Aplicação de sanções: advertência, multa, suspensão, impedimento, declaração de idoneidade - Parte 4

APLICAÇÃO DE SANÇÕES: IMPEDIMENTO

Introdução à Dosimetria Sancionatória na Nova Lei de Licitações

A Lei Federal nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) representa um avanço em relação à legislação anterior, estabelecendo diretrizes e regras para a Administração Pública nos processos de contratação. No campo sancionatório, a lei busca um redesenho do regime jurídico, onde a aplicação das penalidades não deve ter caráter meramente punitivo, mas sim pedagógico, contribuindo para a melhoria da gestão pública e a observância das normas. A dosimetria, que é o processo de avaliar a gravidade de uma infração e definir a intensidade da penalidade, deve ser vista como um instrumento de equilíbrio e justiça administrativa, garantindo que a punição seja proporcional ao ato cometido.

1. Definição da Penalidade de Impedimento de Licitar e Contratar

A penalidade de Impedimento de licitar e contratar com a Administração Pública está prevista no Título IV, Capítulo I da Lei nº 14.133/2021, como uma das sanções aplicáveis ao licitante ou contratado, conforme o inciso III do Art. 156.

O impedimento de licitar e contratar é uma das modalidades de sanção administrativa mais severas do que a Advertência e a Multa. Sua aplicação impede o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção. A Nova Lei de Licitações é clara ao referir que esta sanção se aplica no âmbito do ente federativo.

As sanções não são vinculadas a fatos determinados, cabendo à Comissão de Sanções Administrativas relacionar a conduta infratora com a sanção adequada, sempre assegurando o contraditório e a ampla defesa.

2. Hipóteses e Limites Temporais da Penalidade

A sanção de impedimento de licitar e contratar será aplicada ao responsável pelas seguintes infrações administrativas, previstas no Art. 155 da Lei nº 14.133/2021, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave:

• Dar causa à inexecução parcial do contrato que cause grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo (inciso II).

• Dar causa à inexecução total do contrato (inciso III).

• Deixar de entregar a documentação exigida para o certame (inciso IV).

• Não manter a proposta, salvo em decorrência de fato superveniente devidamente justificado (inciso V).

• Não celebrar o contrato ou não entregar a documentação exigida para a contratação, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta (inciso VI).

• Ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado (inciso VII).

O limite temporal para a sanção de impedimento de licitar e contratar é o prazo máximo de 3 (três) anos.

3. Diferenças entre Impedimento e Suspensão (e Inidoneidade)

A Lei nº 14.133/2021 substitui o rol de sanções da lei anterior. No novo regime, as sanções de maior impacto são o impedimento de licitar e contratar (Art. 156, III) e a declaração de inidoneidade para licitar ou contratar (Art. 156, IV).

Embora a lei anterior (Lei nº 8.666/1993) previsse a sanção de suspensão temporária, o novo regime traz uma distinção essencial baseada na abrangência territorial e no prazo da penalidade:

Sanção (Lei nº 14.133/2021)

Abrangência

Limite Temporal

Infração (Art. 155, L. 14.133/21)

Impedimento de Licitar e Contratar (Art. 156, III)

Local: Direta e indireta do ente federativo que aplicou a sanção.

Máximo de 3 (três) anos.

Infrações de menor potencial ofensivo (incisos II a VII), quando não justificar pena mais grave.

Declaração de Inidoneidade (Art. 156, IV)

Geral: Direta e indireta de todos os entes federativos.

Mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.

Infrações graves (incisos VIII a XII), e também II a VII se justificar pena mais grave.

 

A principal diferença é que o impedimento restringe a atuação do sancionado apenas no âmbito da esfera de governo (municipal, estadual ou federal) que o puniu, enquanto a declaração de inidoneidade impede o licitante ou contratado de participar em todo o país.

4. Processo Administrativo e o Direito à Ampla Defesa

A aplicação das sanções mais graves, como o impedimento de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade, exige a instauração de um processo de responsabilização.

Condução do Processo: O processo deve ser conduzido por uma comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis (ou empregados públicos permanentes). Essa comissão tem o papel de avaliar fatos e circunstâncias e conduzir os trabalhos com independência e imparcialidade, zelando pelo sigilo das informações e cumprindo os preceitos da moralidade administrativa.

Devido Processo Legal e Ampla Defesa: O processo administrativo sancionador deve observar rigorosamente os princípios constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.

