Termo de Referência e Projeto Básico: elaboração e requisitos - Parte 1

 

1. Introdução

A fase de planejamento de uma contratação pública é crucial para o seu sucesso, e dois documentos se destacam como pilares nesse processo: o Termo de Referência (TR) e o Projeto Básico (PB). A Lei nº 14.133/2021, conhecida como a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, reforça a importância desses instrumentos ao detalhar seu conteúdo e sua função, visando promover a transparência, a eficiência e a isonomia no dispêndio de recursos públicos. Este material busca oferecer uma compreensão detalhada dos fundamentos do TR e do PB, suas definições legais, suas interconexões e seu impacto nas contratações públicas.

2. Definição Legal do Termo de Referência (TR)

O Termo de Referência (TR) é um documento essencial na fase preparatória da licitação. A Lei nº 14.133/2021, em seu Art. 6º, inciso XXIII, define o TR como o instrumento que deve evidenciar a necessidade da contratação por parte do Poder Público no caso concreto, contendo os seguintes elementos básicos:

Definição do objeto: Inclui sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação.

Fundamentação da contratação: Consiste na referência aos Estudos Técnicos Preliminares (ETPs) correspondentes ou, quando estes não puderem ser divulgados, no extrato das partes não sigilosas.

Descrição da solução como um todo: Considera-se todo o ciclo de vida do objeto.

Requisitos da contratação.

Modelo de execução do objeto: Define como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento.

Modelo de gestão do contrato: Descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade.

Critérios de medição e de pagamento.

Forma e critérios de seleção do fornecedor.

Estimativas do valor da contratação: Acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, devendo constar de documento separado e classificado.

Adequação orçamentária.

O TR é o documento em que o setor requisitante esclarece o que realmente precisa, apresentando a definição do objeto e os elementos necessários para sua contratação e execução perfeitas. Ele deve ser anexado ao edital da licitação e deve conter todas as informações para que se compreenda o objeto e as expectativas da administração pública.

3. Definição Legal do Projeto Básico (PB)

Embora a Lei nº 14.133/2021 detalhe o Termo de Referência de forma mais explícita, o Projeto Básico (PB) mantém sua relevância, especialmente para contratações de obras e serviços de engenharia. A Lei nº 8.666/1993, em seu Art. 6º, inciso IX, define o Projeto Básico como:

• O conjunto de elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado, para caracterizar a obra ou serviço, ou complexo de obras ou serviços objeto da licitação.

• Elaborado com base nas indicações dos estudos técnicos preliminares, que assegurem a viabilidade técnica e o adequado tratamento do impacto ambiental do empreendimento.

• Que possibilite a avaliação do custo da obra e a definição dos métodos e do prazo de execução.

O PB, assim como o TR, é elaborado a partir dos estudos técnicos preliminares e reúne os elementos necessários e suficientes para caracterizar o objeto, bem como as condições da licitação e da contratação. Para obras e serviços de engenharia, os elementos do PB incluem levantamentos, sondagens, ensaios e estudos, soluções técnicas, identificação de materiais e equipamentos, informações sobre métodos construtivos e o orçamento detalhado do custo global.

4. Comparativo: Termo de Referência, Projeto Básico e Projeto Executivo

É fundamental compreender as diferenças e complementaridades entre esses documentos:

Termo de Referência (TR): É utilizado principalmente para a aquisição de bens e contratação de serviços comuns.

Projeto Básico (PB): É o instrumento primordial para a licitação de obras e serviços de engenharia.

Projeto Executivo: Surge em uma etapa posterior ao Projeto Básico, sendo o detalhamento final da execução da obra ou serviço. Frequentemente, a elaboração do projeto executivo pode ser uma obrigação do contratado.

Ambos, TR e PB, possuem funções similares, servindo para estabelecer as condições essenciais de uma contratação. Independentemente da terminologia, o conteúdo do documento é o que realmente importa para caracterizá-lo. Tanto o TR quanto o PB são instrumentos obrigatórios para toda contratação, seja por licitação, dispensa, inexigibilidade ou adesão a ata de registro de preços.

5. A Conexão Indissociável com os Estudos Técnicos Preliminares (ETP)

O TR e o PB não surgem do nada; eles são o resultado de uma fase anterior e fundamental do planejamento: o Estudo Técnico Preliminar (ETP).

ETP como planejamento preliminar: O ETP marca o início do planejamento da contratação, evidenciando uma necessidade ou problema da Administração e indicando a solução mais adequada, avaliando sua viabilidade técnica e econômica.

