e o cumprimento das obrigações.

Terceira Linha de Defesa: Integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas (como o TCU). Esta linha fornece uma avaliação objetiva e independente da eficácia da governança, da gestão de riscos e dos controles internos da organização.

A lei de licitações estrutura e sugere a colaboração entre os atores da governança, mesmo que de forma simplificada. O TCU, em seu Referencial Básico de Governança, também prevê a inclusão da gestão orçamentária neste referencial de governança para autoavaliação, considerando que a primeira e a segunda linhas estão diretamente nas mãos dos gestores.

2.2. COSO (Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission)

O COSO é um framework amplamente reconhecido para gerenciamento de riscos corporativos (Enterprise Risk Management) [COSO, 2017]. Ele integra o gerenciamento de riscos ao planejamento estratégico da entidade, através do processo de definição da estratégia e dos objetivos de negócios. A gestão de riscos, segundo o COSO, deve ser um componente chave no estabelecimento da estratégia e na execução das operações diárias e prioridades da organização.

O framework COSO enfatiza que a gestão de riscos deve ser sistêmica, identificando, entendendo e informando as instâncias responsáveis sobre os riscos, para que as respostas sejam apropriadas. Isso envolve a implantação de uma estrutura de gestão de riscos com políticas, canais de comunicação, definição de limites de exposição ao risco e um processo formal de análise e avaliação de riscos. A efetividade dos controles internos, que buscam conter os riscos em níveis aceitáveis, é um elemento central deste framework.

2.3. ISO 37001:2016 (Anti-bribery management systems)

A ISO 37001:2016 é uma norma internacional que especifica os requisitos para um sistema de gestão antissuborno [ISO, 2016]. Seu objetivo é ajudar as organizações a prevenir, detectar e combater o suborno, estabelecendo medidas e controles razoáveis e proporcionais para esse fim [ISO, 2016]. No contexto das contratações públicas, esta norma se alinha perfeitamente com a necessidade de programas de integridade e com o combate à corrupção, conforme incentivado pela Lei nº 14.133/2021.

A implementação de um sistema de gestão antissuborno, com base na ISO 37001, contribui para a promoção de uma cultura ética e para a mitigação de riscos de corrupção nas contratações, impactando positivamente a credibilidade e a reputação das organizações públicas.

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3. Ferramentas de Governança em Licitações

Diversas ferramentas são essenciais para a implementação da governança nas contratações públicas, promovendo a integridade, a eficiência e a transparência.

3.1. Plano de Integridade / Programas de Integridade

Os programas de integridade são conjuntos de medidas e políticas internas adotadas por organizações com o objetivo primordial de prevenir, detectar e combater práticas ilícitas, com ênfase na corrupção. Eles visam aumentar a eficiência, eficácia e efetividade da Administração Pública e colaboram com a política anticorrupção.

A Lei nº 14.133/2021 incentiva a implementação desses programas de integridade por parte dos licitantes, especialmente:

• Ao determinar que, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (originalmente acima de R$ 200.000.000,00), o edital deverá prever a implementação do programa pelo licitante vencedor no prazo de 6 meses da celebração do contrato.

• Ao inseri-lo como um dos critérios de desempate.

• Ao adicioná-lo como condição de reabilitação do licitante sancionado.

O Decreto nº 12.304/2024 regulamenta a avaliação desses programas de integridade, considerando o comprometimento da alta direção, a existência de políticas e códigos de ética, treinamentos periódicos, gestão de riscos, controles internos, canais de denúncia e práticas de transparência e responsabilidade socioambiental. A Controladoria-Geral da União (CGU) é responsável por definir as metodologias e fiscalizar a eficácia dos programas no âmbito federal. A CGU também editou o "Programa de Integridade: Diretrizes para Empresas Privadas" para auxiliar as empresas na criação ou aprimoramento de seus programas.

A promoção da integridade envolve a definição de valores éticos, gerenciamento de conflitos de interesse, treinamentos e o estímulo à adesão de fornecedores a padrões éticos.

