Designação e atribuições do gestor de contrato e do fiscal de contrato - Parte 2
Designação e Atribuições do Fiscal de Contrato
A execução contratual é o ponto nevrálgico de toda a contratação pública, sendo a fase onde os objetivos almejados pela Administração se materializam. A vigilância permanente da execução é um dever imposto à Administração, calcado em princípios constitucionais como o republicano, a moralidade e a legalidade, visando coibir danos ao erário. Para cumprir esse dever, a Lei nº 14.133/2021 (NLLC) instituiu formalmente as figuras do Gestor e do Fiscal de Contrato, agentes públicos centrais para a governança e integridade.
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1. Conceito e Função do Fiscal de Contrato (Lei nº 14.133/2021)
O Fiscal de Contrato é o servidor público designado como representante da Administração com a finalidade precípua de acompanhar e fiscalizar a execução do contrato. A sua função é garantir que o contratado cumpra todas as cláusulas e obrigações contratuais, assegurando a plena execução do objeto contratado.
O dever de fiscalização para todos os contratos (bens, serviços e obras) está previsto no Art. 117 da Lei nº 14.133/2021. Essa atividade proporciona clareza, correção e bom andamento das demandas do órgão para a consecução de suas políticas públicas. A fiscalização reside na salvaguarda dos direitos das partes e no atingimento do interesse público.
As principais atividades do fiscal, conforme o Art. 117, § 1º, da NLLC, são:
1. Anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato.
2. Determinar o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.
Adicionalmente, o fiscal deve informar a seus superiores, em tempo hábil, a situação que demandar decisão ou providência que ultrapasse sua competência. O fiscal também pode ser auxiliado pelos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, que deverão dirimir dúvidas e subsidiá-lo com informações relevantes para prevenir riscos na execução contratual.
2. Processo de Designação Formal
A designação do fiscal de contrato é um ato formal da Administração Pública. A Autoridade Competente (autoridade máxima do órgão ou entidade, ou quem as normas internas indicarem) deve designar o gestor e um ou mais fiscais (e seus respectivos substitutos) para cada contrato.
Essa designação deve ser realizada preferencialmente por meio de portaria publicada, sendo fundamental que o servidor seja formalmente cientificado da indicação e de suas atribuições antes da formalização do ato de designação. O detalhamento das principais atribuições, prazos e procedimentos de acompanhamento deve acompanhar o ato de designação.
Requisitos para a Designação (Art. 7º da Lei nº 14.133/2021):
O agente público designado para a função de fiscal deve preencher, preferencialmente, os seguintes requisitos:
1. Ser, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes.
2. Ter atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo. A eventual necessidade de desenvolvimento de competências para fins de fiscalização deve ser sanada previamente à celebração do contrato, conforme o disposto no § 3º do Art. 8º do Decreto nº 11.246/2022.
3. Não ser cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração, nem ter com eles vínculo de parentesco (colateral ou por afinidade, até o terceiro grau) ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.
O encargo de fiscal de contratos não pode ser recusado pelo agente público, por não se tratar de ordem ilegal. Contudo, se houver deficiência ou limitações técnicas que possam impedir o cumprimento diligente das atribuições, o agente público deverá comunicar o fato ao superior hierárquico, cabendo à autoridade competente providenciar a qualificação ou designar outro servidor.
Segregação de Funções:
A Administração deve observar o Princípio da Segregação de Funções na designação. É vedado designar o mesmo agente público para funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização.
Considera-se incompatível, por exemplo, a designação do mesmo agente público para as funções de:
• Agente de contratação, equipe de apoio ou comissão de contratação e, na mesma contratação, gestão e fiscalização de contrato.
• Elaboração do estudo técnico preliminar (ETP), termo de referência (TR), anteprojeto, projeto básico ou executivo, pesquisa de preços, e, na mesma contratação, gestão e fiscalização de contrato.
A vedação de concentrar funções em uma mesma pessoa visa reduzir a possibilidade de ocultação de erros e a ocorrência de fraudes.
3. Responsabilidades Técnicas, Administrativas e Financeiras do Fiscal
A atividade do Fiscal de Contrato requer um perfil mais técnico, com conhecimento sobre o objeto contratual e as peculiaridades de sua execução, atuando no acompanhamento direto.
3.1. Responsabilidades Técnicas (Fiscalização Técnica)
A fiscalização técnica envolve a avaliação da execução do objeto nos moldes contratados, aferindo a quantidade, qualidade, tempo e modo da prestação dos serviços e bens. As principais atribuições técnicas do fiscal incluem:
• Acompanhar o cronograma de execução do contrato, monitorando os prazos e condições de entrega.
