Critérios de julgamento: menor preço, maior desconto, técnica e preço, melhor técnica, maior retorno econômico - Parte 2

O Critério de Julgamento por Técnica e Preço na Lei nº 14.133/2021
Introdução
A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021) representa uma mudança estrutural no regime jurídico das contratações públicas brasileiras.
Entre as inovações mais relevantes, encontra-se a ampliação dos critérios de julgamento, que passaram a desempenhar papel central na busca pela proposta mais vantajosa para a Administração.
Dentre esses critérios, o Técnica e Preço se destaca como ferramenta estratégica para contratações complexas, nas quais a qualidade técnica das propostas é tão ou mais importante que o valor ofertado.
Esta aula tem como objetivo oferecer um estudo completo sobre o critério de julgamento Técnica e Preço, explorando sua base legal, hipóteses de aplicação, fórmulas de ponderação, exigências de objetividade e jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU).
Ao final, gestores e agentes públicos estarão capacitados a estruturar editais, avaliar propostas e conduzir processos licitatórios com segurança e eficiência.
1. Contextualização e Relevância
Antes da Lei nº 14.133/2021, a escolha da modalidade licitatória estava vinculada principalmente ao valor estimado da contratação (Lei 8.666/1993).
Com a nova legislação, a natureza do objeto e o critério de julgamento ganharam protagonismo, permitindo maior flexibilidade e precisão na seleção da proposta mais vantajosa.
O art. 33 da Lei lista seis critérios possíveis:
- Menor preço
- Maior desconto
- Melhor técnica ou conteúdo artístico
- Técnica e preço
- Maior lance (para leilões)
- Maior retorno econômico
Embora o menor preço permaneça como regra geral, situações que exigem qualidade técnica diferenciada demandam critérios capazes de avaliar fatores além do custo imediato.
É nesse contexto que o Técnica e Preço se apresenta como solução ideal, permitindo a ponderação equilibrada entre valor e desempenho técnico.
2. Fundamentos Legais
O critério de Técnica e Preço encontra respaldo principalmente nos artigos 33, IV; 36; 37 e 38 da Lei nº 14.133/2021.
- Art. 36: disciplina a aplicação, definindo hipóteses de uso, pesos e exigência de justificativa no Estudo Técnico Preliminar (ETP).
- Art. 37: estabelece parâmetros para avaliação técnica, exigindo critérios objetivos e a composição de banca avaliadora.
- Art. 38: vincula a pontuação técnica à efetiva participação dos profissionais indicados no contrato, reforçando a responsabilidade técnica.
A lei determina que a nota técnica pode ter peso de até 70% da avaliação total, enquanto o preço deve compor, no mínimo, 30% da nota final.
Essa ponderação garante que a busca pela economicidade não comprometa a qualidade do objeto contratado.
3. Hipóteses de Aplicação
Segundo o art. 36, §1º, o critério de Técnica e Preço deve ser adotado quando a qualidade técnica for determinante para o sucesso da contratação.
As principais situações incluem:
- Serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual – estudos, projetos, consultorias, fiscalização de obras, auditorias complexas.
- Serviços que dependem de tecnologia sofisticada ou de domínio restrito.
- Bens e serviços especiais de tecnologia da informação e comunicação (TIC).
- Obras e serviços especiais de engenharia, em que soluções técnicas distintas impactam diretamente em durabilidade, produtividade ou rendimento.
Exigência legal importante:
Para serviços técnicos especializados de natureza intelectual (art. 6º, XVIII), com valor estimado acima de R$ 359.436,08 (valor atualizado), a lei obriga o julgamento por Melhor Técnica ou Técnica e Preço, atribuindo peso mínimo de 70% para a técnica.
4. Estruturação da Ponderação
O sucesso da licitação depende de uma fórmula de cálculo objetiva e transparente, capaz de refletir a importância relativa da técnica e do preço.
Fórmula Comum
A Nota Final (NF) do licitante é obtida pela soma ponderada:
NF = (NT x PT) + (NP x PP)
- NT: Nota da Proposta Técnica (0 a 100)
- PT: Peso da Técnica (ex.: 0,70)
- NP: Nota da Proposta de Preço (0 a 100)
- PP: Peso do Preço (ex.: 0,30)
A Nota de Preço (NP) geralmente segue a fórmula:
NP = 100 x (Menor Preço / Preço do Licitante)
Observação do TCU: são vedadas fórmulas que criem, na prática, um preço mínimo ou distorçam a competitividade.