3.2. Gestão de Riscos

A gestão de riscos é um pilar fundamental da governança nas contratações públicas. Consiste em um processo sistemático de busca, reconhecimento e descrição de riscos, incluindo a identificação de suas fontes, eventos, causas e consequências potenciais. A Lei nº 14.133/2021 estabelece que a fase preparatória do processo licitatório deve abordar a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual.

As etapas da gestão de riscos incluem:

Identificação: Reconhecer riscos em todas as fases da contratação (planejamento, seleção, gestão contratual). A lei exige um "Mapa de Risco" na fase preparatória.

Análise e Avaliação: Determinar a probabilidade e o impacto dos riscos, e compará-los com o nível de exposição aceitável pela organização.

Tratamento: Desenvolver e implementar ações para mitigar os riscos identificados, como controles internos.

Monitoramento: Acompanhar continuamente os riscos e a eficácia das ações de tratamento, realizando revisões periódicas.

A alta administração deve definir diretrizes e aprovar a estrutura de gestão de riscos, delegando sua implantação à gestão e exercendo papel de supervisão. A Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) também prevê a implementação e supervisão de sistemas de gestão de riscos e controles internos para prevenção e mitigação de riscos, incluindo os relacionados à corrupção e fraude.

A gestão de continuidade de negócios é outra prática importante, visando preparar e reduzir os efeitos de incidentes que possam interromper as atividades da organização, sejam provocados pelo homem ou por desastres naturais.

3.3. Compliance

O compliance anticorrupção ganhou destaque na Lei nº 14.133/2021, que previu sua adoção de forma geral no mercado de contratações públicas. O compliance, que se integra às políticas de integridade empresarial, visa prevenir a ocorrência de ilícitos e demonstrar o compromisso das organizações com condutas éticas e responsáveis.

O Decreto nº 12.304/2024, ao regulamentar a exigência de programas de integridade dos fornecedores, reforça o papel do compliance como instrumento de indução de condutas lícitas e de ampliação da confiabilidade do processo licitatório. Isso não só moderniza o Estado, mas também promove um ambiente negocial mais justo e responsável, qualificando a relação contratual entre o setor público e o privado.

3.4. Auditoria

A auditoria interna é um departamento ou equipe de profissionais que prestam serviços independentes e objetivos de avaliação e consultoria, criados para agregar valor e melhorar as operações de uma organização. Ela auxilia a organização a atingir seus objetivos, aplicando uma abordagem sistemática e disciplinada para avaliar e melhorar a eficácia dos processos de governança, gerenciamento de riscos e controle.

A Lei nº 14.133/2021 confere grande destaque às auditorias, especialmente às internas, que são instituídas como áreas independentes para avaliação e consultoria, buscando agregar valor às instituições através do gerenciamento de riscos, controles internos, integridade e governança. As auditorias internas do Judiciário, por exemplo, foram organizadas sob a forma de sistema e têm diretrizes técnicas específicas.

O papel da auditoria interna inclui:

• Fornecer avaliação objetiva sobre a gestão e reporte dos riscos críticos, bem como o desenho e operação dos processos de gestão de riscos.

• Avaliar os processos de governança implementados e a execução de planos e programas de governo.

• Identificar ineficiências, desperdícios, potencial corrupção e abusos de autoridade.

• Oferecer treinamentos em governança, riscos, ética e controles.

A auditoria externa, por sua vez, representada pelos Tribunais de Contas, atua como a terceira linha de defesa, fiscalizando a utilização dos recursos públicos e avaliando a execução dos programas de governo.

3.5. Indicadores de Desempenho

Os indicadores de desempenho são instrumentos que auxiliam na identificação, medição e descrição de aspectos relacionados a um fenômeno ou objeto, tornando operacional o acompanhamento dos resultados. No contexto da governança, são cruciais para monitorar o alcance dos resultados organizacionais e o desempenho das funções de gestão.

A Lei nº 14.133/2021 e os referenciais de governança incentivam o estabelecimento de objetivos, indicadores e metas claras e mensuráveis para monitorar o desempenho e retroalimentar a estratégia.

