Estudos de caso: montagem de um processo licitatório completo - Parte 3

 

Módulo 1: Contextualização e Princípios Fundamentais

1. Histórico e Rito Procedimental da Lei 14.133/2021

A Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) surge para modernizar o processo de contratação pública brasileiro, consolidando e atualizando normas que antes estavam espalhadas em diversas legislações, como:

  • Lei nº 8.666/1993 – a “Lei de Licitações” tradicional.
  • Lei nº 10.520/2002 – que criou o pregão.
  • Regulamentações específicas de concursos, leilões e contratações por eficiência.

O rito processual ordinário da Lei 14.133/21 organiza o processo em fases claras:

  1. Preparatória: Planejamento detalhado da contratação, definição do objeto, estimativa de preços e critérios de julgamento. Essa fase é decisiva, pois determina se o processo será eficiente e vantajoso para a Administração.
  2. Divulgação do edital: Publicação em meios oficiais e acessíveis, garantindo transparência e ampla concorrência.
  3. Apresentação de propostas e lances: Licitantes enviam propostas comerciais e, quando aplicável, técnicas. Em pregões eletrônicos, ocorre a disputa de lances.
  4. Julgamento: Avaliação objetiva das propostas segundo critérios definidos previamente, podendo considerar preço, técnica ou ambos.
  5. Habilitação: Verificação da documentação que comprova capacidade jurídica, fiscal e técnica. A inversão de fases (julgamento antes da habilitação) visa celeridade, eficiência e economicidade.
  6. Fase recursal: Licitantes inconformados podem apresentar recursos para contestar decisões de julgamento ou habilitação.
  7. Homologação: Reconhecimento final da regularidade do processo e aprovação do vencedor.

Observação: A lei permite que, em casos excepcionais, a habilitação ocorra antes do julgamento, mediante motivação da Administração.


2. Princípios Fundamentais Aplicáveis ao Julgamento

O julgamento de propostas deve respeitar princípios da Administração Pública:

  • Julgamento Objetivo: Critérios claros, específicos e divulgados no edital para evitar decisões subjetivas ou arbitrárias.
  • Vinculação ao Instrumento Convocatório: O edital é a referência máxima do processo; todas as ações da Administração devem estar alinhadas a ele.
  • Isonomia: Garantia de condições iguais para todos os participantes, sem favorecimentos.
  • Transparência e Publicidade: Cada etapa deve ser acessível, auditável e divulgada, permitindo fiscalização interna e externa.
  • Eficiência e Economicidade: Escolher a proposta mais vantajosa, otimizando recursos públicos.

Exemplo prático: Em um pregão eletrônico para compra de computadores, se o edital estabelece critérios objetivos de menor preço, a Administração não pode desclassificar um licitante com justificativa subjetiva, como “achamos que o preço é baixo demais”, sem fundamentação técnica.


3. Preferência pela Forma Eletrônica

A modalidade eletrônica é priorizada pela Lei 14.133/2021 devido às vantagens:

  • Agilidade: Reduz deslocamentos e permite envio de propostas instantaneamente.
  • Transparência: Todas as ações são registradas e auditáveis.
  • Competitividade: Licitantes de diferentes regiões podem participar igualmente.

A forma presencial é excepcional, devendo ser justificada, registrada em áudio e vídeo e atendendo todos os critérios de transparência.


Módulo 2: Critérios Objetivos de Julgamento

1. Importância da Fase Preparatória

A fase preparatória é decisiva para definir o critério de julgamento mais adequado, considerando:

  • A natureza do objeto (bens, serviços comuns, obras complexas, projetos).
  • O objetivo da contratação (economia, qualidade técnica, eficiência).
  • A estratégia administrativa (como otimizar custos e garantir competitividade).

2. Critérios de Julgamento (Art. 33)

A lei prevê seis critérios:

  1. Menor Preço:
    • Mais utilizado em bens e serviços padronizados.
    • O vencedor oferece o menor valor total.
    • Pode considerar custos indiretos objetivamente mensuráveis (manutenção, impacto ambiental).
  2. Maior Desconto:
  3. O licitante aplica desconto sobre preço de referência do edital.
  4. Desconto deve ser mantido durante a execução e aditivos.
  5. Usado em concursos e projetos técnicos, científicos ou artísticos.
  6. Avalia exclusivamente a proposta técnica/artística, sem considerar preço.
  7. Combina avaliação técnica e preço.
  8. Pontuação técnica pode ter peso de até 70%.
  9. Método: NotaFinal=(0,7×NotaTeˊcnica)+(0,3×NotaPrec\co)Nota Final = (0,7 \times Nota Técnica) + (0,3 \times Nota Preço)NotaFinal=(0,7×NotaTeˊcnica)+(0,3×NotaPrec\c​o)
  10. Aplicável apenas em leilões ou concessão de uso de bens públicos.
  11. Focado em eficiência, redução de custos ou despesas correntes da Administração.
  12. Avalia proposta técnica (economia gerada) e proposta de preço.
  13. Exemplo: Empresa propõe redução de consumo energético e cobra percentual da economia.
  14. Melhor Técnica/Conteúdo Artístico:
  15. Técnica e Preço:
  16. Maior Lance:
  17. Maior Retorno Econômico:

Observação: Cada critério deve estar claramente definido no edital e acompanhado de fórmulas de pontuação, quando aplicável.


