Panorama comparativo entre a antiga e a nova legislação (Lei 8.666/93, Pregão, RDC vs. Lei 14.133/2021) - Parte 2
Introdução
A publicação da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), inaugurou um novo microssistema normativo para as contratações públicas brasileiras. Mais do que uma mera atualização, a NLLC representa uma mudança de paradigma, buscando uma Administração Pública mais gerencial, focada no controle de resultados em vez de processos.
Este material visa fornecer aos gestores públicos um guia prático e didático sobre as principais alterações introduzidas pela NLLC, comparando-as com a legislação anterior (Lei nº 8.666/1993, Lei do Pregão nº 10.520/2002 e o Regime Diferenciado de Contratações - RDC, Lei nº 12.462/2011). Serão abordados a estrutura e os princípios da nova lei, as modalidades de licitação (com destaque para o diálogo competitivo), as mudanças nas fases processuais, os novos critérios de julgamento, as alterações nos contratos administrativos (incluindo matriz de riscos, garantias e prazos), os instrumentos auxiliares e os impactos práticos para a gestão pública, com exemplos e um checklist de ações imediatas.
O foco principal da NLLC reside na governança e na fase preparatória do processo licitatório, entendidas como a "pedra fundamental para a eficiência do processo licitatório". Essa abordagem pretende mitigar problemas recorrentes como atrasos, descumprimento de prazos, falhas nas especificações, falência de contratadas e mudanças repentinas de necessidades.
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1. Estrutura e Princípios da Lei 14.133/2021
A NLLC se distingue da legislação anterior por seu foco na governança e na fase preparatória do processo licitatório, com o propósito de transformar a Administração em um modelo mais gerencial e menos burocrático.
Como era (Lei nº 8.666/1993):
• A Lei nº 8.666/1993 tinha um enfoque mais procedimental.
• Mencionava princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e julgamento objetivo, além de outros correlatos.
• O planejamento era pouco evidenciado e recebia apenas uma menção pontual.
Como ficou (Lei nº 14.133/2021):
• A NLLC foi dividida em cinco títulos, tratando de disposições preliminares, licitações, execução do contrato, irregularidades e disposições gerais.
• A governança e a fase preparatória são o "coração" do novo microssistema jurídico, com maior participação da alta administração e a necessidade de programas de integridade e compliance.
• O modelo busca uma Administração Pública gerencial, direcionada ao controle de resultados e não de processos. Este modelo enfatiza a eficiência e a eficácia, com descentralização política e administrativa, controle por resultados a posteriori e foco no atendimento ao cidadão.
• Ampliação do Rol de Princípios: O Art. 5º da NLLC lista vinte e dois princípios que devem ser observados, incluindo os já conhecidos e novos princípios.
Quadro Comparativo: Princípios
Característica |
Legislação Anterior (Ex: Lei nº 8.666/93) |
Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) |
Foco |
Mais procedimental. |
Governança, planejamento e controle de resultados. |
Princípios Básicos |
Legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo. |
Ampliado para 22 princípios: Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, interesse público, probidade administrativa, igualdade, planejamento, transparência, eficácia, segregação de funções, motivação, vinculação ao edital, julgamento objetivo, segurança jurídica, razoabilidade, competitividade, proporcionalidade, celeridade, economicidade e desenvolvimento nacional sustentável. Também considera disposições da LINDB. |
Planejamento |
Pouco evidenciado no texto legal. |
Alçado a princípio jurídico. Responsabilidade da alta administração para garantir alinhamento com planejamento estratégico. |
Explicação de Princípios Chave da NLLC:
• Planejamento: Exige que a Administração planeje todas as fases da licitação (interna e externa). É a "bússola" para toda a etapa interna, fixando o que deve ser detalhado até a divulgação do edital.
• Eficiência e Eficácia: A eficiência foca no menor dispêndio e melhor aproveitamento de recursos (humanos, financeiros, etc.). A eficácia, por sua vez, olha para o atingimento dos resultados planejados. Ambos buscam atender ao interesse público com soluções rápidas e ajustadas às necessidades.
• Economicidade: Preconiza que a Administração deve agir de forma menos custosa possível, buscando o melhor custo/benefício, mas sem esquecer que a proposta mais vantajosa nem sempre é a mais barata.
