Alterações contratuais: prorrogações, acréscimos, supressões e revisões de valores - Parte 4

Alterações Contratuais: Revisões de Valores
Prezados Alunos,
Esta aula aborda um tema crucial na gestão de contratos administrativos: a alteração de valores e a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. As alterações contratuais são instrumentos necessários para garantir a continuidade da execução do objeto pactuado, refletindo a natureza dinâmica dos contratos com a Administração Pública.
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1. Conceito e Base Legal da Alteração Contratual
Os contratos administrativos podem ser alterados, com as dívidas justificativas, nas hipóteses previstas na Lei nº 14.133/2021, em seus artigos 124 a 136. As alterações serão unilaterais, quando determinadas pela Administração sem a necessidade de anuência prévia do contratado, ou consensuais, por acordo entre as partes.
A Administração pode alterar unilateralmente o contrato para melhor adequação técnica aos seus objetivos (modificação qualitativa) ou quando for necessária a alteração do valor contratual em decorrência de acréscimo ou excesso de quantidade do objeto, respeitando os limites legais.
As alterações contratuais deverão ser formalizadas por meio do Termo Aditivo, sempre fundamentado em uma justificativa técnica e econômica. É fundamental que a alteração contratual não mude a essência do contrato, ou seja, não pode haver uma alteração no objeto principal que prejudique as condições iniciais acordadas. Registros que não caracterizam alteração do contrato, como reajuste ou repactuação de preços, são realizados por apostilamento.
Um dos principais fundamentos para a alteração consensual é a necessidade de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizam a execução do contrato.
2. A Importância do Equilíbrio Econômico-Financeiro
O equilíbrio econômico-financeiro é a pedra angular na gestão de contratos administrativos e tem como finalidade a preservação do equilíbrio inicial do contrato. Ele garante que as condições financeiras acordadas no momento da rescisão do contrato não sejam alteradas de forma desproporcional ou injusta em razão de fatores imprevisíveis ou fora do controle das partes.
A manutenção desse equilíbrio é crucial, especialmente quando mudanças nas condições econômicas ou imprevistas externas impactam significativamente o custo da execução, tornando o contrato economicamente inviável para o contratado.
Na Nova Lei de Licitações, um instrumento fundamental que atua para caracterizar o equilíbrio inicial é a Matriz de Alocação de Riscos. A matriz de riscos é uma cláusula contratual que define riscos e responsabilidades entre as partes, caracterizando o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação. Essa matriz deve ser observada na solução de eventuais pleitos das partes.
3. Diferenciação entre Reajuste, Repactuação e Revisão
O reequilíbrio econômico-financeiro pode ocorrer de diversas formas: reajustamento, repactuação, revisão do contrato e atualização monetária. Embora todos busquem recomendar a inovação original da contratação, eles se distinguem quanto à causa, à forma e à periodicidade:
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Mecanismo |
Causa |
Periodicidade |
Formalização (Lei 14.133/21) |
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Reajuste (em sentido estrito) |
Compensação pelos efeitos da inflação. |
Mínimo de um ano. |
Apostilamento. |
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Repactuação |
Variação de custos contratuais, especialmente mão de obra, em serviços contínuos com dedicação exclusiva. |
Mínimo de um ano, contado da base de dados. |
Apostilamento. |
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Revisão (Recomposição) |
Ocorrência de fato imprevisível (ou previsível de consequências incalculáveis), força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, que quebre o equilíbrio inicial. |
Pode ser concedido a qualquer tempo. |
Termo aditivo (regra geral para alteração consensual). |
O reajuste é uma forma de compensar os efeitos da inflação nos preços contratados, sendo obrigatória sua previsão no edital e no contrato, com índice e banco de dados definidos.
A repactuação é uma forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro específica para serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra ou predominância de mão de obra. Ela se baseia na variação dos custos contratuais, demonstrada por meio de planilha de custos, com dados vinculados ao acordo ou convenção coletiva para os custos de mão de obra.
A Revisão (ou reequilíbrio em sentido estrito) é utilizada para eventos extraordinários que afetam a economia do contrato. O pedido deve ser formalizado pelo contratado e, se a seu favor, seus efeitos retroagem aos dados do desequilíbrio efetivo do preço.
4. Requisitos e Causas para a Revisão Contratual
A revisão do contrato pode decorrer de força maior, caso fortuito, fato do príncipe e fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis. Ela pode ser concedida a qualquer tempo, independentemente da previsão contratual, desde que sejam apresentados os seguintes requisitos cumulativos:
1. O evento seja futuro e incerto.
2. O evento ocorre após a apresentação da proposta.
3. O evento não ocorre por culpa do contratado.
4. Seja respeitada a repartição objetiva do risco estipulado no contrato (Matriz de Riscos).
5. A alteração seja substancial nas condições contratadas, caracterizando alteração desproporcional entre os encargos do contratado e a retribuição do contratante.
6. Haja nexo causal entre a alteração dos custos com o evento ocorrido e a necessidade de recomposição de salários.
7. Seja demonstrada a quebra de equilíbrio por meio de apresentação de planilha de custos e documentos comprobatória correlata que demonstre que a contratação se tornou inviável nas condições inicialmente pactuadas.
