Aplicação de sanções: advertência, multa, suspensão, impedimento, declaração de idoneidade - Parte 1

Aplicação de Sanções: Advertência

A gestão eficiente e a fiscalização rigorosa dos contratos administrativos, conforme preconiza a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos - NLLCA), são pilares essenciais para a concretização dos objetivos das compras públicas e a salvaguarda do interesse público. Nesse contexto, o regime sancionatório desempenha um papel crucial, atuando como mecanismo preventivo, educativo e repressivo contra condutas infracionais. Dentre as penalidades cabíveis, a Advertência configura a sanção de menor gravidade e de natureza primordialmente pedagógica.

1. Conceito e Fundamento Legal da Advertência Administrativa

O conceito de advertência administrativa encontra respaldo no Art. 156, inciso I, da Lei nº 14.133/2021.

A advertência é formalmente estabelecida como uma das sanções aplicáveis ao responsável por infrações administrativas. Trata-se da sanção mais branda (de menor gravidade) e possui um caráter mais educativo, destinada a produzir um efeito pedagógico junto ao sancionado, visando a melhoria da qualidade na prestação dos serviços.

2. Âmbito de Aplicação da Advertência (Natureza Pedagógica e Preventiva)

A aplicação da sanção de advertência possui um campo de incidência específico, conforme definido pelo Art. 156, § 2º da NLLCA.

A advertência será aplicada exclusivamente para a infração administrativa prevista no Art. 155, inciso I, da Lei nº 14.133/2021, que é "dar causa à inexecução parcial do contrato", desde que essa inexecução não justifique a imposição de uma penalidade mais grave.

A sanção de advertência:

1. Visa a Inexecução Parcial: Aplica-se em casos de falhas ou desconformidades leves na execução contratual que não configuram grave dano à Administração ou ao funcionamento dos serviços públicos.

2. Possui Natureza Preventiva/Educativa: Ao ser a mais branda das penas, ela objetiva corrigir a conduta do contratado de forma imediata, antes que a falha escale para um problema mais sério (inexecução grave ou total).

3. Vigência Limitada: É importante ressaltar que a advertência somente tem cabimento durante a vigência do contrato.

4. Cumulação: Pode ser aplicada isolada ou cumulativamente com a multa (Art. 156, II), mas é vedada a sua cumulação com as sanções restritivas de impedimento de licitar e contratar ou declaração de inidoneidade.

3. Critérios para Aplicação (Dosimetria da Pena)

Ainda que a advertência seja a penalidade mais leve, sua aplicação deve seguir critérios objetivos de dosimetria, garantindo a proporcionalidade e a razoabilidade da decisão.

Na aplicação de quaisquer sanções (incluindo a advertência), a Administração deve observar o disposto no Art. 156, § 1º, que exige a consideração dos seguintes fatores:

1. Natureza e Gravidade da Infração Cometida: A sanção deve ser compatível com a falha constatada. A advertência é reservada para a inexecução parcial, quando não for grave o suficiente para justificar penalidade maior.

2. Peculiaridades do Caso Concreto: O contexto em que a falha ocorreu deve ser analisado.

3. Circunstâncias Agravantes ou Atenuantes:

    ◦ Atenuantes: Podem incluir a falha escusável, a apresentação de documentação com vícios/omissões não intencionais, ou a adoção de medidas imediatas para mitigar os efeitos danosos da conduta.

    ◦ Agravantes: Embora a advertência seja a sanção mais leve, a existência de registros anteriores (reincidência) ou a inércia deliberada do contratado em sanar a falha podem justificar a imposição de uma penalidade mais grave do que a advertência (como a multa ou o impedimento de licitar).

4. Danos que dela proverem para a Administração Pública: Deve-se avaliar o impacto real da inexecução parcial. A advertência é adequada quando não houver grave dano ao órgão.

5. Implantação ou Aperfeiçoamento de Programa de Integridade: A existência de um programa de compliance na empresa pode ser um fator atenuante na dosimetria.

4. Processo Administrativo para Aplicação da Sanção e Ampla Defesa

O processo administrativo sancionatório é obrigatório para a aplicação de qualquer penalidade, incluindo a advertência. O Art. 2º da Lei nº 9.784/1999 estabelece que a Administração Pública deve obedecer, dentre outros, aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Processo Sancionatório (Advertência e Multa):

1. Instauração: O processo deve ser iniciado mediante comunicação do gestor ou fiscal do contrato à autoridade competente ou ao setor responsável, relatando a ocorrência da infração. O gestor ou fiscal, ao constatar a infração, tem a obrigação de agir para instaurar o procedimento.