• Transparência: Consequência do princípio da publicidade, exige que as informações sejam claras e acessíveis.
• Segregação de Funções: Veda a designação de um mesmo agente público para atuar simultaneamente em funções suscetíveis a riscos (autorização, aprovação, execução, controle e contabilização), reduzindo a possibilidade de erros e fraudes.
• Motivação: Indica a necessidade de apontar as razões concretas (fatos e fundamentos jurídicos) que levaram à licitação e à contratação pretendida. É uma segurança para o administrador público.
• Vinculação ao Edital: O edital "faz lei" entre as partes, ou seja, tanto a Administração quanto o contratado devem observar suas previsões.
• Julgamento Objetivo: Estipula que não deve haver subjetivismo no julgamento, que deve se pautar por critérios objetivos previamente definidos no edital.
• Competitividade: A licitação deve ser aberta ao maior número possível de competidores, assegurando igualdade de condições.
• Desenvolvimento Nacional Sustentável: As licitações devem buscar o desenvolvimento sustentável sob perspectivas econômicas e ambientais.
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2. Modalidades de Licitação
A NLLC simplificou e inovou as modalidades de licitação, eliminando algumas e introduzindo uma nova.
Como era:
• Concorrência: Para bens e serviços comuns ou especiais, obras e serviços de engenharia de grande vulto.
• Tomada de Preços: Para obras e serviços de engenharia de valor médio.
• Convite: Para obras e serviços de engenharia e compras de baixo valor.
• Pregão: Para bens e serviços comuns, independentemente do valor, sendo obrigatório na esfera federal.
• Concurso: Para trabalhos técnicos, científicos ou artísticos.
• Leilão: Para alienação de bens.
• RDC (Regime Diferenciado de Contratações): Modelo excepcional, aplicável a obras e serviços específicos de grande porte.
Como ficou (Lei nº 14.133/2021):
• Eliminação: As modalidades Tomada de Preços e Convite foram excluídas.
• Manutenção: Pregão, Concorrência, Concurso e Leilão permanecem, com adaptações.
• Nova Modalidade: Introdução do Diálogo Competitivo.
Quadro Comparativo: Modalidades de Licitação
Modalidade |
Legislação Anterior (Ex: Lei nº 8.666/93) |
Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) |
Concorrência |
Para obras e serviços de engenharia de grande vulto, compras e alienações. |
Ampliadas: Aplicável na contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia. Critérios de julgamento: menor preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior retorno econômico; ou maior desconto. |
Tomada de Preços |
Para obras e serviços de engenharia de valor médio (eliminada). |
Não prevista. |
Convite |
Para obras e serviços de engenharia e compras de baixo valor (eliminada). |
Não prevista. |
Pregão |
Para bens e serviços comuns, independentemente do valor, de forma eletrônica. |
Obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns. Critérios de julgamento: menor preço ou maior desconto. |
Concurso |
Para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico. |
Mantida. Critério de julgamento: melhor técnica ou conteúdo artístico, com concessão de prêmio ou remuneração ao vencedor. |
Leilão |
Para alienação de bens móveis e imóveis. |
Mantida. Aplicável para alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos a quem oferecer o maior lance. |
Diálogo Competitivo |
Não existia. |
Nova modalidade: Para contratação de obras, serviços e compras que envolvam inovação tecnológica ou técnica, impossibilidade de definir a necessidade sem adaptação de soluções de mercado, ou especificação técnica precisa. A Administração realiza diálogos com licitantes selecionados para desenvolver a melhor solução, que então apresentarão proposta final. |
Explicação Detalhada do Diálogo Competitivo:
O diálogo competitivo é uma inovação importante para a Administração Pública, especialmente em cenários de incerteza quanto à melhor solução técnica ou tecnológica. É indicado quando a Administração:
• Visa contratar objeto que envolva inovação tecnológica ou técnica.
• Não consegue satisfazer sua necessidade com soluções disponíveis no mercado sem adaptação.
• Não pode definir as especificações técnicas com precisão suficiente.
• Precisa definir e identificar os meios e as alternativas para satisfazer suas necessidades, como a solução técnica mais adequada, requisitos técnicos para concretizar a solução, ou a estrutura jurídica/financeira do contrato.
Essa modalidade permite que a Administração converse com potenciais fornecedores, amadurecendo o problema e as possíveis soluções em um ambiente de colaboração antes da apresentação das propostas finais.