Um exemplo prático é a realização de pesquisas de satisfação do usuário, que servem como medidores objetivos da qualidade e adequação dos serviços prestados. A Lei nº 13.460/2017 exige a absoluta transparência das ações organizacionais através da divulgação de cartas de serviços ao usuário, contendo informações claras sobre os serviços e padrões de qualidade prometidos.

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4. Papel dos Órgãos de Controle

Os órgãos de controle desempenham um papel crucial na governança das contratações públicas, atuando na fiscalização, orientação e responsabilização. Eles são parte integrante da terceira linha de defesa.

4.1. Tribunal de Contas da União (TCU)

O TCU é uma das instâncias externas de governança, responsável pela fiscalização, controle e regulação, com autonomia e independência. Sua atuação é fundamental para a promoção da governança pública, e ele tem desenvolvido referenciais para orientar a implementação de boas práticas.

Principais atribuições e contribuições do TCU:

Definição de Governança: O TCU sintetizou o conceito de governança pública organizacional como o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, visando a políticas públicas e serviços de interesse da sociedade.

Terceira Linha de Defesa: O TCU integra a terceira linha de defesa das contratações públicas, junto com o órgão central de controle interno da Administração.

Fiscalização e Orientação: Atua na fiscalização dos atos, adotando critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco, e considerando as razões apresentadas pelos órgãos e os resultados obtidos com a contratação. Além disso, o TCU oferece cursos e materiais para capacitação em governança pública.

Aprimoramento da Governança: O TCU tem como objetivo estratégico o aprimoramento da governança e da gestão no setor público, disponibilizando orientações atualizadas e incentivando a adoção de melhores práticas.

4.2. Controladoria-Geral da União (CGU)

A CGU desempenha um papel central no controle interno da Administração Pública Federal.

Principais atribuições e contribuições da CGU:

Definição de Governança nas Contratações: A Portaria Seges/ME 8.678/21 define governança nas contratações públicas como o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão das contratações.

Órgão Central de Controle Interno: A CGU é parte da terceira linha de defesa, representando o órgão central de controle interno da Administração.

Programas de Integridade: A CGU estabelece os procedimentos para a estruturação, execução e monitoramento dos programas de integridade dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, publicando manuais e guias para orientação.

Combate à Corrupção: A CGU atua na apuração da responsabilidade administrativa de pessoas jurídicas por atos lesivos contra a administração pública, incluindo fraudes e infrações em licitações e contratos. Ela coordena o Sistema de Gestão da Ética e a atividade de correição no Poder Executivo Federal.

4.3. Controladorias Locais (Estados e Municípios)

As controladorias locais, bem como as unidades de assessoramento jurídico, integram a segunda linha de defesa dos próprios órgãos ou entidades. Elas são responsáveis pela supervisão da aplicação dos processos e controles.

Desafios e responsabilidades:

Implementação em Municípios Pequenos: A implementação de uma estrutura de governança nas contratações enfrenta inúmeros desafios, sobretudo nos pequenos municípios, devido à falta de pessoal especializado, fragilidade de estrutura organizacional e baixo investimento na capacitação da força de trabalho. Nestes casos, a Lei nº 14.133/2021 estabelece prazos diferenciados para o cumprimento de certos requisitos e incentiva a formação de consórcios públicos para a realização de atividades de compras em grande escala.

Regulamentação e Adaptação: A Nova Lei de Licitações exige a criação e o fortalecimento das estruturas de governança em todas as áreas da administração pública, o que exige das controladorias locais a adaptação e regulamentação de seus próprios modelos.

Apoio e Assessoria: As unidades de controle interno e assessoramento jurídico fornecem apoio essencial para o desempenho das funções relacionadas à execução da Lei de Licitações.

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5. Estudos de Caso Reais

Para ilustrar a aplicação prática da governança, vejamos como os desafios em diferentes tipos de contratações podem ser abordados com suas ferramentas. Os exemplos a seguir são sínteses de desafios comuns na administração pública, fundamentados nos conceitos apresentados.

