Aplicação de sanções: advertência, multa, suspensão, impedimento, declaração de idoneidade - Parte 5

APLICAÇÃO DE SANÇÕES: DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE
Bem-vindos à aula sobre a Declaração de Inidoneidade para licitar ou contratar, a sanção mais severa prevista na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (NLLC), Lei nº 14.133/2021, crucial para a integridade das contratações públicas.
1. Conceito e Base Legal
A Declaração de Inidoneidade para licitar ou contratar é uma das quatro sanções administrativas aplicáveis aos licitantes ou contratados que cometem infrações. A base legal para sua imposição está prevista no Art. 156, inciso IV, da Lei nº 14.133/2021. Esta penalidade é aplicada como consequência de um fato típico administrativo que viola uma norma legal, editalícia ou contratual.
A Declaração de Inidoneidade destina-se às infrações administrativas consideradas mais graves. As condutas que podem levar a esta sanção incluem:
1. Apresentar declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou prestar declaração falsa durante a licitação ou a execução do contrato (Art. 155, VIII).
2. Fraudar a licitação ou praticar ato fraudulento na execução do contrato (Art. 155, IX).
3. Comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude de qualquer natureza (Art. 155, X).
4. Praticar atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação (Art. 155, XI).
5. Praticar ato lesivo previsto no Art. 5º da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) (Art. 155, XII).
Na dosimetria das penalidades, a Lei nº 14.133/2021 estabelece critérios objetivos que devem ser considerados, como a natureza e a gravidade da infração, as peculiaridades do caso concreto, as circunstâncias agravantes ou atenuantes, e os danos causados à Administração Pública. Um ponto importante a ser observado, conforme estabelecido no Art. 156, §1º, V, é a implantação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade (compliance), que pode atuar como um fator atenuante na definição da sanção.
2. A Sanção Mais Grave e seu Alcance
A Declaração de Inidoneidade é considerada a sanção mais grave no regime da NLLC. Sua principal característica é a ampla restrição que impõe ao infrator: ela impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos.
O princípio da proporcionalidade exige que sanções mais severas, como a declaração de inidoneidade, sejam reservadas exclusivamente para infrações que causem um impacto significativo ao interesse público ou ao erário. O impacto desta penalidade é severo, podendo, em muitos casos, levar ao colapso financeiro da organização e paralisação total da capacidade de operar no mercado público.
3. Órgão Competente para Aplicação
A Lei nº 14.133/2021 prevê que o processo de responsabilização para a Declaração de Inidoneidade é conduzido por uma comissão, mas a decisão final cabe à autoridade competente. Embora os excertos não usem o termo exato "autoridade máxima do ente" para a aplicação da sanção, a menção de que a autoridade deve ser auxiliada pelo órgão de assessoramento jurídico para dirimir dúvidas e que ela deve proferir a decisão implica que o poder decisório reside no mais alto escalão administrativo responsável pela contratação, tal como a autoridade máxima do órgão é responsável por justificar a extinção do contrato por razões de interesse público.
4. Processo Administrativo e Direito de Defesa
A aplicação da sanção de Declaração de Inidoneidade requer a instauração de um processo de responsabilização formal. Esse processo deve ser conduzido por uma comissão composta de dois ou mais servidores estáveis.
O processo deve garantir o direito ao contraditório e à ampla defesa, que são garantias fundamentais. A ampla defesa permite ao administrado utilizar todos os meios e recursos permitidos para contestar as acusações.
O procedimento deve incluir a intimação do licitante ou contratado para apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretende produzir no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação. Se houver deferimento de pedido de produção de novas provas, o licitante pode apresentar alegações finais no prazo de 15 dias úteis, contado da intimação. Provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias, protelatórias ou intempestivas podem ser indeferidas pela comissão, mediante decisão fundamentada.
Da aplicação da sanção de Declaração de Inidoneidade, cabe apenas pedido de reconsideração, que deve ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias úteis a partir da intimação, sendo decidido no prazo máximo de 20 (vinte) dias úteis após o recebimento. Tanto o recurso quanto o pedido de reconsideração possuem efeito suspensivo do ato até a decisão final da autoridade competente.
