Fases da licitação segundo a Nova Lei: preparatória, divulgação, apresentação de propostas, julgamento, habilitação, recursos, homologação - Parte 2

 

JULGAMENTO E HABILITAÇÃO NA LEI 14.133/2021

MÓDULO 1: Fundamentos e Contexto da NLL

1.1. As Fases do Processo Licitatório

A Lei nº 14.133/2021 estabelece a seguinte sequência de fases:

1. Preparatória.  2. Divulgação do edital. 3. Apresentação de propostas e lances. 4. Julgamento (Fase IV). 5. Habilitação (Fase V). 6. Recursal. 7. Homologação.

1.2. A Inversão de Fases como Regra

A principal alteração na NLL é a inversão de fases, que antes era padrão apenas no Pregão, e agora é a regra geral para todas as modalidades.

Regra Geral (NLL): Primeiro o Julgamento das propostas e, subsequentemente, a Habilitação. O exame dos documentos de habilitação é limitado ao licitante provisoriamente classificado como vencedor.

Exceção (Inversão Clássica): A habilitação poderá anteceder o julgamento, desde que expressamente prevista e justificada no edital. Mesmo neste caso, os documentos relativos à regularidade fiscal (Seguridade Social e FGTS) só serão analisados após o julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado.

MÓDULO 2: Fase de Julgamento – Critérios e Avaliação

2.1. Critérios de Julgamento (Tipos)

O julgamento é a fase em que se seleciona a proposta mais vantajosa para a Administração. Os critérios de julgamento devem ser definidos na fase preparatória, de forma motivada. A Lei 14.133/2021 prevê seis critérios principais:

1. Menor preço.

2. Maior desconto.

3. Melhor técnica ou conteúdo artístico.

4. Técnica e preço.

5. Maior lance (no caso de leilão).

6. Maior retorno econômico (utilizado em contratos de eficiência, visando a maior economia para a Administração).

2.2. Avaliação Técnica (Melhor Técnica e Técnica e Preço)

Técnica e Preço: Exige que o edital justifique os critérios de pontuação e julgamento das propostas técnicas. A IN SEGES/MGI Nº 2/2023 dispõe sobre este critério na forma eletrônica.

Modo de Disputa: Quando o critério de julgamento for técnica e preço, o modo de disputa aberto será vedado, devendo ser utilizado o modo fechado.

2.3. Propostas Inexequíveis ou com Preços Discrepantes

O valor máximo da contratação é determinado pelo orçamento estimado (fase preparatória).

Desclassificação: Propostas que ultrapassem o orçamento máximo estimado deverão ser desclassificadas.

Princípio do Formalismo Moderado e Saneamento: Na condução das licitações, a Administração deve pautar-se pelo princípio do formalismo moderado e da razoabilidade. Erros ou falhas meramente formais e sanáveis, que não alterem a substância dos documentos ou sua validade jurídica, não devem levar à desclassificação ou inabilitação.

Exemplos de Falhas Sanáveis (Jurisprudência TCU): O TCU tem jurisprudência reiterada contra a desclassificação indevida por meros erros formais, como a data de validade da proposta em desacordo com o edital ou pequena diferença de centavos no preço, desde que passíveis de correção mediante diligência. O procedimento licitatório (meio) não deve prevalecer sobre o resultado almejado, que é a proposta mais vantajosa (fim).

2.4. Comissões de Julgamento (Agente de Contratação / Comissão)

O Agente de Contratação ou a Comissão de Contratação é responsável pelo saneamento de erros ou falhas.

Saneamento: A comissão pode sanar erros que não alterem a substância ou a validade jurídica dos documentos, mediante despacho fundamentado, registrado e acessível a todos. O desatendimento de exigências meramente formais não importará no afastamento do licitante.

2.5. Critérios de Desempate (Conforme Art. 60 da NLL)

Se houver empate nas propostas e os critérios de escolha forem insuficientes, a Lei estabelece uma ordem de desempate, incluindo:

1. Disputa final (nova proposta).

2. Avaliação do desempenho contratual prévio.

3. Desenvolvimento de ações de equidade de gênero.

4. Desenvolvimento de programa de integridade.

MÓDULO 3: Fase de Habilitação – Documentação e Exigências

3.1. Conceito e Requisitos Gerais

A Habilitação é a fase de verificação do conjunto de documentos e informações que demonstram a capacidade do licitante de executar o objeto licitado.

Regra de Ouro: As exigências devem ser limitadas às condições imprescindíveis para o cumprimento satisfatório do objeto. Exigências desnecessárias, irrelevantes ou indevidamente restritivas à competitividade são vedadas (CF, art. 37, XXI).

