Procedimentos auxiliares: pré-qualificação, manifestação de interesse, registro de preços, credenciamento, registro cadastral - Parte 2

 

Prezados alunos, sejam bem-vindos a esta aula sobre os Procedimentos Auxiliares da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133/2021. Ao longo das próximas horas, nosso objetivo é aprofundar o conhecimento sobre essas ferramentas estratégicas que, quando bem utilizadas, conferem maior eficiência, agilidade e economicidade às contratações públicas.

A Lei nº 14.133/21 estabeleceu, em seu artigo 78, um rol de cinco procedimentos auxiliares: o credenciamento, a pré-qualificação, o procedimento de manifestação de interesse (PMI), o sistema de registro de preços e o registro cadastral. Trata-se de instrumentos que, como o próprio nome sugere, auxiliam a Administração tanto nos processos de licitação e contratação direta quanto na própria execução contratual. Cada um possui uma finalidade específica, concebida para otimizar diferentes etapas do processo de contratação.

Nesta aula, nosso foco recairá sobre três desses procedimentos, que são de aplicação recorrente e de alto impacto na gestão cotidiana: o Sistema de Registro de Preços (SRP), o Credenciamento e o Registro Cadastral. Vamos explorar seus conceitos, bases legais, etapas, vantagens, riscos e, fundamentalmente, as boas práticas para sua correta aplicação.

Módulo 1: Sistema de Registro de Preços (SRP) – A Ferramenta para Contratações Frequentes e Planejadas

O Sistema de Registro de Preços, ou SRP, é talvez o mais conhecido e utilizado dos procedimentos auxiliares. Ele pode ser definido como um conjunto de procedimentos para o registro formal de preços relativos à prestação de serviços, obras, aquisição e locação de bens, visando a contratações futuras. A principal diferença em relação a uma licitação convencional é que, no SRP, a licitação não resulta em um contrato imediato, mas sim em uma Ata de Registro de Preços (ARP). Essa ata é um documento com força vinculativa e obrigacional, que formaliza um compromisso para futuras contratações, registrando o objeto, os preços, os fornecedores e as condições a serem praticadas.

Dessa forma, a Administração não se obriga a contratar a totalidade do que foi registrado, mas o fornecedor, por sua vez, assume o compromisso de fornecer o bem ou serviço pelo preço e nas condições registradas, caso a Administração o convoque durante a vigência da ata.

Base Legal e Hipóteses de Aplicação

A base legal do SRP na Nova Lei encontra-se nos artigos 82 a 86, além das definições no artigo 6º. Em âmbito federal, o procedimento é detalhadamente regulamentado pelo Decreto nº 11.462/2023. O SRP deve ser adotado por meio de licitação nas modalidades pregão ou concorrência, utilizando os critérios de julgamento de menor preço ou maior desconto.

O uso do SRP é especialmente indicado quando:

1. Houver necessidade de contratações frequentes ou permanentes (ex: material de escritório, combustíveis).

2. Não for possível definir previamente o quantitativo exato a ser demandado.

3. For conveniente adquirir bens com entregas parceladas ou contratar serviços remunerados por unidade de medida (ex: horas de serviço).

4. A contratação visar atender a mais de um órgão ou entidade, potencializando os ganhos de escala por meio de compras centralizadas.

A Nova Lei inovou ao permitir expressamente o uso do SRP para obras e serviços de engenharia, desde que atendidos dois requisitos: a existência de projeto padronizado sem complexidade técnica e a necessidade permanente ou frequente da obra ou serviço. Exemplos práticos incluem a construção de creches, postos de saúde ou quadras poliesportivas com projetos padronizados, ou serviços recorrentes como operações de tapa-buracos. A jurisprudência do TCU reforça que o uso para obras deve se limitar a objetos simples, padronizáveis e replicáveis, sendo vedado o seu uso para objetos incertos ou sem projetos básicos individualizados.

Etapas e Atores do SRP

O processo do SRP envolve diferentes atores e um fluxo bem definido:

1. Órgão ou Entidade Gerenciadora: É o responsável por conduzir todo o procedimento, desde o planejamento até a licitação, e por gerenciar a Ata de Registro de Preços resultante.