5. Efeitos Jurídicos, Prazos e Reabilitação
Prazos e Duração da Sanção
A Lei nº 14.133/2021 estabeleceu um prazo de duração para a Declaração de Inidoneidade, o que confere maior previsibilidade e controle sobre o período de impedimento. A duração da sanção é de prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.
O órgão ou entidade que aplicar a sanção deve informar e manter atualizados os dados relativos à penalidade no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) no prazo máximo de 15 (quinze) dias úteis.
Reabilitação do Sancionado
A reabilitação do licitante ou contratado é admitida perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Essa readmissão às contratações públicas está condicionada ao cumprimento cumulativo de exigências:
1. Reparação integral do dano causado à Administração Pública.
2. Pagamento da multa imposta.
3. Transcurso do prazo mínimo de 3 (três) anos da aplicação da penalidade.
4. Cumprimento das condições de reabilitação definidas no ato punitivo.
5. Análise jurídica prévia, com posicionamento conclusivo sobre o cumprimento dos requisitos.
Especificamente para as sanções impostas por apresentação de declaração ou documento falso (Art. 155, VIII) ou por ato lesivo da Lei Anticorrupção (Art. 155, XII), é exigida, como condição adicional para a reabilitação, a implementação ou o aperfeiçoamento de um programa de integridade (compliance) pelo responsável. Essa exigência reforça o papel do compliance como mecanismo de recuperação e prevenção.
A pretensão de aplicação de sanções administrativas (prescrição) ocorre em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela Administração.
6. Casos Emblemáticos e Entendimentos do TCU e CGU
A Lei nº 14.133/2021 avançou ao promover maior clareza e objetividade na aplicação das sanções, complementada pelas diretrizes da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
O TCU tem atuado fortemente para orientar a aplicação da nova lei, inclusive disponibilizando um Manual de Licitações e Contratos atualizado com jurisprudência e orientações do Tribunal. O Tribunal inova ao mostrar aos gestores "como fazer", e não apenas o que é proibido.
A CGU, por meio da Portaria CGU nº 1.214/2020, estabelece parâmetros cruciais para a avaliação dos programas de integridade (compliance) em processos de responsabilização. O programa de compliance é vital para que a empresa possa se beneficiar da atenuação da pena, desde que seja robusto e eficaz, demonstrando comprometimento da alta direção, treinamento, canais de denúncia, monitoramento contínuo, e aplicação de sanções internas. O compliance funciona como um fator atenuante, incentivando a prevenção de infrações.
A nova lei, ao considerar os programas de integridade como atenuantes, alinha o Brasil às práticas globais de governança corporativa e promove uma cultura de prevenção. No caso das sanções por fraude ou falsidade, a implementação de um programa de integridade é uma exigência para a reabilitação.
7. Conclusão: Ética, Probidade e Reputação Institucional
A aplicação de sanções, especialmente a Declaração de Inidoneidade, cumpre uma dupla finalidade: repressiva e educativa. Seu objetivo é garantir a conformidade legal, proteger os recursos públicos, e reforçar a mensagem de que condutas ilícitas não são toleradas pela Administração.
A Lei nº 14.133/2021 busca um equilíbrio delicado: punir rigorosamente as condutas ímprobas sem comprometer a saúde do mercado e a continuidade das empresas. Para os gestores, a observância dos princípios da probidade administrativa, que exige ética, honestidade e responsabilidade, é fundamental em todo o processo sancionatório. A probidade impõe agir com integridade, evitando o uso indevido de recursos públicos e a corrupção.
A Declaração de Inidoneidade atinge o bem mais valioso da empresa que contrata com o poder público: sua reputação institucional. No entanto, a possibilidade de reabilitação com a exigência de um programa de integridade demonstra o incentivo da lei para que as empresas invistam em governança e cultura ética, buscando restaurar sua credibilidade e retornar ao mercado de contratações públicas após cumpridas as exigências legais.
REFERÊNCIAS
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