Exemplo Prático (Escolha da Modalidade): Para a contratação de obras, serviços e aquisição de bens, pode-se seguir um fluxo lógico:
• É bem ou serviço comum? Se sim, utilize Pregão.
• Não é bem ou serviço comum, mas é bem ou serviço especial?
◦ Se sim, e é possível definir o objeto com precisão ou a solução está disponível no mercado, utilize Concorrência.
◦ Se não, não sendo possível definir o objeto com precisão ou a solução não está disponível no mercado, utilize Diálogo Competitivo.
• É obra?
◦ Se sim, e é possível definir o objeto com precisão ou a solução está disponível no mercado, utilize Concorrência.
◦ Se não, não sendo possível definir o objeto com precisão ou a solução não está disponível no mercado, utilize Diálogo Competitivo.
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3. Mudanças nas Fases da Licitação
A NLLC detalha e enfatiza a fase preparatória como nunca antes, buscando mais eficiência e menos burocracia desnecessária.
Como era:
• Geralmente, o processo licitatório era composto por fase preparatória, fase externa (seleção do fornecedor) e fase de execução do contrato.
• A habilitação era, em regra, a primeira fase da etapa externa, antes da abertura das propostas.
Como ficou (Lei nº 14.133/2021):
• O processo licitatório é dividido em sete fases sequenciais:
1. Preparatória.
2. Divulgação do edital de licitação.
3. Apresentação de propostas e lances, quando for o caso.
4. Julgamento.
5. Habilitação.
6. Recursal.
7. Homologação.
Explicação Detalhada da Fase Preparatória:
A NLLC inovou na estruturação da fase preparatória, que nunca antes havia sido objeto de tamanha sistematização. O objetivo é que as contratações sejam compreendidas dentro de uma estratégia maior, gerando eficiências para a Administração e a sociedade. Os principais elementos são:
1. Descrição da Necessidade e Estudo Técnico Preliminar (ETP): A contratação deve ser fundamentada em ETP, que caracteriza o interesse público e a melhor solução, permitindo a avaliação da viabilidade técnica e econômica. O ETP deve evidenciar o problema a ser resolvido e a melhor solução. Alguns elementos do ETP são obrigatórios, como a descrição da necessidade, estimativas de quantidades e valores, justificativas para parcelamento e posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação.
2. Documentos de Definição do Objeto: Conforme o caso, podem ser utilizados Termo de Referência, Anteprojeto, Projeto Básico ou Projeto Executivo.
◦ Termo de Referência: Essencial para bens e serviços, detalha o objeto, quantitativos, prazo, fundamentação, requisitos, modelos de execução e gestão, critérios de pagamento, forma de seleção do fornecedor e orçamento.
◦ Anteprojeto: Peça técnica com subsídios para o projeto básico, geralmente para obras e serviços de engenharia.
◦ Projeto Básico: Conjunto de elementos necessários e suficientes para definir e dimensionar a obra ou serviço, assegurando viabilidade técnica e tratamento de impacto ambiental.
◦ Projeto Executivo: Detalhamento completo do projeto básico para a execução da obra, com especificações técnicas e materiais.
3. Plano de Contratações Anual (PCA): É um documento que consolida todas as compras e contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar no ano seguinte. É elaborado a partir de documentos de formalização de demandas, alinhado ao planejamento estratégico e subsidiando as leis orçamentárias. O Sistema de Planejamento e Gerenciamento de Contratações (PGC) é a ferramenta eletrônica que consolida essas informações.
4. Análise de Riscos: A fase preparatória deve incluir a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual.
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4. Novos Critérios de Julgamento
Os critérios de julgamento na NLLC visam à seleção da proposta mais vantajosa, considerando a complexidade e particularidade de cada contratação.
Como era:
• Menor Preço, Melhor Técnica, Técnica e Preço (Lei nº 8.666/93).
• Menor Preço, Maior Desconto (Lei do Pregão).
Como ficou (Lei nº 14.133/2021): A NLLC estabelece os seguintes critérios de julgamento:
• Menor preço: Para bens e serviços comuns ou especiais, obras e serviços de engenharia.
• Melhor técnica ou conteúdo artístico: Para serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual, em concursos ou contratações artísticas.