2. Órgão ou Entidade Participante: É aquele que, desde a fase inicial, manifesta seu interesse, participa dos estudos, informa suas estimativas de consumo e, por fim, integra a ata.

3. Procedimento de Intenção de Registro de Preços (IRP): Antes de iniciar a licitação, o órgão gerenciador deve realizar um procedimento público de IRP, com prazo mínimo de 8 dias úteis, para permitir que outros órgãos e entidades manifestem seu interesse em participar da ata. Essa etapa é crucial para consolidar demandas e obter ganhos de escala. A IRP é dispensável apenas quando o órgão gerenciador for o único contratante.

4. Licitação e Formação da Ata: Realiza-se a licitação (pregão ou concorrência) e, após a homologação, o licitante vencedor é convocado para assinar a Ata de Registro de Preços, que terá vigência de um ano, prorrogável por igual período, desde que comprovado que o preço permanece vantajoso. É importante ressaltar que a lei veda acréscimos nos quantitativos registrados na ata.

5. A Adesão à Ata – O "Carona": Órgãos e entidades que não participaram da fase de planejamento (não participantes) podem "pegar carona" em uma ata vigente. Essa adesão, contudo, é cercada de regras rigorosas:

• É preciso justificar a vantagem da adesão.

• É necessário demonstrar que os preços registrados estão compatíveis com os de mercado no momento da adesão.

• A adesão depende de consulta e aceitação prévias tanto do órgão gerenciador quanto do fornecedor.

Existem também limites quantitativos: a adesão por um órgão "carona" não pode exceder 50% do quantitativo registrado para cada item na ata (somando-se os quantitativos do gerenciador e dos participantes). Além disso, a soma de todas as adesões de "caronas" não pode ultrapassar o dobro do quantitativo original registrado para cada item. Uma vedação importante, já consolidada pelo TCU e agora positivada na lei, é a proibição de órgãos federais aderirem a atas de órgãos estaduais ou municipais.

Jurisprudência do TCU e Boas Práticas

O Tribunal de Contas da União possui vasta jurisprudência sobre o SRP, e suas orientações são fundamentais para a boa gestão. Destacamos alguns pontos:

"Barriga de Aluguel": O TCU combate veementemente a prática conhecida como "barriga de aluguel", na qual um órgão gerenciador licita quantitativos artificialmente inflados, muito acima de sua real necessidade, com o único propósito de gerar uma ata com um saldo gigantesco para adesões por "caronas", favorecendo indevidamente o fornecedor vencedor. Para mitigar esse risco, o planejamento da contratação deve ser robusto, com estimativas de quantidades devidamente justificadas.

Vantagem da Adesão: A mera comparação dos preços da ata com cotações obtidas com fornecedores não é suficiente para comprovar a vantagem da adesão. O gestor deve realizar uma ampla pesquisa de mercado, utilizando fontes como outros contratos públicos, para demonstrar que a adesão é de fato econômica.

Adjudicação por Grupo de Itens: A licitação por item é a regra. A adjudicação por grupo de itens (preço global) é uma exceção que exige justificativa robusta da sua vantagem técnica e econômica. Além disso, a contratação posterior de um item isolado de um grupo exige nova pesquisa de mercado para comprovar sua vantagem.

Boas práticas para gestores:

Planeje com rigor: A participação ou adesão a um SRP não elimina a necessidade de um planejamento minucioso, incluindo Estudo Técnico Preliminar e pesquisa de preços.

Justifique a escolha pelo SRP: A decisão de usar o SRP deve ser motivada, demonstrando o enquadramento em uma das hipóteses legais.

Controle as adesões: O órgão gerenciador tem o dever de controlar as adesões à sua ata para garantir que os limites legais não sejam ultrapassados.

Integração com o PNCP: Todas as Atas de Registro de Preços devem ser publicadas e gerenciadas por meio do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), garantindo a transparência e o controle. Os órgãos devem consultar as IRPs em andamento antes de iniciar novos processos.