5.1. Obras Públicas: Desafios na Gestão de um Projeto de Construção de uma Escola

A construção de uma nova escola envolve grande volume de recursos e complexidade. Historicamente, obras públicas são suscetíveis a sobrepreço, superfaturamento, atrasos e falhas de qualidade.

Problemas Comuns:

Planejamento Deficiente: Especificações técnicas vagas, orçamentos irrealistas ou ausência de estudos técnicos preliminares detalhados, o que leva a aditivos contratuais frequentes.

Superfaturamento: Preços unitários acima do mercado, falta de fiscalização eficaz na medição dos serviços executados, ou entrega de qualidade inferior à contratada.

Gestão Contratual Ineficaz: Falta de pessoal capacitado para fiscalizar o contrato, ausência de indicadores de desempenho claros, ou dificuldade em aplicar penalidades.

Aplicação da Governança:

1. Planejamento Robusto: Elaboração de estudo técnico preliminar e projeto básico detalhados, com levantamento de mercado e precificação realista baseada em sistemas como SINAPI ou SICRO. Inclusão do projeto no Plano de Contratações Anual.

2. Gestão de Riscos: Identificação e análise de riscos desde o planejamento (ex: riscos de projeto, execução, financeiro, ambiental), com elaboração de mapa de riscos e definição de ações de tratamento e mitigação.

3. Fiscalização e Monitoramento: Designação de fiscais de contrato capacitados, com equipes de apoio e, se necessário, contratação de terceiros especializados. Definição de critérios de medição e pagamento claros e objetivos. Uso de indicadores de desempenho para monitorar o avanço físico-financeiro da obra e a qualidade dos materiais.

4. Integridade e Transparência: Previsão de programa de integridade no edital, se for contratação de grande vulto. Divulgação de todos os documentos do processo (edital, contrato, aditivos, termos de recebimento) no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).

5.2. Contratações de TI: Aquisição de Sistema de Gestão Documental

A contratação de soluções de Tecnologia da Informação (TI) apresenta desafios específicos relacionados à complexidade tecnológica, alinhamento com as necessidades do negócio e gestão de projetos.

Problemas Comuns:

Desalinhamento Estratégico: Aquisição de sistemas que não se integram com a infraestrutura existente ou não atendem às necessidades reais do órgão.

Riscos de Projeto: Atrasos na entrega, falhas de funcionalidade, estouro de orçamento em projetos de desenvolvimento ou implementação de software.

Segurança da Informação: Vulnerabilidades no sistema que comprometem a segurança dos dados e informações do órgão.

Aplicação da Governança:

1. Planejamento de TI: Elaboração de um Plano Diretor de Tecnologia da Informação (PDTI) ou equivalente, alinhado ao planejamento estratégico institucional, com participação das áreas clientes e identificação das necessidades e prioridades.

2. Gestão de Riscos de TI: Identificação e tratamento de riscos específicos de projetos de TI (ex: falhas de escopo, cronograma, custo) e riscos operacionais dos serviços de TI (ex: indisponibilidade do sistema, falhas de segurança).

3. Gestão por Desempenho: Contratação baseada em resultados e níveis de serviço. Definição de Acordos de Nível de Serviço (ANS) com metas e métricas claras para o provedor do serviço de TI.

4. Segurança da Informação: Existência de um Comitê de Segurança da Informação para formular diretrizes e normas internas. Implementação de configurações seguras, gerenciamento de logs de auditoria, defesas contra malware e testes de segurança regulares.

5. Ciclo de Vida do Software: Gerenciamento de todas as fases do ciclo de vida do software, desde a definição de requisitos até a manutenção e desativação.

5.3. Compras Emergenciais: Aquisição de Equipamentos Hospitalares durante Crise Sanitária

Compras emergenciais, embora necessárias, são frequentemente vistas com desconfiança devido à dispensa de licitação, o que pode aumentar o risco de irregularidades.

Problemas Comuns:

Desabastecimento: Necessidade urgente de adquirir bens ou serviços para manter a continuidade do serviço público.