• Técnica e preço: Combinação dos critérios de técnica e de preço, para serviços técnicos especializados e bens e serviços especiais.
• Maior retorno econômico: Para contratos de eficiência em que o contratado é remunerado com base em percentual da economia gerada.
• Maior desconto: Em relação a um preço de referência ou a tarifa máxima, aplicável em algumas modalidades.
Quadro Comparativo: Critérios de Julgamento
Critério |
Legislação Anterior |
Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) |
Menor Preço |
Amplamente utilizado, especialmente no pregão. |
Mantido para bens e serviços comuns ou especiais, obras e serviços de engenharia. |
Melhor Técnica |
Presente na concorrência para serviços técnicos especializados. |
Mantido como "melhor técnica ou conteúdo artístico" para trabalhos técnicos, científicos ou artísticos, e serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual. |
Técnica e Preço |
Presente na concorrência para serviços técnicos especializados. |
Mantido para serviços técnicos especializados e bens e serviços especiais. |
Maior Desconto |
Presente no pregão. |
Mantido, em relação a um preço de referência ou a tarifa máxima. |
Maior Retorno Econômico |
Não havia previsão expressa para contratos de eficiência com essa denominação e finalidade [Não há menção explícita nas fontes sobre isso na legislação antiga, mas a NLLC inova ao formalizar]. |
Novo critério: Para contratos de eficiência em que a remuneração do contratado está vinculada ao percentual de economia gerada para a Administração. |
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5. Alterações nos Contratos Administrativos (Matriz de Riscos, Garantias, Prazos)
A NLLC trouxe inovações significativas na gestão dos contratos administrativos, com foco na transparência, no planejamento e na alocação de riscos.
Como era:
• A gestão de riscos era incipiente ou não formalizada.
• Programas de integridade (compliance) não eram obrigatórios para os contratados.
• Prazos e garantias eram estabelecidos, mas sem o detalhamento de uma matriz de riscos formal [não há menção explícita nas fontes sobre isso na legislação antiga, mas a NLLC inova ao formalizar].
Como ficou (Lei nº 14.133/2021):
Matriz de Riscos:
• A NLLC estabeleceu que o contrato poderá identificar os riscos contratuais previstos e presumíveis e prever matriz de alocação de riscos, definindo responsabilidades entre as partes e caracterizando o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
• Essa matriz deve conter, no mínimo:
◦ Listagem de possíveis eventos supervenientes que possam impactar o equilíbrio econômico-financeiro e previsão de termo aditivo.
◦ Em obrigações de resultado, frações do objeto com liberdade para inovação do contratado.
◦ Em obrigações de meio, frações do objeto sem liberdade para inovação, com obrigação de aderência à solução predefinida.
• É crucial diferenciar a matriz de risco contratual (referente ao contrato) da matriz de risco institucional (da unidade organizacional), sendo esta última aplicável pela inteligência do Art. 11, parágrafo único, embora não tratada expressamente pela NLLC.
Garantias:
• O Art. 18, inciso III, prevê a "definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento" na fase preparatória.
• O Termo de Referência deve especificar a garantia exigida e as condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso.
Prazos:
• Reajustamento de Preço: O edital deverá prever índice de reajustamento de preço com data-base vinculada ao orçamento estimado, com possibilidade de mais de um índice específico/setorial.
• Programas de Integridade (Compliance): A NLLC tornou obrigatória a implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor em contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto (acima de R$ 200.000.000,00). O prazo para instituição é de 6 meses, contado da celebração do contrato.
◦ Embora obrigatório para grande vulto, sua adoção é considerada uma boa prática administrativa para outros tipos de contratações.
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6. Instrumentos Auxiliares
Os instrumentos auxiliares são ferramentas que apoiam o processo licitatório e a gestão das contratações. A NLLC manteve e aprimorou alguns dos já existentes.
Como era:
• Sistema de Registro de Preços (SRP): Usado para contratações futuras, com preços previamente registrados em ata.
• Credenciamento: Cadastro de interessados para execução de serviços específicos.
• Outros procedimentos, como pré-qualificação e registro cadastral.
Como ficou (Lei nº 14.133/2021): A NLLC listou expressamente os procedimentos auxiliares:
• Credenciamento: Processo de seleção de fornecedores ou prestadores de serviços que atendam a requisitos mínimos para serem contratados quando a demanda for variável e a competição inviável.
