Panorama comparativo entre a antiga e a nova legislação (Lei 8.666/93, Pregão, RDC vs. Lei 14.133/2021)

A Lei nº 14.133/2021, também conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLCA), representa um marco significativo na história das compras públicas no Brasil, visando modernizar e aprimorar os processos de obtenção de bens e serviços no setor público. Ela substituiu e unificou as antigas normas, incluindo a Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos), a Lei nº 10.520/2002 (Lei do Pregão) e os artigos 1º a 47-A da Lei nº 12.462/2011 (Regime Diferenciado de Contratações - RDC).
O principal objetivo da NLLCA é aumentar a transparência, a eficiência e a competitividade, além de combater a corrupção e simplificar procedimentos. Embora não seja disruptiva, ela busca aperfeiçoar e modernizar o modelo anterior.
Período de Transição e Obrigatoriedade:
- A Lei nº 14.133/2021 foi promulgada em 1º de abril de 2021.
- Durante um período de transição de dois anos (de 01.04.2021 a 01.04.2023), os órgãos públicos podiam optar por utilizar a legislação antiga ou a nova, sendo vedada a aplicação combinada de ambas.
- A obrigatoriedade plena da Lei nº 14.133/2021 se concretizou em 30 de dezembro de 2023 para a administração pública direta, autárquica e fundacional.
- Apesar da promulgação em 2021, poucas cidades implementaram a nova lei durante o período de transição, com a maioria dos contratos ainda baseada nas leis anteriores. Por exemplo, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que, entre agosto de 2021 e julho de 2023, apenas 12% dos pregões utilizavam a Lei nº 14.133/2021.
- Contratos administrativos iniciados sob a legislação anterior continuam sendo regidos por ela, mesmo em caso de prorrogação contratual após o término do período de transição, o que pode gerar o fenômeno da "ultratividade da lei revogada".
Principais Mudanças e Inovações Trazidas pela Lei nº 14.133/2021:
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Ênfase no Planejamento:
- A nova lei eleva o planejamento ao status de princípio norteador, corrigindo uma deficiência das legislações anteriores.
- A fase preparatória do processo licitatório agora é caracterizada pelo planejamento e deve ser compatível com o plano de contratações anual e as leis orçamentárias.
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Modalidades de Licitação:
- A NLLCA prevê cinco modalidades: concorrência, concurso, leilão, pregão e a nova modalidade denominada diálogo competitivo.
- As modalidades "tomada de preço" e "convite" foram extintas. A modalidade "Convite" era criticada por ferir princípios de igualdade e equidade, pois permitia à administração pública convidar diretamente apenas três interessados, favorecendo interesses pessoais em detrimento do público.
- Pregão:
- Foi integrado à nova lei e teve seu escopo ampliado para incluir também serviços comuns de engenharia, além de bens e serviços comuns.
- O formato eletrônico do pregão tornou-se a regra, com a possibilidade excepcional do formato presencial, que deve ser motivado, registrado em ata e gravado em áudio e vídeo.
- O pregão é a modalidade mais utilizada nas licitações brasileiras, com o formato eletrônico sendo predominante (99,6% dos registros no PNCP referem-se a sessões eletrônicas).
- Suas vantagens incluem celeridade, redução da burocracia, ampliação da concorrência, transparência e democratização do acesso para empresas de todos os portes, incluindo micro e pequenas empresas. O tempo médio de conclusão de um pregão é de 78 dias, comparado a 130 dias para uma concorrência.
- Diálogo Competitivo:
- É uma nova modalidade para situações complexas que envolvam inovação tecnológica ou técnica, ou quando a administração não consegue definir as soluções ou meios para atender suas necessidades.
- Permite que a administração pública dialogue com licitantes previamente selecionados para desenvolver alternativas que atendam às suas necessidades, resultando em propostas finais após o encerramento dos diálogos.
- Busca maior alinhamento entre interesses e expectativas, promovendo soluções mais consistentes e maior segurança jurídica.
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Inversão das Fases:
- A nova lei estabelece como regra a inversão de fases no procedimento licitatório: primeiro são apresentadas e julgadas as propostas comerciais e lances, para posterior análise da habilitação dos proponentes.
- Na Lei nº 8.666/1993, a regra era a habilitação prévia ao julgamento das propostas. A "inversão da inversão" (habilitação antes) é excepcional e deve ser motivada.
- Essa mudança visa a celeridade e a economia procedimental, pois a análise documental é feita apenas para os licitantes que já foram classificados, reduzindo o dispêndio de tempo.
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Critérios de Julgamento:
- A nova lei ampliou e atualizou os critérios, agora denominados "critérios de julgamento" para maior precisão técnica.
- Além dos tradicionais "menor preço" e "melhor técnica ou conteúdo artístico", incluiu "maior desconto", "técnica e preço", "maior lance" (para leilão) e o novo "maior retorno econômico".
- O critério de "maior retorno econômico" é utilizado para contratos de eficiência, visando a maior economia para a administração, com remuneração do contratado baseada em um percentual da economia efetivamente gerada.