Preços Elevados: Contratações com valores acima do mercado devido à urgência e à menor competitividade.

Falta de Transparência: Dificuldade em documentar e justificar a escolha do fornecedor e o preço em tempo hábil.

Aplicação da Governança:

1. Justificativa Clara: Elaboração de justificativa da vantagem da adesão (em caso de ata de registro de preços) ou da dispensa de licitação, demonstrando a situação emergencial e a urgência.

2. Pesquisa de Preços: Demonstração de que os valores registrados ou contratados são compatíveis com os praticados no mercado, mesmo em situações emergenciais. A Lei nº 14.133/2021 exige que as compras emergenciais observem os valores praticados pelo mercado.

3. Análise de Riscos: Identificação dos riscos associados à contratação direta (ex: preço inadequado, qualidade inferior) e das medidas para mitigá-los.

4. Documentação Completa: Instrução do processo de contratação direta com todos os documentos exigidos, incluindo formalização da demanda, análise de riscos, estimativa de despesa, parecer jurídico e justificativa de preço.

5. Transparência Pós-Contratação: Divulgação do contrato e dos termos aditivos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), garantindo a publicidade, mesmo que diferida. Apuração de responsabilidade dos agentes públicos que deram causa à situação emergencial.

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6. Exercício Prático: Elaboração de um Mini Plano de Governança para uma Contratação Fictícia 

Cenário Fictício: A Prefeitura de "Cidade Pacífica", um município de pequeno porte (abaixo de 20.000 habitantes), precisa contratar serviços de manutenção predial para o prédio da prefeitura e duas escolas municipais. O valor estimado anual da contratação é de R$ 150.000,00.

Tarefa: Elabore um mini plano de governança para esta contratação, considerando os desafios e as ferramentas apresentadas na aula.

Passos para o Mini Plano:

1. Objetivos da Contratação (Alinhados à Governança):

    ◦ Exemplo: Assegurar a manutenção adequada e contínua dos prédios públicos para garantir a segurança e funcionalidade (valor público).

    ◦ Exemplo: Obter o serviço com o melhor preço e qualidade, promovendo a competição justa.

    ◦ Exemplo: Prevenir fraudes e desperdício de recursos públicos.

2. Principais Riscos Identificados:

    ◦ Exemplo: Superfaturamento do serviço ou preços unitários inflacionados.

    ◦ Exemplo: Qualidade deficiente dos serviços de manutenção.

    ◦ Exemplo: Descontinuidade do serviço por falha do contratado.

    ◦ Exemplo: Conflito de interesses na escolha do fornecedor ou na fiscalização.

3. Mecanismos de Controle e Integridade Propostos:

    ◦ Planejamento: Elaborar um Estudo Técnico Preliminar (ETP) e Termo de Referência (TR) detalhados, com escopo claro dos serviços e orçamento estimado baseado em pesquisa de mercado robusta. Incluir a contratação no Plano de Contratações Anual do município.

    ◦ Gestão de Riscos: Criar um mapa de riscos específico para esta contratação, identificando riscos como os listados acima e definindo ações de mitigação (ex: cláusulas contratuais de penalidade, exigência de garantia).

    ◦ Fiscalização: Designar um fiscal de contrato capacitado, preferencialmente com experiência na área de manutenção predial, e prever seu treinamento. Estabelecer um modelo de gestão do contrato que defina claramente como a execução será acompanhada e fiscalizada.

    ◦ Transparência: Publicar o edital, termo de referência, minuta de contrato e o resultado da licitação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e no site oficial da prefeitura.

    ◦ Integridade: Reforçar o código de conduta dos servidores envolvidos, com diretrizes sobre vedação de conflito de interesses e relações com fornecedores.

4. Designação de Papéis e Responsabilidades:

    ◦ Alta Administração (Prefeito, Secretário de Administração): Responsável pela governança das contratações, por implementar processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos, e por aprovar o plano de contratações.