• Pré-qualificação: Processo seletivo prévio de licitantes ou bens para futuras licitações.
• Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI): Permite que a Administração solicite à iniciativa privada a elaboração de estudos, investigações, levantamentos e projetos para subsidiar futuras licitações.
• Sistema de Registro de Preços (SRP): Mantido como um procedimento auxiliar para registro de preços para contratações futuras, quando pertinente.
• Registro Cadastral: Para manter um cadastro atualizado de potenciais fornecedores.
Quadro Comparativo: Instrumentos Auxiliares
Instrumento Auxiliar |
Legislação Anterior |
Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) |
Credenciamento |
Utilizado para contratação de serviços [Não há menção explícita nas fontes sobre isso na legislação antiga, mas a NLLC inova ao formalizar]. |
Mantido, para seleção de fornecedores/prestadores para demandas variáveis. |
Pré-qualificação |
Utilizado para pré-seleção de licitantes [Não há menção explícita nas fontes sobre isso na legislação antiga, mas a NLLC inova ao formalizar]. |
Mantida, para pré-seleção de licitantes ou bens para futuras licitações. |
PMI |
Utilizado de forma pontual [não há menção explícita nas fontes sobre isso na legislação antiga, mas a NLLC inova ao formalizar]. |
Formalizado, permite que a Administração solicite estudos à iniciativa privada. |
SRP |
Previsão legal para registro de preços. |
Mantido, com previsão de utilização "quando pertinente" no planejamento de compras. |
Registro Cadastral |
Utilizado para cadastro de fornecedores. |
Mantido, com a possibilidade de ser instituído com auxílio de órgãos de assessoramento jurídico e controle interno. |
PNCP |
Não existia. |
Novo e centralizado: Portal Nacional de Contratações Públicas para divulgação obrigatória de atos e realização facultativa de contratações. |
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7. Impactos Práticos para Gestores (Planejamento, Compliance, Governança)
A NLLC exige uma mudança cultural e operacional significativa dos gestores públicos, priorizando o planejamento e a gestão integrada.
7.1. Planejamento como Pilar da Gestão
• Exigência de um bom planejamento: É a "pedra fundamental" para a eficiência. Todas as contratações, inclusive as diretas e adesões a atas de registro de preços, devem ser precedidas de planejamento adequado e formalizado.
• Alinhamento Estratégico e Orçamentário: A alta administração deve assegurar que as contratações estejam alinhadas ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias. O PCA é fundamental para racionalizar contratações, garantir esse alinhamento e subsidiar a elaboração das leis orçamentárias.
• Antecipação de Necessidades: O planejamento permite antecipar demandas e evitar compras emergenciais, que são frequentes na Administração Pública e aumentam o risco de responsabilização.
• Desafio da "Urgência": A cultura do "tudo para ontem" e do "mais do mesmo" deve ser superada por um planejamento proativo.
7.2. Governança e Compliance:
• Responsabilidade da Alta Administração: A NLLC atribui diretamente à alta administração a responsabilidade pela governança das contratações, incluindo a implementação de programas de integridade e compliance. O Tribunal de Contas da União (TCU) já entendeu que a alta administração pode ser responsabilizada pela não implementação da governança.
• Gestão por Competências e Segregação de Funções: A lei exige a observância da gestão por competências e a segregação de funções, especialmente para agentes de contratação e suas equipes de apoio. O acúmulo de funções (autorização, aprovação, execução, controle e contabilização) por um mesmo servidor deve ser evitado.
• Controle e Transparência: As contratações públicas devem ser submetidas a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo, seguindo o modelo de "três linhas de defesa".
1. Primeira linha: Servidores e empregados públicos, agentes de licitação e autoridades na estrutura de governança.
2. Segunda linha: Unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do órgão.
3. Terceira linha: Órgão central de controle interno da Administração e Tribunal de Contas.
• Programas de Integridade: Essenciais para a prevenção da corrupção, promovendo ambientes justos, eficientes e transparentes. Devem ser implementados pelos licitantes vencedores em contratos de grande vulto.
7.3. Desafios de Implementação:
• Capacitação: A falta de pessoal qualificado e a carência de recursos para capacitação são grandes desafios, especialmente em pequenos municípios. A capacitação deve abranger desde os secretários até os servidores da ponta.