Conteúdo do ETP na Lei 14.133/2021: A lei detalha o conteúdo do ETP, incluindo a descrição da necessidade da contratação, estimativas de quantidades e valores, justificativas para o parcelamento ou não da contratação, e um posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação. Alguns desses elementos são de inclusão obrigatória.

TR/PB como desdobramento do ETP: Se a contratação é considerada viável pelo ETP, a solução escolhida é então especificada, ratificada ou complementada no TR ou PB, que representam o planejamento definitivo da contratação. O TR deve ser fundamentado pelo ETP.

Equipe multidisciplinar: A Nova Lei de Licitações inova ao prever que os ETPs, que fundamentam o TR, devem ser realizados preferencialmente por uma equipe multidisciplinar, garantindo maior robustez técnica à definição do objeto e à estimativa de custos. O ETP deve ser elaborado em conjunto por representantes da área técnica e requisitante ou pela equipe de planejamento da contratação.

Transparência do ETP: O ETP deve ser divulgado no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), permitindo que os interessados acessem informações relevantes, como a justificativa da necessidade e a escolha da solução, exceto em casos de sigilo.

6. Importância do TR e PB para o Planejamento, Transparência e Eficiência

O TR e o PB são instrumentos de gestão estratégica que determinam o sucesso ou insucesso de uma contratação pública.

Planejamento:

    ◦ São essenciais para otimizar o dispêndio dos recursos públicos, garantindo a aquisição com qualidade, aumentando a competitividade e reduzindo os gastos.

    ◦ Demonstram as necessidades da Administração, especificam o objeto, avaliam o custo financeiro e orientam o recebimento e fiscalização do contrato.

    ◦ Problemas no planejamento, como a elaboração açodada de ETPs e PBs, podem levar a obras mal construídas, compras erradas, objetos de qualidade inferior, desperdício de dinheiro público, e, consequentemente, licitações e contratos ilegais e até rescisões. O TCU ressalta que o planejamento adequado da contratação é de suma importância para a máxima transparência dos atos administrativos.

Transparência:

    ◦ A Lei nº 14.133/2021 reforça o papel do TR na transparência das contratações públicas.

    ◦ Um TR bem elaborado previne a irresponsabilidade fiscal, o direcionamento indevido da licitação e a corrupção. Ele serve como ponto de partida da licitação e se alinha com os princípios da legalidade, finalidade, moralidade e eficiência.

    ◦ A divulgação do ETP e, por extensão, do TR/PB, permite que o público e os licitantes tomem conhecimento das decisões relevantes sobre a contratação.

Eficiência:

    ◦ O TR e o PB guiam o fornecedor na elaboração da proposta e o pregoeiro ou a comissão de licitação no julgamento das propostas.

    ◦ Ao especificar bens, serviços e obras de forma clara, com padrões de desempenho e qualidade objetivamente definidos, esses documentos resultam em contratações eficazes.

    ◦ Especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias devem ser evitadas, pois podem limitar a competição e frustrar o fornecimento.

    ◦ A ausência ou falha nesses estudos preliminares constitui irregularidade grave que pode anular a licitação.

7. Conteúdo Essencial do Termo de Referência/Projeto Básico (Elementos Comuns e Específicos)

Para uma elaboração completa e eficaz, o TR ou PB deve conter, no mínimo, os seguintes elementos:

1. Indicação e especificação do objeto: Deve ser precisa, suficiente, clara, sem excessos que restrinjam a competição. Pode-se utilizar marcas como referência, com a justificativa técnica de "ou equivalente", "ou similar", "ou de melhor qualidade". A padronização de marca é aceitável em casos específicos, com processo administrativo prévio e justificativa.

2. Justificativa (motivação) da contratação: Aborda a necessidade, conveniência e oportunidade da contratação, incluindo a natureza comum do objeto (para pregão), o quantitativo, e a justificativa para o parcelamento ou não do objeto.

3. Requisitos necessários:

    ◦ Qualificação técnica: Exigência de atestados de capacidade técnico-profissional (registrados em entidade competente) e técnico-operacional (da empresa). Exemplos práticos incluem exigir autorização da Anvisa, Polícia Federal ou Ibama para materiais químicos.

    ◦ Habilitação: Documentos jurídicos, fiscais, sociais e trabalhistas usuais.

    ◦ Registros e Licenças: Só podem ser exigidos se obrigatórios por lei.

    ◦ Certificados de qualidade: Podem ser exigidos como critérios de pontuação em licitações tipo "técnica e preço", mas não como requisitos de habilitação, salvo justificativa plausível.