Momento: Em regra, a documentação é exigida apenas do licitante mais bem classificado (vencedor provisório), após o julgamento das propostas.

Substituição de Documentos: A documentação pode ser substituída pelo registro cadastral emitido por órgão público (como o SICAF ou o futuro registro do PNCP), desde que previsto no edital.

3.2. Categorias da Habilitação

A habilitação se divide em quatro categorias:

A) Habilitação Jurídica

Visa comprovar a capacidade do licitante de assumir obrigações e sua existência jurídica. Limita-se a documentos que comprovem a existência da pessoa e autorização para o exercício da atividade.

B) Habilitação Fiscal, Social e Trabalhista

Demonstra a regularidade do licitante. Inclui:

• Inscrição no CPF ou CNPJ.

• Inscrição no cadastro de contribuintes (estadual e/ou municipal).

• Regularidade perante as Fazendas Federal, Estadual e/ou Municipal.

• Regularidade relativa à Seguridade Social e ao FGTS. (A comprovação de regularidade com o FGTS e Seguridade Social é indispensável).

• Regularidade perante a Justiça do Trabalho.

Proibição de Trabalho Infantil: Exigência de cumprimento do disposto no art. 7º, inciso XXXIII da CF (proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16, salvo aprendiz a partir de 14).

C) Qualificação Econômico-Financeira

Comprova a aptidão do licitante para cumprir as obrigações contratuais. O edital pode exigir:

• Balanço patrimonial e demonstrações contábeis dos dois últimos exercícios.

• Certidão negativa de feitos sobre falência expedida pelo distribuidor da sede.

Índices e Coeficientes: Poderá fixar coeficientes e índices econômicos.

Capital Mínimo/Patrimônio Líquido: Em casos de obras, serviços ou compras para entrega futura, pode ser exigido capital mínimo ou patrimônio líquido mínimo de até 10% do valor estimado.

Vedações: É vedado exigir valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade ou lucratividade, ou índices não usuais para avaliação econômico-financeira.

D) Qualificação Técnica

Propicia as maiores disputas e deve ser proporcional à complexidade e riscos do contrato. Para comprovar a qualificação técnico-profissional e técnico-operacional, podem ser exigidos (entre outros):

• Apresentação de profissional detentor de atestado de responsabilidade técnica (CAT) por serviços/obras semelhantes.

• Certidões ou atestados que demonstrem capacidade operacional em serviços similares.

• Indicação de pessoal técnico, instalações e aparelhamento adequados.

Limitação de Atestados: O edital poderá exigir atestados com quantidades mínimas de até 50% das parcelas de maior relevância do objeto.

3.3. Dispensa Parcial ou Total de Documentos

Os documentos de habilitação podem ser dispensados, total ou parcialmente, nas seguintes hipóteses (embora deva ser ponderado pelo gestor):

1. Contratações para entrega imediata (prazo de até 30 dias da ordem de fornecimento).

2. Contratações em valores inferiores a 1/4 (um quarto) do limite para dispensa de licitação para compras em geral.

3. Contratações de produto para pesquisa e desenvolvimento. Ressalva Importante: A prova de regularidade com o FGTS e Seguridade Social (INSS) e a proibição de trabalho infantil não devem ser dispensadas.

MÓDULO 4: Diligências, Prazos e Recursos

4.1. Diligências (Lei 14.133, Art. 64)

Após a entrega dos documentos de habilitação, a Administração pode realizar diligências, mas não para a substituição ou apresentação de novos documentos, salvo para:

1. Complementação de informações sobre documentos já apresentados, necessária para apurar fatos existentes à época da abertura do certame.

2. Atualização de documentos cuja validade tenha expirado após a data de recebimento das propostas.

Exemplos de Diligência (Jurisprudência): É lícita a admissão da juntada de documentos, que venham a atestar uma condição pré-existente à abertura da sessão pública, sem que isso afronte a isonomia. O objetivo é sanear falhas ou equívocos de juntada, não permitindo a inclusão de um documento que o licitante não possuía no momento da licitação.

4.2. Prazos e Respostas às Desclassificações (Fase Recursal)

A fase recursal é única. O recurso cabe contra o julgamento das propostas e o ato de habilitação ou inabilitação.

Prazos e Manifestação:

1. Intenção de Recorrer: Deve ser manifestada imediatamente após o ato decisório final do certame (julgamento ou habilitação, conforme a ordem das fases), sob pena de preclusão.

2. Razões Recursais: O prazo para apresentação das razões é de 3 (três) dias úteis, contado da data da intimação ou lavratura da ata de habilitação/inabilitação (ou julgamento, se as fases forem invertidas).