• Estrutura e Recursos: Muitos entes federativos, principalmente municípios, carecem de estrutura física, equipamentos e conhecimento técnico para cumprir as exigências da NLLC. O Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e o Sistema PGC, embora ferramentas de auxílio, apresentam desafios de usabilidade e integração.
• Burocracia e Complexidade: A NLLC, ao detalhar muito a fase preparatória, pode gerar uma burocracia complexa que nem sempre distingue a complexidade do objeto a ser contratado, o que, em casos de baixo valor, pode se mostrar desproporcional. Isso pode levar a atrasos ou ao cumprimento meramente formal das exigências.
• Apoio do TCU: O TCU tem tido um papel fundamental no monitoramento e aprimoramento do sistema, por meio de auditorias e recomendações, que frequentemente apontam a deficiência de planejamento e a cultura incipiente de governança.
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8. Estudos de Caso (TI e Obras Públicas)
8.1. Contratação de Soluções de Tecnologia da Informação (TI):
• Problema recorrente na legislação antiga: A contratação de soluções de TI sem um planejamento adequado, muitas vezes replicando o que foi comprado no ano anterior ou optando por soluções que não se integram aos sistemas existentes. A mudança para novas tecnologias, sem um estudo de viabilidade, pode gerar altos custos de capacitação e delay na operação, causando prejuízos financeiros e operacionais.
• NLLC e a Abordagem: A NLLC, com a exigência do Estudo Técnico Preliminar (ETP), obriga a análise da viabilidade técnica e econômica de uma nova solução. Para uma solução de TI, o ETP deve demonstrar se a inovação é viável, se haverá custo adicional para capacitar a equipe, e se o benefício compensa o risco de interrupção ou dificuldade de adaptação. Se a solução atual funciona, o ETP deve justificar a troca, e se ela for nova, deve-se considerar todos os impactos ao longo do ciclo de vida do objeto. O Diálogo Competitivo pode ser uma modalidade adequada para a contratação de soluções de TI inovadoras ou complexas, onde a Administração não tem clareza sobre a melhor abordagem.
8.2. Obras Públicas e Planejamento de Insumos:
• Problema recorrente na legislação antiga: Falta de planejamento para obras e serviços, como a construção de redes elétricas, onde exigências descabidas de qualificação técnica para parcelas de menor valor restringem a competitividade e agridem a economicidade. Outro exemplo é a falta de planejamento de insumos básicos, como merenda escolar. Apenas replicar quantidades do ano anterior, sem considerar o aumento de alunos ou consumo, leva a faltas e compras emergenciais, aumentando a responsabilização do gestor.
• NLLC e a Abordagem: O parcelamento do objeto é um princípio a ser observado, quando técnica e economicamente vantajoso, para aumentar a competitividade. A exigência do ETP e do Projeto Básico/Executivo deve detalhar a obra ou serviço, incluindo quantitativos, para garantir a viabilidade e evitar problemas futuros. No caso da merenda escolar, um bom planejamento exigiria estimativas de crescimento populacional e de alunos, antecipando a demanda e evitando situações de urgência. A NLLC também veda a realização de obras e serviços de engenharia sem projeto executivo, exceto se o ETP demonstrar ausência de prejuízo para os padrões de desempenho. A matriz de riscos se torna essencial para alocar responsabilidades em obras complexas, como grandes infraestruturas.
Exemplo prático de planejamento deficiente vs. planejamento adequado (Merenda Escolar): Uma secretaria de educação sempre comprava 12.500 pacotes de biscoito anualmente, replicando a compra anterior. Inicialmente, parecia uma quantidade elevada para auditores ou mesmo para o gestor. No entanto, ao analisar o número de alunos (12.500) e a duração do ano letivo (12 meses), percebeu-se que a quantidade era insuficiente (apenas um pacote por aluno por ano).
• Planejamento Deficiente: Levaria à falta de merenda, gerando compras emergenciais, novas licitações, e potencial Nova Lei de Licitações
Para uma transição eficiente e em conformidade com a NLLC, os gestores públicos devem priorizar as seguintes ações:
1. Invista Pesadamente em Capacitação: Promova treinamentos contínuos para a alta administração, secretários e todos os servidores envolvidos no processo de contratação. A capacitação é o primeiro passo para o sucesso.