    ◦ Comissão de Licitação/Agente de Contratação: Responsável pela condução do processo licitatório, pela observância dos princípios da Lei nº 14.133/2021 e pela gestão por competências.

    ◦ Fiscal do Contrato: Responsável por acompanhar e fiscalizar a execução do serviço, atestar a qualidade e o cumprimento das obrigações contratuais.

    ◦ Assessoria Jurídica/Controle Interno: Avaliar a legalidade dos atos e processos, oferecer suporte aos agentes de contratação e fiscais.

5. Indicadores de Desempenho:

    ◦ Exemplo: Percentual de chamados de manutenção atendidos no prazo.

    ◦ Exemplo: Avaliação da qualidade dos serviços por meio de pesquisa de satisfação dos usuários dos prédios.

    ◦ Exemplo: Conformidade dos gastos com o orçamento previsto.

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7. Checklist Final: 10 Ações para Implementar Governança em Contratações Públicas

Para garantir uma gestão eficiente, transparente e íntegra das contratações públicas, é fundamental adotar as seguintes ações:

1. Comprometimento da Alta Administração: Assegurar que a alta gestão do órgão ou entidade assuma a responsabilidade pela governança das contratações e lidere a implementação de processos e estruturas.

2. Planejamento Robusto e Estratégico: Elaborar e manter um Plano de Contratações Anual, Estudos Técnicos Preliminares (ETP) e Termos de Referência (TR) detalhados, alinhados ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias.

3. Implementação de Gestão de Riscos: Instituir práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos em todas as fases da contratação, desde o planejamento até a execução contratual, com a criação de mapas de risco.

4. Adoção de Programas de Integridade: Implementar programas de integridade no órgão e exigir sua implantação pelos licitantes vencedores em contratações de grande vulto, servindo também como critério de desempate e reabilitação.

5. Capacitação Contínua de Agentes Públicos: Investir na formação e qualificação dos servidores e empregados públicos que atuam nas funções essenciais da Lei de Licitações, incluindo agentes de contratação, pregoeiros e fiscais de contrato, promovendo a gestão por competências.

6. Transparência e Publicidade Ativa: Garantir a ampla divulgação de todos os atos e documentos dos processos licitatórios e contratos em sítios eletrônicos oficiais, como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), ressalvados os casos de sigilo legal.

7. Estruturação de Controles Internos Eficazes: Implementar processos e estruturas de controles internos, com ênfase no caráter preventivo, para monitorar a gestão e a execução das contratações.

8. Avaliação de Desempenho e Satisfação das Partes Interessadas: Estabelecer indicadores de desempenho para monitorar o alcance dos objetivos das contratações e realizar pesquisas de satisfação dos usuários para avaliar a qualidade dos serviços e bens entregues.

9. Fortalecimento do Assessoramento Jurídico e de Controle Interno: Garantir que as unidades de assessoramento jurídico e de controle interno atuem como segunda linha de defesa, prestando apoio e realizando controle prévio de legalidade dos processos.

10. Adoção de Tecnologia e Padronização: Utilizar sistemas informatizados para o planejamento e gestão de contratações, e instituir centrais de compras e catálogos eletrônicos de padronização, especialmente para municípios menores, que podem se beneficiar de consórcios públicos.

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8. Referências ABNT

BRASIL. Decreto nº 12.304, de 9 de dezembro de 2024. Regulamenta dispositivos da Lei nº 14.133/2021 no que se refere a programas de integridade em contratações públicas de grande vulto, critério de desempate e reabilitação de licitantes; aplica-se à administração pública federal direta, autárquica e fundacional, bem como a estados, Distrito Federal e municípios com recursos federais. Diário Oficial da União, Brasília, 10 dez. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas. Diário Oficial da União, 2021.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Referencial de Governança em Políticas Públicas. Brasília: TCU, 2018.

COMMITTEE OF SPONSORING ORGANIZATIONS – COSO. Enterprise Risk Management. New York: AICPA, 2017.

ISO. ISO 37001:2016 – Anti-bribery management systems. Geneva: International Organization for Standardization, 2016.