3. Contrarrazões: Os demais licitantes dispõem do mesmo prazo de 3 (três) dias úteis para apresentar contrarrazões.

Procedimento de Julgamento do Recurso:

Juízo de Retratação (Reconsideração): O recurso é dirigido à autoridade que praticou o ato (Agente ou Comissão de Contratação). Este deve manifestar-se no prazo máximo de 3 (três) dias úteis. Se houver reconsideração, o ato anterior é desfeito e os autos retornam à fase anterior ("volta de fase").

Encaminhamento ao Superior: Se o Agente/Comissão mantiver a decisão, o recurso sobe (efeito devolutivo) à Autoridade Superior.

Julgamento Final: A Autoridade Superior deve proferir decisão sobre o recurso no prazo máximo de 10 (dez) dias úteis.

Efeito Suspensivo: A interposição do recurso implica efeito suspensivo automático até o julgamento pela autoridade competente.

MÓDULO 5: Exemplos Práticos, Jurisprudência e Atividades

5.1. Jurisprudência do TCU e Boas Práticas

Revisão de pontos cruciais de controle:

Formalismo Moderado: Inabilitar um licitante por falha sanável é um objetivo dissociado do interesse público. Deve-se sempre dar oportunidade para corrigir falhas sanáveis que atestem uma condição preexistente.

Exigências Restritivas: É vedada a exigência de inscrição prévia no SICAF. Exigir programa de integridade como critério de habilitação é ilegal. Exigir laudos/testes de qualidade na fase de habilitação é ilegal, sendo cabível apenas na fase de julgamento (e para o primeiro colocado).

Transparência: É imperativo garantir a completa publicidade e o acesso sem restrições aos documentos de habilitação por todos os participantes.

5.2. Atividade 1: Análise de Desclassificação

Cenário de Julgamento Prático: Uma licitação (critério menor preço) tem o seguinte resultado provisório:

• Empresa A: R$ 98.000,00 (Vencedora Provisória).

• Empresa B: R$ 99.500,00.

Ao analisar a proposta da Empresa A, o Agente de Contratação nota que a proposta:

1. Apresenta a data de validade de 50 dias, enquanto o edital exigia 60 dias.

2. O preço unitário de um item foi preenchido com R$ 10,00, mas a descrição de memória de cálculo anexa indica R$ 10,10.

Tarefa: A comissão deve desclassificar a Empresa A? Ou deve aplicar diligência? Qual princípio justifica a decisão e qual o risco de anulação? (Discutir a aplicação do formalismo moderado vs. o vício substancial).

5.3. Atividade 2: Decisão de Diligência na Habilitação

Cenário de Habilitação Prático: A Empresa A (R$ 98.000,00) foi convocada para habilitação. Apresentou todos os documentos, mas a Certidão Negativa de Débitos (CND) Federal estava com validade expirada há 3 dias. Tarefa: Qual a ação imediata do Agente de Contratação?

• A inabilitação é imediata?

• Qual tipo de diligência pode ser aplicada neste caso? (Atualização de documento expirado APÓS a proposta/abertura).

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Referências Bibliográficas

1. AMARAL, Larissa. Licitação Dispensada, Inexigível ou Dispensável: Entenda a Nova Lei de Licitações. 11 jul. 2025. Disponível em: https://jurismenteaberta.com.br/licitacao-dispensada-inexigivel-ou-dispensavel-entenda-a-nova-lei-de-licitacoes/. Acesso em: 20 set. 2024.

2. AMORIM, Victor. A fase recursal na Lei nº 14.133/21: considerações objetivas. Observatório da Nova Lei de Licitações, 13 jun. 2023. Disponível em: https://www.novaleilicitacao.com.br/2023/06/13/a-fase-recursal-na-lei-no-14-133-2021-consideracoes-objetivas/. Acesso em: 20 set. 2024.

3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 set. 2024.

4. BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º abr. 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 20 set. 2024.

8. CARNEIRO, Thiago dos Santos. Análise Contrastiva das Principais Mudanças Promovidas pela 14.133 em Relação a Lei 8.666 no Âmbito das Licitações Públicas. 2024. Trabalho de Conclusão de Curso (Pós-graduação em Licitações e Contratos Administrativos) – Faculdade Baiana de Direito, Feira de Santana, 2024.

9. COMPRAS BR. As 7 fases do processo licitatório. 4 abr. 2024. Disponível em: https://comprasbr.com.br/as-7-fases-do-processo-licitatorio/. Acesso em: 20 set. 2024.