    ◦ Visita técnica: Geralmente facultativa, mas pode ser obrigatória em casos de complexidade, devidamente justificada, e não pode ter data única para evitar conluio.

4. Critérios de aceitabilidade da proposta: Inclui a verificação da conformidade do objeto, que pode envolver amostras, protótipos ou catálogos do produto, especialmente em situações que requerem análises subjetivas (cor, sabor, textura). A amostra é geralmente exigida do licitante provisoriamente vencedor.

5. Critérios de aceitabilidade do objeto (recebimento): Devem ser bem definidos para o recebimento provisório e definitivo, incluindo prazos e condições de entrega, acondicionamento e prazo de validade. Um tópico frequentemente negligenciado na elaboração do TR é a inserção desses critérios.

6. Estimativa de valor da contratação e dotação orçamentária para a despesa: O valor estimado serve de referência para a escolha da modalidade, verificação de recursos, análise de propostas, e deve ser acompanhado de pesquisa de preços com diversas fontes (órgãos oficiais, atas de registro de preços, pesquisa de mercado). A dotação orçamentária é obrigatória.

7. Condições de execução: Detalham os métodos, locais, horários, periodicidade, mão de obra, materiais e equipamentos, regime de execução (para obras), prazos de entrega/execução, garantia e assistência técnica.

8. Obrigações das partes envolvidas (contratada e contratante): Devem ser definidas com clareza para o gerenciamento do contrato e aplicação de sanções.

9. Gestão e fiscalização do contrato: Indicação dos responsáveis e suas atribuições, e a segregação de funções.

10. Condições de pagamento: Forma (mensal, por entrega, por medição, parcela única) e prazo (não superior a 30 dias).

11. Vigência do contrato: A duração está adstrita à vigência dos créditos orçamentários, com exceções para serviços contínuos ou bens de informática, que devem ser justificadas.

12. Sanções contratuais: Definição das condutas típicas e dos percentuais de multa, observando os princípios da proporcionalidade.

13. Condições gerais: Outras disposições essenciais para o fornecimento ou prestação de serviço.

14. Orçamento detalhado estimado em planilha com preço unitário e valor global: Obrigatório na fase interna e, para pregão, recomendável a inclusão no edital para transparência e competitividade. Permite analisar o "jogo de planilha".

15. Cronograma físico-financeiro: Obrigatório para obras e desejável para compras com entrega parcelada, detalhando etapas e desembolsos.

O elaborador de Termo de Referência deve atuar como um "alfaiate", moldando o instrumento de acordo com cada demanda específica, sem se prender a modelos padrão. Muitos órgãos negligenciam fatores como a justificativa técnica para aglutinação de itens em lotes, a inserção de critérios de qualificação técnica e o estabelecimento adequado de critérios de aceitação do objeto.

8. Consequências da Má Elaboração

A elaboração inadequada do Termo de Referência ou Projeto Básico acarreta sérias consequências para a Administração Pública:

Responsabilidade dos gestores: O setor requisitante e a autoridade que aprova o TR ou PB podem ser responsabilizados pelos erros. O gestor que aprova um projeto básico com falhas perceptíveis ou que não atende aos requisitos legais torna-se responsável por eventuais prejuízos.

Nulidade do ato ou contrato: Termos de Referência ou Projetos Básicos incompletos, vagos, deficientes ou sem controle de qualidade podem viciar a licitação, ameaçando o sucesso da contratação e os objetivos da Administração.

Dano ao erário e ressarcimento aos cofres públicos: Irregularidades no TR e ausência de pesquisa de preços podem levar a fraudes, inexecução do objeto e danos ao erário.

Restrição da competitividade: Falhas nas especificações ou na formação de lotes podem restringir a participação de empresas.

Desperdício de recursos humanos e materiais.

• Os Tribunais de Contas podem determinar a suspensão cautelar do processo licitatório ou a anulação de atos em caso de irregularidades graves, fundamentadas em risco iminente ao erário ou ao interesse público.

9. Conclusão

O Termo de Referência e o Projeto Básico são, portanto, os códigos genéticos das contratações públicas. Assim como um alfaiate que cria roupas sob medida, o setor requisitante deve moldar o TR/PB para cada demanda, garantindo um instrumento personalizado e adequado. A atenção e o rigor na sua elaboração são cruciais para assegurar que as contratações públicas sejam pautadas pelos princípios da legalidade, transparência, eficiência e busca pelo interesse público, evitando prejuízos e promovendo a boa governança.

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10. Referências Bibliográficas

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