Módulo 2: Credenciamento – Contratação por Inexigibilidade para Mercados Específicos

O credenciamento é um procedimento auxiliar utilizado para contratar todos os interessados que atendam a requisitos predefinidos pela Administração, em situações onde a competição por meio de licitação para selecionar um único fornecedor é inviável ou desvantajosa. Por essa razão, a lei o enquadra como uma hipótese de inexigibilidade de licitação (Art. 74, IV).

O conceito central do credenciamento é a ausência de exclusão. A Administração, por meio de um chamamento público, convoca todos que desejarem prestar um serviço ou fornecer um bem, sob condições padronizadas e, geralmente, com preço predefinido, para se credenciarem.

Base Legal e Hipóteses de Aplicação

Sua base legal está no Art. 79 da Lei nº 14.133/2021, que estabelece três hipóteses para sua utilização:

1. Contratação paralela e não excludente: Quando é vantajoso para a Administração ter múltiplos contratados simultaneamente em condições padronizadas. Exemplo: contratação de laboratórios para exames médicos, tradutores, ou serviços de chaveiro.

2. Seleção a critério de terceiros: Quando a escolha do prestador de serviço é feita pelo beneficiário direto. O exemplo clássico são os planos de saúde, onde a entidade credencia uma rede de médicos e hospitais, e o usuário escolhe a quem recorrer.

3. Mercados fluidos: Em situações onde a flutuação constante de preços e condições inviabiliza uma licitação tradicional. Exemplo: compra de passagens aéreas, onde os preços mudam a todo momento.

Etapas e Aplicação Prática

O procedimento de credenciamento segue as seguintes regras:

1. Edital de Chamamento Público: O processo se inicia com a publicação de um edital de chamamento, que deve ser divulgado no PNCP. Este edital deve conter todas as regras, as condições padronizadas da contratação, os requisitos de habilitação e, na maioria dos casos, o preço que a Administração pagará pelo serviço ou bem.

2. Cadastramento Permanente: Uma característica essencial é que o credenciamento deve permanecer aberto de forma permanente, permitindo que novos interessados possam se cadastrar a qualquer tempo.

3. Análise e Credenciamento: A Administração analisa a documentação dos interessados. Aqueles que cumprirem todos os requisitos são considerados "credenciados".

4. Distribuição da Demanda: O edital deve prever critérios objetivos para a distribuição da demanda entre os credenciados, a fim de garantir a impessoalidade. Pode ser por sorteio, rodízio, ou outro critério objetivo que impeça o direcionamento.

5. Contratação: Quando surge a necessidade, a Administração convoca o credenciado conforme a regra de distribuição definida e formaliza a contratação.

Vantagens, Riscos e Boas Práticas

Vantagens: Amplia a oferta de prestadores de serviço à disposição da Administração, promove a isonomia ao permitir que todos os qualificados sejam contratados e pode aumentar a qualidade, já que a competição se dá pela qualidade do serviço, não pelo preço.

Riscos: O principal risco reside na definição de critérios de distribuição de demanda que não sejam objetivos, abrindo margem para favorecimentos. Outro risco é a fixação de preços fora da realidade de mercado, o que pode afastar interessados ou gerar prejuízo ao erário.

Boas Práticas para Gestores:

    ◦ Elabore um edital de chamamento claro, com regras de habilitação, condições de contratação e preço bem definidos.

    ◦ Garanta que o critério de distribuição da demanda seja absolutamente impessoal e objetivo.

    ◦ Mantenha o edital permanentemente aberto para novos interessados, assegurando a ampla participação.

    ◦ Realize pesquisas de mercado periódicas para garantir que o preço fixado no credenciamento continua vantajoso e condizente com a realidade.

    ◦ Monitore constantemente a qualidade dos serviços prestados pelos credenciados.

Módulo 3: Registro Cadastral – A Otimização da Habilitação e a Gestão do Desempenho

O Registro Cadastral é o procedimento auxiliar que visa a otimizar a fase de habilitação nas licitações e a criar um banco de dados unificado de fornecedores da Administração Pública. Ele funciona como um cadastro prévio onde os interessados em contratar com o poder público apresentam seus documentos de habilitação jurídica, fiscal, social, trabalhista, técnica e econômico-financeira.