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Tecnologia e Transparência (Portal Nacional de Contratações Públicas - PNCP):
- A Lei nº 14.133/2021 instituiu a preferência pela forma eletrônica para os processos licitatórios e criou o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).
- O PNCP centraliza e disponibiliza informações de todas as fases da licitação, desde o aviso até a assinatura do contrato, promovendo maior publicidade e controle social.
- A digitalização de documentos e procedimentos reduz a burocracia, economiza tempo e recursos e amplia a concorrência.
- Apesar dos benefícios, a implementação da licitação eletrônica enfrenta desafios como acesso à internet, capacitação de servidores e empresas, cibersegurança e exclusão digital.
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Programas de Integridade (Compliance):
- A NLLCA consagra a importância dos programas de integridade.
- Para licitações de "grande vulto" (valor estimado igual ou superior a R$ 200 milhões), o edital pode prever a obrigatoriedade de o licitante vencedor constituir um programa de compliance em até 180 dias da assinatura do contrato.
- O desenvolvimento de um programa de integridade pelo licitante é, ainda, o quarto critério de desempate.
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Qualificação e Habilitação:
- A fase de habilitação, definida no Art. 62, exige que o licitante comprove sua capacidade de realizar o objeto da licitação por meio de quatro pilares: jurídica, técnica, fiscal, social e trabalhista, e econômico-financeira.
- A nova lei exige balanço patrimonial, demonstração de resultado de exercício e demais demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios sociais.
- Houve a inclusão de requisitos como a exigência de vagas para pessoas com deficiência e reabilitados da Previdência Social (para empresas com 100 ou mais empregados), que na lei antiga era apenas um critério de desempate.
- Decretos recentes exigem, em contratações públicas, percentual mínimo de mão de obra constituída por mulheres vítimas de violência doméstica e ações de equidade de gênero como critério de desempate.
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Prazos e Recursos:
- A nova lei padronizou o prazo de recursos para situações comuns em três dias úteis e aumentou para 15 dias úteis o prazo de recurso contra sanções aplicadas a licitantes e contratados.
- A intenção de recurso deve ser manifestada imediatamente após o julgamento da proposta e da habilitação ou inabilitação, e não requer mais motivação prévia.
- Historicamente, o pregão introduziu a fase recursal única, contribuindo para a celeridade.
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Aspectos Penais:
- A Lei nº 14.133/2021 revogou os crimes previstos na Lei nº 8.666/1993 e inseriu um novo capítulo no Código Penal (Capítulo II-B, arts. 337-E a 337-O), tipificando os novos crimes em licitações e contratos administrativos.
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Matriz de Riscos:
- Uma inovação relevante é a previsão expressa da matriz de riscos como cláusula contratual no Art. 103, definindo a alocação de riscos e responsabilidades entre as partes, o que não existia na Lei nº 8.666/1993.
- É obrigatória em contratos de grande vulto (acima de R$ 200 milhões) ou em regimes de contratação integrada e semi-integrada.
- Confere maior previsibilidade, eficiência, gerenciamento de riscos e segurança jurídica, especialmente na engenharia civil.
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Limites para Dispensa de Licitação:
- A nova lei alterou permanentemente os limites para dispensa, que estavam desatualizados há mais de 20 anos na Lei nº 8.666/1993.
- Para obras e serviços de engenharia ou manutenção de veículos automotores, o limite aumentou de R$ 33.000,00 para R$ 100.000,00.
- Para outros serviços e compras, o limite passou de R$ 17.600,00 para R$ 50.000,00.
- Esses limites podem ser duplicados para consórcios públicos ou autarquias/fundações qualificadas como agências executivas (R$ 200.000,00 e R$ 100.000,00, respectivamente).
- As mudanças visam diminuir a burocratização e aumentar a eficiência em contratações de menor valor. A manutenção da atualização desses limites é sugerida para evitar a defasagem ocorrida com a lei anterior.
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Regimes de Execução Indireta de Obras e Serviços de Engenharia:
- A NLLCA manteve regimes existentes e adicionou a "contratação integrada", "semi-integrada" e o regime de "fornecimento e prestação de serviço associado".
- O regime de "fornecimento e prestação de serviço associado" inova ao responsabilizar as empresas não só pelo fornecimento do objeto, mas também pela operação e manutenção por tempo determinado (máximo de 5 anos, prorrogável por até 10). Isso traz praticidade e previne problemas futuros para a administração.
Em suma, a Lei nº 14.133/2021 introduziu mudanças substanciais que buscam tornar o processo de licitação mais eficiente, transparente e adaptado às necessidades atuais da Administração Pública. No entanto, sua implementação exige uma transformação cultural e organizacional, além de investimentos em formação profissional e modernização tecnológica, com a necessidade de regulamentações adicionais para a aplicação total de seus dispositivos. O sucesso dependerá da capacidade das instituições públicas em superar desafios operacionais e culturais.
Referências
Tópico: Panorama comparativo entre a antiga e a nova legislação (Lei 8.666/93, Pregão, RDC vs. Lei 14.133/2021)
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