O devido processo legal garante a todos o direito a um processo com todas as etapas previstas em lei e associado à ideia de um processo justo. O contraditório e a ampla defesa são as bases desse processo, assegurando ao interessado o amplo acesso a todas as informações dos autos para se defender, manifestar seu ponto de vista e produzir provas.

Fase de Defesa: O licitante ou contratado será intimado ou notificado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretende produzir. É crucial que a comissão tenha atenção ao negar a produção de uma prova, pois a violação destes princípios pode gerar a anulação total do processo.

Princípio da Insignificância: A Comissão de Sanções Administrativas deve observar o princípio da insignificância. Se forem constatadas apenas simples impropriedades formais, vícios que não impliquem em má-fé nem sejam substanciais, ou seja, que tenham lesividade insignificante e não causem prejuízo à Administração Pública, a conduta vinculada é a de saneá-las e adotar medidas orientativas para que não se repitam, privilegiando o aperfeiçoamento dos controles preventivos e a capacitação dos agentes. A mera impropriedade formal não deve, sob pena de ilegalidade, resultar na instauração de um processo punitivo ou na aplicação de sanção administrativa.

5. Boas Práticas: Registro no PNCP e Controle de Reincidência

Para garantir a efetividade das sanções e a segurança jurídica nas contratações futuras, é indispensável a publicidade e o controle dos atos punitivos:

Registro no PNCP e outros Cadastros: A Lei nº 14.133/2021 estabeleceu a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), um sistema centralizado para a divulgação dos atos. Os órgãos e entidades de todos os entes federativos devem informar e manter atualizados os dados relativos às sanções por eles aplicadas em cadastros públicos. O prazo máximo para informar a aplicação da sanção é de 15 (quinze) dias úteis. Esta prática é crucial para a proteção ao erário e para que a Administração possa consultar o histórico de atuação das empresas.

    ◦ Além do PNCP, é obrigatório o registro no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que reúnem as sanções que implicaram restrição de participar de licitações ou celebrar contratos.

• Controle de Reincidência e Dosimetria: A aplicação de sanções deve considerar a natureza e a gravidade da infração, as peculiaridades do caso concreto, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, e os danos causados à Administração. A reincidência pode ensejar a aplicação de uma pena mais severa, buscando o caráter repressivo da sanção, especialmente se a penalidade mais branda não cumpriu sua finalidade preventiva.

    ◦ Um fator importante na dosimetria é a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade (compliance). A existência ou melhoria de um programa de integridade deve ser considerada na aplicação das sanções, conforme as orientações dos órgãos de controle.

    ◦ No âmbito da reabilitação (admitida após o cumprimento da pena), a sanção por fraude ou ato lesivo (incisos VIII e XII do Art. 155) exigirá, cumulativamente, como condição, a implantação ou aperfeiçoamento do programa de integridade pelo responsável.

6. Transparência e Integridade Pública

A Nova Lei de Licitações busca modernizar e aprimorar os procedimentos, tornando-os mais eficientes, transparentes e alinhados com os princípios da boa gestão. Princípios como a transparência e a probidade administrativa são mandatórios.

A governança das contratações, responsabilidade da alta administração, deve implementar processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos para promover um ambiente íntegro e confiável. A exigência de programas de integridade pelo contratado, especialmente em objetos de grande vulto, e o registro dos atos sancionatórios em sistemas como o PNCP, CEIS e CNEP, reforçam o compromisso com a publicidade. O objetivo final é a proteção do erário e do interesse público.

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REFERÊNCIAS

ARAUJO, Aldem Johnston Barbosa. O redesenho do Direito Administrativo sancionador na nova lei geral de licitações e contratos parte 2 de 3: o princípio da insignificância. Migalhas, 20 set. 2021.

BRASIL. Lei n. 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/l14133.htm. Acesso em: [Data da consulta: 13/06/25].

 ESTADO DE MATO GROSSO. PREFEITURA MUNICIPAL DE CLÁUDIA. Manual de Procedimentos Administrativos de Apuração de Infrações Administrativas Cometidas por Licitantes e Contratados na Vigência da Lei 14.133/21. Decreto nº 1.061, de 11 de outubro de 2024.

GOVERNO DA BAHIA. Dosimetria das sanções administrativas à luz da nova Lei de Licitações e Contratos é tema da 16ª edição do projeto Rede de Diálogos com a PGE-BA. 19 ago. 2025.

GOVERNO FEDERAL. MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS. Manual Operacional de Gestão e Fiscalização Contratual. Versão 1.0 – Jun/25.

JABOATÃO DOS GUARARAPES (Município). Guia de Orientação Gestores e Fiscais de Contrato. 2023.