Base Legal e Características

Regulado pelos artigos 87 e 88 da Lei nº 14.133/2021, o registro cadastral tem como principal diretriz a criação de um Registro Cadastral Unificado no PNCP. Isso significa que, uma vez implementado, um fornecedor poderá se cadastrar uma única vez e seu registro será válido para todos os órgãos e entidades dos entes federativos.

Uma vez cadastrado e com seu Certificado de Registro Cadastral (CRC) válido, o licitante pode ser dispensado de apresentar, em uma licitação, os documentos que já constam no sistema, agilizando o processo. A Administração pode, inclusive, realizar licitações restritas a fornecedores cadastrados, desde que permita o cadastramento de novos interessados até a data de apresentação das propostas.

A Inovação: Cadastro de Atestado de Cumprimento de Obrigações

A grande inovação da Nova Lei é a previsão de que o registro cadastral contenha um histórico de desempenho do fornecedor. A lei determina que, ao final de cada contrato, o gestor público avalie a atuação do contratado, com base em indicadores objetivos, e registre essa avaliação no cadastro.

Essa anotação sobre o desempenho, que constará no "Cadastro de Atestado de Cumprimento de Obrigações", poderá ser utilizada como:

• Requisito de habilitação técnica em futuras licitações.

• Critério de pontuação em licitações do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço".

Isso cria um poderoso incentivo para que as empresas cumpram bem seus contratos, pois um bom histórico poderá se tornar um diferencial competitivo relevante para obter novos contratos públicos.

Integração com o PNCP, Vantagens e Desafios

O sucesso e a eficácia do registro cadastral unificado e do cadastro de desempenho dependem diretamente da sua plena implementação e regulamentação no âmbito do PNCP.

Vantagens: Para a Administração, reduz a burocracia na análise de documentos de habilitação. Para os fornecedores, simplifica a participação em licitações. Para a sociedade, aumenta a transparência e cria um mecanismo de incentivo à boa performance contratual.

Riscos e Desafios: O principal desafio é a implementação de um sistema nacional robusto e a padronização dos procedimentos. Há também o risco de subjetividade nas avaliações de desempenho, o que exige a criação de indicadores claros e objetivos para evitar perseguições ou favorecimentos.

Boas Práticas para Gestores:

    ◦ Incentive os fornecedores locais a se cadastrarem nos sistemas existentes e, futuramente, no sistema unificado do PNCP.

    ◦ Quando o cadastro de desempenho estiver implementado, realize as avaliações de forma impessoal, objetiva e transparente, baseando-se em fatos e nos indicadores definidos no contrato e no regulamento.

    ◦ Utilize as informações do registro cadastral para agilizar a análise de habilitação em suas licitações.

Conclusão

Caros colegas, como vimos, o Sistema de Registro de Preços, o Credenciamento e o Registro Cadastral são ferramentas poderosas à disposição do gestor público. O SRP oferece um caminho para a eficiência em compras recorrentes; o credenciamento soluciona contratações em mercados onde a competição tradicional é inviável; e o registro cadastral promete revolucionar a fase de habilitação e a gestão de desempenho dos fornecedores.

O domínio desses procedimentos é essencial para navegar com segurança e eficácia no novo regime de contratações públicas. A correta aplicação desses instrumentos, sempre pautada no planejamento, na transparência e no controle, é um passo fundamental para que a Administração Pública cumpra sua missão de entregar valor à sociedade de forma mais célere, econômica e eficiente.

Agradeço a atenção de todos.

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Referências

BRASIL. Decreto nº 11.462, de 31 de março de 2023. Regulamenta os arts. 82 a 86 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, para dispor sobre o sistema de registro de preços para a contratação de bens e serviços, inclusive obras e serviços de engenharia, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Brasília, DF: Presidência da República, . Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/decreto/D11462.htm. Acesso em: 10 out. 2023.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Presidência da República, . Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em: 10 out. 2023.

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