Análise de propostas e critérios objetivos - Parte 2

1. Introdução ao Julgamento na NLLC

A fase de Julgamento (Fase IV) é crítica no metaprocesso de contratação pública, pois nela a Administração seleciona a proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso.

A Lei nº 14.133/2021 estabeleceu um rito procedimental comum que, via de regra, inverte as fases: a habilitação (Fase V) ocorre após o julgamento das propostas (Fase IV), envolvendo apenas o licitante provisoriamente vencedor.

Critérios de Julgamento (Art. 33 da NLLC) os critérios de julgamento, ou tipos licitatórios, devem ser objetivos e claros, previstos expressamente no edital. A NLLC estabelece seis critérios:

1. Menor preço.

2. Maior desconto.

3. Melhor técnica ou conteúdo artístico.

4. Técnica e preço.

5. Maior lance (no caso de leilão).

6. Maior retorno econômico.

A escolha do critério deve ser eficiente para a seleção da proposta mais vantajosa. O princípio do Julgamento Objetivo é fundamental, exigindo que o administrador observe critérios definidos no ato convocatório, afastando fatores subjetivos ou não previstos.

2. Procedimentos de Julgamento e Hipóteses de Desclassificação

Encerrada a etapa de lances (se houver), a Administração deve analisar a conformidade da proposta classificada em primeiro lugar.

2.1 Aceitabilidade e Desclassificação de Propostas

O processo de julgamento verifica se a proposta está em conformidade com o edital e com as especificações definidas no termo de referência ou projeto básico.

Hipóteses de Desclassificação (NLLC, Art. 59): Serão desclassificadas as propostas que:

1. Contiverem vícios insanáveis.

2. Apresentarem desconformidade com quaisquer outras exigências do edital, desde que insanável.

2.2. O Princípio do Formalismo Moderado e Vícios

É crucial a observância do princípio do Formalismo Moderado e a distinção entre vícios sanáveis e insanáveis.

A lei prevê que o desatendimento de exigências meramente formais que não comprometam a aferição da qualificação do licitante ou a compreensão do conteúdo de sua proposta não causará seu afastamento da licitação.

Exemplos de Vícios Sanáveis (D. 16.118/2023, § 4º):

• A complementação de informações acerca dos documentos já apresentados pelos licitantes.

• A atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

A comissão de licitação pode sanar erros ou falhas que não alterem a substância ou validade jurídica dos documentos, mediante despacho fundamentado e acessível, conferindo-lhes eficácia para fins de habilitação e classificação.

2.3. Análise de Exequibilidade e Inexequibilidade

O Art. 59 da NLLC determina a desclassificação das propostas com preços manifestamente inexequíveis.

Tipo de Contratação

Critério Objetivo (NLLC Art. 59, § 4º)

Obras e Serviços de Engenharia

Serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.

 

Atenção: Presunção Relativa (Súmula 262/TCU)

O entendimento predominante, reafirmado pelo TCU sob a égide da Lei 14.133, é que o critério objetivo do Art. 59, § 4º, estabelece apenas uma presunção relativa de inexequibilidade.

A Administração detém o poder-dever de realizar diligências para aferir a exequibilidade das propostas ou exigir que o licitante a demonstre. A desclassificação sumária de uma proposta abaixo do limite legal, sem a realização de diligências, incorre em risco de não contratar a proposta mais vantajosa.

3. Critérios de Desempate em Processos Licitatórios

O empate ocorre quando dois ou mais concorrentes apresentam propostas similares (mesmo valor/preço, resultados ou prazo de execução). Nesses casos, a Lei 14.133/2021 estabelece uma ordem de critérios que deve ser rigorosamente seguida (Art. 60):

1. Disputa Final: Os licitantes empatados terão a oportunidade de apresentar uma nova proposta em ato contínuo à classificação.

2. Avaliação do desempenho contratual prévio: Deverão ser utilizados, preferencialmente, registros cadastrais para atestar o cumprimento de obrigações.

3. Critérios não especificados na fonte: Devem ser consultados os incisos subsequentes do Art. 60 da NLLC.)

4. Aplicação Prática da Jurisprudência do TCU

A jurisprudência do TCU é essencial para orientar a conduta dos gestores, principalmente nas fases de análise e julgamento de propostas, reforçando os princípios de motivação, isonomia e julgamento objetivo.

Estudo de Caso 1: Vício Formal Irrelevante (Princípio da Vantajosidade)

Decisão (Exemplo de Decisão Fundamentada): Acórdão 1574/2015 – TCU – Plenário.

Enunciado Prático: Se uma irregularidade formal cometida pelo licitante vencedor for irrelevante, não lhe trouxer vantagem, não implicar desvantagem para os demais, e não interferir no julgamento objetivo da proposta, a adjudicação em favor da proposta mais vantajosa é a ação correta, em prestígio ao interesse público e à vantajosidade.