Módulo 3: Sessão Pública e Disputa de Lances

1. Procedimentos da Sessão Eletrônica

  • Credenciamento prévio do licitante no sistema eletrônico com login e senha.
  • Comunicação entre licitantes e agente via chat do sistema.
  • Registro automático de todas as ações, garantindo auditoria e rastreabilidade.

2. Modos de Disputa (Art. 56)

  • Aberto: Lances públicos sucessivos (pregão eletrônico padrão).
  • Fechado: Propostas sigilosas até abertura oficial, não usado isoladamente para menor preço.
  • Combinado: Inicia com lances abertos e termina com fase final sigilosa.

3. Apresentação de Propostas e Lances

  • Inserção no sistema até a abertura da sessão.
  • Lances intermediários podem melhorar posição sem ultrapassar o menor lance.
  • Intervalo mínimo entre lances pode ser definido no edital.

4. Negociação

  • Administração pode negociar com vencedor para proposta mais vantajosa.
  • Se desclassificado, negociação ocorre com próximo colocado.
  • Resultado deve ser divulgado publicamente.

Módulo 4: Análise e Julgamento das Propostas

1. Desclassificação de Propostas (Art. 59)

  • Propostas fora das especificações técnicas ou com preços inexequíveis podem ser desclassificadas.
  • Vínculos insanáveis ou desconformidade com edital também justificam desclassificação.

2. Análise de Exequibilidade

  • Verificar se preço ofertado é viável para execução.
  • Obras/serviços abaixo de 75% do orçamento estimado presumem inexequibilidade.

3. Critérios de Desempate e Tratamento ME/EPP (Art. 60)

  • Sequência: disputa final → avaliação de desempenho → equidade → programa de integridade.
  • Empate Ficto: ME/EPP podem apresentar nova proposta inferior à vencedora.

4. Saneamento de Falhas e Diligências

  • Corrigir erros formais sem afetar substância da proposta.
  • Diligências podem complementar informações para evitar formalismo excessivo.

Módulo 5: Simulações Práticas e Estudos de Caso

Simulação 1: Pregão Eletrônico – Menor Preço

  • Aquisição de 50 computadores, orçamento R$ 200.000.
  • Cinco empresas participam, duas ME/EPP.
  • Menor lance: R$ 180.000 (empresa grande).
  • Empate Ficto aplicado: ME/EPP apresenta R$ 179.500 → vencedora provisória.

Simulação 2: Concorrência – Obra

  • Construção de UBS, orçamento R$ 2.249.596,13.
  • Proposta menor: R$ 1.600.000 (abaixo de 75%)
  • Diligência: comprovação de exequibilidade.
  • Cenário A: Comprovada → proposta aceita
  • Cenário B: Não comprovada → desclassificação e análise do segundo colocado

Erros Comuns

  • Ignorar cláusulas → checklist detalhado.
  • Documentação incompleta → conferência rigorosa antes do envio.
  • Preço irreal → uso de planilhas detalhadas de custos.
  • Desconhecimento da lei → participação em cursos e treinamentos.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Guilherme. Licitação e aplicação de avaliações: entre a prerrogativa e a obrigatoriedade. Consultor Jurídico, 27 set. 2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-27/licitacao-e-aplicacao-de-sancoes-entre-a-prerrogativa-ea-obrigatoriedade/. Acesso em: 22 set. 2025.

FURTADO, Madeline Rocha; DOTTI, Marinês Restelatto. A fase preparatória da licitação e seu rito processual – Lei nº 14.133/2021. Zênite Fácil, Doutrina, 22 out. 2021. Disponível em: https://www.zenitefacil.com.br. Acesso em: 22 set. 2025.

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MAZZA, Alexandre. Curso de direito administrativo. 14. ed. rev., atual. São Paulo: Saraiva Jur, 2024. ISBN 978-85-5362-029-6. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/books/9788553620296. Acesso em: 22 set. 2025.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 5. ed. Brasília: TCU, Secretaria de Gestão de Processos, 2023. Disponível em: https://portal.tcu.gov.br/licitacoes-e-contratos/manuais-orientacoes-e-jurisprudencia/licitacoes-e-contratos-orientacoes-e-jurisprudencia-do-tcu.htm. Acesso em: 22 set. 2025.