2. Intimação e Defesa: Configurada a hipótese de aplicação da advertência ou multa, o responsável será intimado para a apresentação de defesa no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de sua intimação.

3. Autoridade Competente: No caso da advertência ou multa, a decisão cabe à autoridade designada internamente (e não requer a instauração de um processo de responsabilização conduzido por comissão especial como ocorre para o impedimento e a declaração de inidoneidade).

4. Recurso: Da aplicação da sanção de advertência caberá recurso no prazo de 15 (quinze) dias úteis. O recurso deve ser dirigido à autoridade que proferiu a decisão, que, se não reconsiderar em 5 dias úteis, o encaminhará à autoridade superior para decisão em, no máximo, 20 dias úteis. O recurso tem efeito suspensivo.

5. Boas Práticas Recomendadas pelo TCU e CGU

A boa aplicação do regime sancionatório depende de uma adequada governança e de práticas preventivas, conforme orientações dos órgãos de controle.

Ações Preventivas e de Governança (TCU e Gestão Contratual):

Capacitação dos Agentes: É uma diretriz fundamental para reduzir o risco de impropriedades. A autoridade competente deve providenciar a qualificação prévia do servidor para o desempenho das atribuições ou designar outro servidor com a qualificação requerida, caso haja deficiência ou limitações técnicas.

Segregação de Funções: Deve-se evitar a designação do mesmo agente público para atuar em funções suscetíveis a riscos, como pregoeiro e fiscal do contrato, ou acumular em excesso as atividades de gestão e fiscalização, o que favorece o controle e a segurança.

Modelo de Dosimetria e Transparência (CGU): A Portaria SEGES/ME nº 8.678/2021 estabelece a competência do órgão para modelar o processo sancionatório, definindo critérios objetivos e isonômicos para a determinação da dosimetria das penas, com base no Art. 156, § 1º. A Controladoria-Geral da União (CGU) sugere a utilização de um Escalonamento das Circunstâncias Agravantes e Atenuantes para auxiliar nessa dosimetria.

Clareza Procedimental: Para garantir a ampla defesa, é fundamental regulamentar a forma como o fornecedor será notificado dos atos do processo sancionatório (seja por e-mail, sistema ou AR) e como ele terá acesso aos autos do processo (vistas), para evitar a anulação do procedimento por cerceamento de defesa.

Acompanhamento Continuado: As atividades de fiscalização e gestão contratual devem ser realizadas de forma preventiva, rotineira e sistemática. O gestor e o fiscal devem registrar formalmente e cronologicamente todos os eventos (Registro de Ocorrências), que servirão de base para a decisão de aplicar (ou não) a sanção.

Conclusão Reflexiva: Proporcionalidade e Transparência

O regime sancionatório estabelecido pela Lei nº 14.133/2021, em especial o tratamento dado à advertência, reflete a busca por uma administração pública mais diligente e justa.

A essência da advertência, sendo a sanção de menor rigor, está intimamente ligada ao princípio da proporcionalidade. Sua aplicação restrita à inexecução parcial e não grave demonstra que o legislador buscou um escalonamento de penas que penalize de forma justa o infrator, sem causar um dano desproporcional à sua atividade, mantendo o foco na correção da conduta. A dosimetria da pena exige que o gestor avalie cuidadosamente a natureza, a gravidade e as circunstâncias (agravantes ou atenuantes) do caso concreto.

Além disso, a transparência é um elemento indispensável. Embora a advertência seja a sanção mais leve, sua aplicação deve ser registrada. A Administração tem o dever de informar e manter atualizados os dados relativos às sanções aplicadas nos cadastros restritivos, como o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep), no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis. Essa publicidade é vital, pois o processo sancionatório, como um todo, constitui um mecanismo de seleção de fornecedores, informando outros entes públicos sobre a conduta das empresas.

Dessa forma, a correta aplicação da sanção de advertência, pautada na motivação, na dosimetria clara e na garantia da ampla defesa, fortalece a governança das contratações e contribui para um ambiente de negócios mais íntegro e eficiente.

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REFERÊNCIAS (ABNT)

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Diário Oficial da União, Brasília, 2021.

CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Manual de Sanções Administrativas em Licitações e Contratos. Brasília: CGU, 2023.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Boas Práticas em Gestão Contratual. Brasília: TCU, 2022.