Estudo de Caso 2: Falta de Motivação na Desclassificação

Decisão (Exemplo de Decisão Fundamentada): Acórdão 1065/2024-TCU-Plenário.

Enunciado Prático: É obrigatório registrar a motivação das decisões que desclassificam propostas, inabilitam licitantes ou julgam recursos, com nível de detalhamento suficiente para a plena compreensão pelos interessados, em observância ao princípio da motivação.

Estudo de Caso 3: Presunção Relativa de Inexequibilidade

Decisão (Exemplo de Decisão Fundamentada): Acórdão 465/2024-TCU-Plenário (Reafirmando Súmula 262).

Enunciado Prático: O critério que considera inexequível a proposta de obras ou serviços de engenharia com valor inferior a 75% do orçamento estimado (Art. 59, § 4º, NLLC) gera uma presunção relativa. A Administração tem o dever de conceder ao licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade de sua proposta, sob pena de incorrer em risco de não contratar a proposta mais vantajosa.

Estudo de Caso 4: Exigência de Fundamentação em "Técnica e Preço"

Decisão (Exemplo de Decisão Fundamentada): Acórdão 1257/2023-TCU-Plenário.

Enunciado Prático: Em licitações do tipo "técnica e preço", a comissão julgadora deve fundamentar adequadamente as avaliações técnicas em relatório circunstanciado. Os critérios de julgamento devem estar detalhados no edital para reduzir a subjetividade e garantir o julgamento objetivo.

5. Checklist para Gestores: Julgamento de Propostas

A seguir, um checklist prático para orientar o agente de contratação/pregoeiro na Fase de Julgamento:

Item

Procedimento Necessário

Referência Legal/Princípio

1. Conformidade do Objeto

Encerrada a fase de lances, analise se o objeto fornecido na proposta (incluindo provas de qualidade, amostras ou prova de conceito, se aplicável) condiz com o descrito no instrumento convocatório.

Vinculação ao Edital, Julgamento Objetivo.

2. Análise de Vícios

Verifique a existência de vícios. Classifique os vícios como sanáveis ou insanáveis.

NLLC Art. 59, Vícios Insanáveis.

3. Formalismo Moderado

Não desclassifique a proposta por falhas meramente formais que não comprometam o entendimento da proposta ou a qualificação do licitante.

Princípio do Formalismo Moderado (Doutrina/Jurisprudência), NLLC Art. 12, III.

4. Inexequibilidade (Obras/Serviços)

Se a proposta (obras/serviços de engenharia) for inferior a 75% do valor estimado, não desclassifique sumariamente. Realize diligências e exija que o licitante demonstre a exequibilidade.

Presunção Relativa, NLLC Art. 59, § 2º.

5. Diligências

Utilize diligências para esclarecer ou complementar informações, sendo a decisão do pregoeiro fundamentada.

Diligência.

6. Critérios de Desempate

Caso haja empate, utilize os critérios na ordem legal: 1º Disputa Final, 2º Avaliação de Desempenho Contratual Prévio.

NLLC Art. 60.

7. Motivação da Decisão

Registre e fundamente explicitamente todas as decisões de desclassificação, aceitabilidade, ou desempate, indicando os pressupostos de fato e de direito.

Princípio da Motivação.

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Referências

ALMEIDA, Herbert. Nova Lei de Licitações Esquematizada (NLLC) – 4. ed. Escola de Governo. Disponível em: https://egov.df.gov.br/wp-content/uploads/2024/02/Nova-Lei-de-Licitacoes-Esquematizada-Herbert-Almeida-%E2%80%93-4.-ed.pdf. Acesso em: 21 de Set. 2025.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1574/2015-TCU-Plenário. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/pesquisa/acordao-completo. Acesso em: 21 de Set. 2025.

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BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.088/2024-TCU-2ª Câmara. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/pesquisa/acordao-completo . Acesso em: 21 de Set. 2025.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. (Excertos de 3.2. Princípios das licitações e dos contratos administrativos, 3.4. Critérios de julgamento, e Jurisprudência do TCU). Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/publicacoes-institucionais/cartilha-manual-ou-tutorial/licitacoes-e-contratos-orientacoes-e-jurisprudencia-do-tcu. Acesso em: 21 de Set. 2025.

JUSTEN, Pereira, Oliveira & Talamini. Inexequibilidade da Proposta na Lei 14.133: TCU reafirma entendimento da Súmula 262. Disponível em: https://justen.com.br/artigo_pdf/inexequibilidade-da-proposta-na-lei-14-133-tcu-reafirma-entendimento-da-sumula-262/. Acesso em: 21 de Set. 2025.

MTEC. Fases da Licitação: guia completo para gestores públicos. Disponível em: https://mtec.com.vc/blog/fases-da-licitacao/. Acesso em: 21 de Set. 2025.

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