5. Definição de Critérios Técnicos Objetivos
Um dos maiores desafios do critério Técnica e Preço é garantir objetividade na avaliação.
O art. 37 exige que o edital traga critérios claros, mensuráveis e proporcionais, minimizando a discricionariedade da comissão avaliadora.
Critérios típicos incluem:
- Capacitação e experiência do licitante – atestados de serviços similares, comprovando expertise.
- Metodologia e programa de trabalho – clareza, inovação e viabilidade do plano proposto.
- Qualificação da equipe técnica – experiência comprovada dos profissionais-chave, com vinculação ao contrato (art. 38).
- Desempenho em contratos anteriores – notas registradas no PNCP (Portal Nacional de Contratações Públicas), inovação da Lei 14.133/2021.
Exemplo de graduação:
Para avaliar a metodologia, o edital pode atribuir até 25 pontos, com escalas definidas:
- 0 a 10: insuficiente
- 11 a 18: satisfatória
- 19 a 25: excelente, com inovações e cronograma detalhado
6. A Comissão Avaliadora
A avaliação técnica deve ser conduzida por uma banca de, no mínimo, três membros, formada por:
- Servidores efetivos ou empregados públicos do quadro permanente, ou
- Profissionais externos de notório conhecimento técnico, desde que supervisionados por agentes públicos.
As notas atribuídas precisam ser fundamentadas em relatório circunstanciado, vedadas justificativas genéricas.
O TCU considera irregular a simples atribuição de conceitos como “bom” ou “regular” sem explicação objetiva.
7. Jurisprudência do TCU
A jurisprudência do Tribunal de Contas da União reforça a necessidade de rigor e transparência:
- Acórdão 1257/2023-Plenário – exige detalhamento dos critérios e fundamentação das notas para evitar subjetividade.
- Acórdão 508/2018-Plenário – veda ponderações desproporcionais que desvirtuem a relação entre técnica e preço.
- Acórdão 769/2013-Plenário – considera ilegal a ausência de critérios para gradação das notas, por violar o princípio do julgamento objetivo.
Esses entendimentos reforçam que a objetividade não é apenas recomendação, mas requisito essencial para a validade do certame.
8. Exemplo Prático – Cálculo da Nota Final
Imagine dois licitantes em um serviço de consultoria:
- Peso da Técnica: 70% | Peso do Preço: 30%
- Licitante A: Nota Técnica = 95 | Preço = R$ 100.000
- Licitante B: Nota Técnica = 80 | Preço = R$ 85.000
- Menor Preço = R$ 85.000
Cálculo da Nota de Preço:
- NP(A) = 100 x (85.000 / 100.000) = 85
- NP(B) = 100 x (85.000 / 85.000) = 100
Nota Final:
- NF(A) = (95 x 0,7) + (85 x 0,3) = 92,0
- NF(B) = (80 x 0,7) + (100 x 0,3) = 86,0
Vencedor: Licitante A, demonstrando que uma proposta tecnicamente superior pode superar um preço mais baixo.
9. Boas Práticas de Gestão
Para garantir a legalidade e a eficiência do processo, recomenda-se:
- Justificativa robusta no Estudo Técnico Preliminar, demonstrando a relevância da qualidade técnica.
- Definição minuciosa de critérios e fórmulas no edital, com escalas de pontuação claras.
- Registro detalhado das notas e das razões da comissão avaliadora.
- Capacitação contínua de gestores e membros de comissão para aplicação correta da lei.
Conclusão
O critério de julgamento Técnica e Preço é um instrumento estratégico para contratações em que a qualidade técnica é determinante para o interesse público.
Sua aplicação, porém, exige planejamento rigoroso, critérios objetivos e transparência absoluta em todas as fases do processo.
Quando bem estruturado, garante não apenas a escolha da proposta mais vantajosa, mas também a proteção jurídica dos gestores frente aos órgãos de controle.
Referências Essenciais
- BRASIL. Lei nº 14.133/2021 – Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
- TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência. Brasília, 2024.
- JUSTEN NETO, Marçal. Os critérios de julgamento e os modos de disputa na Lei 14.133/2021. Informativo Justen, 2021.
- NESTER, Alexandre W. Os critérios de julgamento previstos na nova Lei Geral de Licitações. Informativo Justen, 2023.
