Tratamento favorecido às ME/EPP

 

1. Fundamentos Legais e Objetivos

O tratamento diferenciado busca:

  • Desenvolvimento econômico e social, fortalecendo a economia municipal, regional e nacional;
  • Incentivo à inovação tecnológica e ao empreendedorismo local;
  • Aprimoramento das políticas públicas, tornando as compras governamentais mais inclusivas.

Os artigos 42 a 49 da Lei Complementar 123/2006 disciplinam a participação de ME e EPP em licitações, assegurando benefícios como regularização fiscal tardia, preferência em caso de empate, exclusividade em determinados certames, cotas reservadas e possibilidade de subcontratação.

A Lei nº 14.133/2021, em seu artigo 4º, garante que a nova legislação de licitações não revoga tais benefícios, cabendo à Administração Pública aplicá-los com observância aos princípios da isonomia e da proposta mais vantajosa.


2. Regularização Fiscal e Trabalhista

Um dos principais mecanismos de incentivo é a possibilidade de regularização fiscal e trabalhista após o julgamento da licitação.
Isso significa que a ME ou EPP pode participar do processo mesmo apresentando pendências, desde que:

  • Apresente toda a documentação fiscal e trabalhista exigida apenas para assinatura do contrato;
  • Regularize a situação no prazo de cinco dias úteis, prorrogável por igual período a critério da Administração, a contar da declaração de vencedor.

Se a empresa não cumprir esse prazo, o contrato é adjudicado ao próximo licitante classificado.
A omissão de informações ou apresentação de documentos falsos pode caracterizar fraude à licitação, sujeitando a empresa à declaração de inidoneidade por até cinco anos, conforme entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU).


3. Empate Ficto (Critério de Desempate)

Outro benefício essencial é o empate ficto, mecanismo que garante preferência de contratação para ME e EPP mesmo quando sua proposta não é exatamente a mais barata.
Ele ocorre quando:

  • A proposta da ME/EPP for igual ou até 10% superior à melhor proposta apresentada por uma empresa que não seja ME/EPP;
  • Na modalidade Pregão, essa margem é reduzida para 5%.

Nessas situações, a ME/EPP mais bem classificada é convidada a apresentar uma nova proposta, podendo cobrir o valor da concorrente de maior porte. Caso a primeira não aceite, as demais ME/EPP dentro da margem são chamadas, seguindo a ordem de classificação.
Em caso de empate entre as próprias ME/EPP, é realizado sorteio para definir a ordem de preferência.

O empate ficto também se aplica em licitações com critérios de técnica e preço, desde que o cálculo seja feito sobre o resultado final da ponderação.


4. Outros Benefícios Específicos

Além da regularização fiscal e do empate ficto, a legislação prevê:

  • Licitação exclusiva: itens ou lotes de até R$ 80.000,00 podem ser disputados somente por ME/EPP.
  • Cota reservada: em compras de bens divisíveis, deve-se reservar até 25% do objeto para contratação de ME/EPP, independentemente do valor total da licitação.
  • Subcontratação obrigatória: a Administração pode exigir que empresas vencedoras de maior porte subcontratem ME ou EPP em até 25% do objeto, especialmente em obras e serviços.
  • Contratação direta (dispensa por valor): sempre que cabível, a Administração deve dar preferência a ME/EPP nas contratações diretas.

5. Condições, Limitações e Simples Nacional

Apesar dos benefícios, a aplicação do tratamento diferenciado exige atenção a alguns limites legais:

  • O valor estimado do item ou do contrato não pode ultrapassar a receita bruta máxima permitida para EPP, que é de R$ 4.800.000,00 por ano.
  • A empresa deve declarar que não ultrapassou esse limite em contratos firmados no ano-calendário da licitação.
  • O tratamento diferenciado não é obrigatório quando:
    • Não houver pelo menos três fornecedores competitivos enquadrados como ME/EPP na localidade;
    • O preço proposto for superior ao preço de referência da Administração;
    • A divisão do objeto puder comprometer a execução contratual.

Quanto ao Simples Nacional, empresas optantes podem participar, exceto em serviços contínuos com cessão de mão de obra (salvo vigilância, limpeza e conservação). Em casos vedados, a empresa vencedora deve comprovar que não utilizou benefícios tributários indevidos.


6. Documentação e Combate à Fraude

Para participar, a ME/EPP deve apresentar:

  • Declaração de enquadramento na categoria de micro ou pequeno porte;
  • Declaração de observância do limite de faturamento anual.

Cabe à Administração confirmar as informações, podendo:

  • Consultar portais de transparência e sistemas de pagamento do governo;
  • Solicitar documentos contábeis, como balancetes mensais.

A omissão de informações ou a utilização de empresas de fachada (as chamadas “ME/EPP fantasma”) caracteriza fraude, ensejando a aplicação de penalidades severas, como a declaração de inidoneidade.


7. Jurisprudência e Riscos na Aplicação

O Tribunal de Contas da União (TCU) reforça que:

  • A Administração deve comprovar a existência de no mínimo três fornecedores competitivos para aplicar licitação exclusiva ou cota reservada;
  • O empate ficto deve ser aplicado antes de qualquer outro critério de desempate previsto na Lei 14.133/2021;
  • É vedado o parcelamento artificial do objeto apenas para enquadrar a licitação nos limites de exclusividade.

Entre os riscos identificados pelo TCU estão a estimativa inadequada de valores, que pode gerar superfaturamento em cotas reservadas, e a habilitação de ME/EPP sem qualificação técnica suficiente.


8. Síntese Final

O tratamento favorecido às ME e EPP é um instrumento poderoso para promover a inclusão econômica, a inovação e o desenvolvimento regional.
No entanto, sua aplicação exige cautela: a Administração deve observar rigorosamente os limites legais, as condições de competitividade e as regras de diligência, garantindo que os benefícios não sejam utilizados de forma fraudulenta.
Para os gestores e agentes públicos, compreender esses mecanismos é essencial para planejar licitações mais justas, eficientes e alinhadas às políticas públicas de fomento.


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