Exemplos de Causas de Revisão de Valores:
As alterações imprevistas (revisão) são aquelas que causam desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Exemplos práticos dessas causas, em conformidade com o previsto na legislação e doutrina, incluem:
• Aumento Inesperado de Insumos/Custos: Aumentos inesperados de preços de materiais, custos de insumos ou situações que alteram de forma substancial a execução do objeto contratado. Isso pode englobar, por exemplo, variações acentuadas nos preços de commodities globais, como a cadeia de proteínas afetadas.
• Variação Cambial Drástica: Embora a fonte não seja citada nominalmente, a variação cambial drástica, quando impacta custos de insumos importados, enquadra-se classicamente como fato imprevisível que altera o equilíbrio inicial.
• Crises Econômicas Não Antecipadas: Crises graves e não previsíveis que alteram drasticamente o cenário econômico após a apresentação da proposta.
• Alterações de Encargos Legais ou Tributos: Os preços contratados serão alterados (para mais ou para menos) se houver, após a data da apresentação da proposta, criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais ou a superveniência de disposições legais, com comprovada repercussão sobre os preços contratados.
5. Orientações do TCU e da CGU
Os órgãos de controle reforçam a necessidade de gestão rigorosa e transparente na alteração de valores contratuais.
Orientações do Tribunal de Contas da União (TCU)
O TCU tem uma visão clara sobre a importância do planejamento, que inclui análise e alocação de riscos. A Matriz de Riscos, um item obrigatório em obras de grande vulto ou nos regimes de contratação integrada/semi-integrada, é crucial para o reequilíbrio.
As orientações do TCU destacam que:
• A matriz de riscos define o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes.
• A alocação de riscos não pode ser arbitrária, mas deve ser fundamentada em razões técnicas e econômicas, alocando o risco à parte que está nas melhores condições de gerenciamento.
• Se um risco reforçado por uma das partes se materializar, a matriz deve prever as hipóteses de alteração para restabelecer o equilíbrio, caso o sinistro não seja apoiado pela parte afetada. O não cumprimento da matriz de riscos pode levar a pedidos irregulares de reequilíbrio econômico-financeiro.
• Os riscos devem ser quantificados para o cálculo do valor estimado da contratação, sendo que o aumento do risco atribuído ao contratado pode elevar o preço das propostas.
Orientações da Consultoria-Geral da União (CGU)
A Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos da CGU, ao aprovar modelos de Termo de Referência, reforça a disciplina legal sobre as alterações contratuais. O modelo de Termo de Referência da CGU, por exemplo, ao tratar das obrigações do contratado, especifica que este deve arcar com o ônus de eventual equívoco no dimensionamento dos quantitativos de sua proposta, exceto quando ocorrer algum dos eventos arrolados no art. 124, II, d, da Lei nº 14.133/2021 (que trata justamente da revisão para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro por fatos imprevisíveis). Isso demonstra que o reequilíbrio da revisão deve ser considerado uma exceção à regra de que o contratado assume os riscos ordinários de sua proposta.
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Resumo Reflexivo: Responsabilidade e Transparência na Reavaliação de Valores
A gestão de contratos exige que os agentes públicos atuem como o campo da balança, equilibrando os interesses dos contratados com o interesse público. A reavaliação de valores é uma responsabilidade inerente à Administração e deve ser conduzida com rigor, técnica e transparência.
A Lei nº 14.133/2021 exige que a Administração justifique devidamente qualquer alteração, evitando que ela seja interpretada como fraude ou descumprimento dos princípios da legalidade, moralidade, eficiência e interesse público. O equilíbrio-financeiro não é um direito econômico absoluto do contratado, mas sim uma garantia de que o contrato não se torne inviável por eventos alheios à sua vontade e fora de sua alçada de risco.
A transparência, um princípio fundamental da nova legislação, exige que os processos de reavaliação de valores sejam documentados, motivados e acessíveis. A correta aplicação dos institutos de reajuste, repactuação e revisão, conforme a causa e a legalidade, é um dever do gestor para garantir a continuidade dos serviços públicos e a justa remuneração do particular, sem onerar indevidamente os cofres públicos.
A capacidade de lidar com a complexidade das alterações de valores, respeitando os ritos legais e as orientações dos órgãos de controle, é um marco da boa Governança das Contratações.
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Referências
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2021. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: 10 out. 2024.
ESCOLA DE SERVIÇO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO (ESESP). Gestão e Fiscalização Contratual na Lei nº 14.133/21. [Apostila]. 2024.
PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS (PNCP). Modelo de Termo de Referência Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021: Serviços com e sem Dedicação Exclusiva de Mão de Obra, Obras e Serviços de Engenharia, Exceto TIC. [Sl]: Câmara Nacional de Modelos de Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União, .
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. [Manual]. Brasília, DF: TCU, .
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ALMEIDA, Carlos Wellington Leite de. Fiscalização contratual na Lei nº 14.133/2021: governança e resultado na execução de contratos administrativos. Revista do TCU , Brasília, DF, n. 147, pág. 12-19, janeiro-jun. 2021.