2. Implemente e Utilize o Plano de Contratações Anual (PCA) Efetivamente: Assegure que o PCA seja elaborado e utilizado como ferramenta estratégica, alinhado ao planejamento da instituição e às leis orçamentárias, evitando que seja apenas uma formalidade.
3. Fortaleça o Controle Interno: Transforme o controle interno em um parceiro estratégico, utilizando-o como instrumento de apoio, prevenção e compliance. Desenvolva checklists e instruções normativas para auxiliar na conformidade dos processos.
4. Desenvolva uma Cultura de Planejamento Proativo: Incentive a antecipação de necessidades e a análise de soluções para evitar a "urgência" constante e o "mais do mesmo", buscando aprimorar a eficiência das compras.
5. Estabeleça Processos de Trabalho e Normativos Internos Claros: Defina atribuições, responsabilidades e prazos para a elaboração, aprovação, execução e gestão de todas as fases da contratação.
6. Utilize o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Termo de Referência com Rigor: Assegure que esses documentos evidenciem o problema a ser resolvido, a melhor solução, a viabilidade técnica e econômica, quantitativos e justificativas para o parcelamento ou não da contratação.
7. Implemente a Gestão de Riscos: Integre a análise e a matriz de riscos em todas as fases da contratação, desde o planejamento até a execução contratual, para mitigar incertezas e garantir o alcance dos objetivos.
8. Assegure a Segregação de Funções: Evite o acúmulo de funções críticas por um único agente público para reduzir a possibilidade de erros e fraudes.
9. Fomente a Integração entre Setores: Estimule o diálogo e a colaboração entre as áreas requisitante, de compras, jurídica e financeira para garantir um fluxo coeso, transparente e eficiente do processo.
Referências
AMORIM, Victor Aguiar Jardim. Modalidades e Rito Procedimental da Licitação. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Licitações e Contratos Administrativos - Inovações da Lei 14.133, de 1º de Abril de 2021. Área Auditoria Governamental) – Instituto Serzedello Corrêa, Tribunal de Contas da União, Brasília, DF, 2004.
CORRÊA, Daniela Godoy Martins. O planejamento nas contratações públicas: evolução dos instrumentos até a Lei nº 14.133/2021 e os desafios para sua efetividade. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2023.
DE AMORIM, Victor Aguiar Jardim. Temas Controversos da Nova Lei de Licitações e Contratos. São Paulo: Editora JusPodivm, 2021.
DRUCKER, Peter. Conceito de Planejamento Estratégico. Disponível em: https://www2.unifap.br/glauberpereira/files/2015/03/Planejamento-Estrat%C3%A9gico.pdf. Acesso em: 15 mai. 2024.
ESTÚDIO ECOSIL /TCE-PB. OS DESAFIOS DO PLANEJAMENTO NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS: ERROS RECORRENTES E BOAS PRÁTICAS. YouTube, 27 fev. 2024. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=5rLzJc5xO5o. Acesso em: 15 mai. 2024.
ESTRATÉGIA CONCURSOS. Resumo sobre os Princípios das Licitações Públicas. 2 jan. 2024. Disponível em: https://www.estrategiaconcursos.com 15 mai. 2024.
MARRY, Michelle. Governança e planejamento das contratações: a pedra fundamental para a eficiência do processo licitatório - Observatório da Nova Lei de Licitações. 26 out. 2023. Disponível em: https://observatorionll.com.br/2023/10/26/governanca-e-planejamento-das-contratacoes-a-pedra-fundamental-para-a-eficiencia-do-processo-licitatorio/. Acesso em: 15 mai. 2024.
PORTAL GOV.BR. Planejamento e gerenciamento das contratações - Relatório de fiscalizações em políticas e programas de governo. 2021. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/assuntos/plano-anual-de-contratacoes/relatorio-de-fiscalizacoes-em-politicas-e-programas-de-governo-planejamento-e-gerenciamento-das-contratacoes.pdf. Acesso em: 15 mai. 2024.
SILVA, Queila Israel da et al. Os novos desafios da gestão por competências nas contratações públicas. Blog da Zênite, 22 jan. 2025. Disponível em: https://www.zenite.blog.br/os-novos-desafios-da-gestao-por-competencias-nas-contratacoes-publicas/. Acesso em: 15 mai. 2024.