• Verificar se os produtos, serviços ou obras entregues estão conforme os requisitos estabelecidos no contrato, realizando inspeções e testes necessários.
• Aprovar a medição dos serviços efetivamente realizados.
• Receber provisoriamente aquisições, obras ou serviços sob sua responsabilidade.
• Manifestar-se sobre o cumprimento das exigências de caráter técnico das obras e serviços e a conformidade do material recebido, para subsidiar o gestor no recebimento definitivo.
• Determinar a reparação, correção, remoção, reconstrução ou substituição (às expensas do contratado) no total ou em parte do objeto em que se verificarem vícios, defeitos ou incorreções.
• Em obras e serviços de engenharia, zelar pelo preenchimento e atualização do Diário de Obra pela contratada.
3.2. Responsabilidades Administrativas e Documentais
O fiscal tem um papel crucial na documentação e comunicação, que apoia a gestão geral do contrato:
• Anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução do contrato, apontando o que for necessário para a regularização.
• Informar ao gestor, em tempo hábil, a situação que demande decisão ou providência que ultrapasse sua competência.
• Comunicar formalmente o contratado em caso de descumprimento de cláusulas contratuais, para que tome as providências cabíveis.
• Receber e examinar as críticas, sugestões e reclamações dos usuários (servidores e/ou cidadãos).
3.3. Apoio Financeiro
Embora a gestão financeira e o controle de pagamentos sejam responsabilidades primárias do Gestor, o Fiscal atua no suporte financeiro diretamente relacionado à execução:
• Examinar e conferir notas fiscais, faturas ou documentos equivalentes, e formalizar o recebimento provisório do produto ou serviço.
• Apurar a importância a ser paga para extinguir a obrigação, por meio da aprovação das medições e atesto de conformidade.
4. Diferenciação e Interação entre Fiscal e Gestor de Contrato
A Lei nº 14.133/2021 estabelece a clara distinção entre as funções de Gestor e Fiscal, sendo a atuação de ambos complementar.
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Aspecto |
Fiscal de Contrato |
Gestor de Contrato |
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Foco da Atuação |
Técnico e Operacional; monitoramento in loco e acompanhamento da execução do objeto. |
Administrativo e Estratégico; visão abrangente e coordenação geral do contrato. |
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Recebimento |
Provisório (simples conferência e inspeção visual da conformidade). |
Definitivo (avaliação final, controle de garantias e autorização para liquidação/pagamento). |
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Comunicação |
Interage diretamente com o preposto da contratada no campo. Informa ao Gestor sobre ocorrências que exigem providências maiores. |
Coordena o trabalho dos fiscais. É o principal responsável pela comunicação formal com a contratada sobre solicitações e reclamações. |
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Aspectos Financeiros |
Aprova a medição e apura a importância a ser paga (suporte técnico). |
Confere a importância a ser paga, mantém controle atualizado dos saldos de empenhos e pagamentos efetuados, zela pelo equilíbrio econômico-financeiro. |
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Sanções/Alterações |
Registra as ocorrências de descumprimento e comunica o Gestor. |
Subsidia o ordenador de despesas na aplicação de penalidades, e providencia a formalização de aditivos, prorrogações, reajustes ou rescisões contratuais. |
Interação e Limites de Atuação:
A atuação do fiscal é de campo e de registro, devendo reportar ao gestor sempre que a situação transcender sua competência, buscando a adoção das medidas convenientes. O gestor, por sua vez, orienta os fiscais no desempenho de suas atribuições e utiliza os relatórios do fiscal para subsidiar a tomada de decisão da Autoridade Competente.
5. Boas Práticas de Fiscalização Contratual
A fiscalização da execução contratual deve ser realizada de forma preventiva, rotineira e sistemática. A negligência nas atividades de fiscalização pode levar à responsabilização administrativa, civil e penal do servidor.
a) Registro Documental e de Ocorrências:
É imprescindível que o Fiscal anote em registro próprio todas as ocorrências. Todas as ocorrências, comunicações e demais documentos devem ser formalmente documentados no processo da contratação, sendo de fácil acesso também ao substituto.
• Organização: Deve-se organizar todos os documentos referentes à execução de forma estruturada, preferencialmente digital. Uma boa prática sugere a abertura de uma pasta para cada contrato, com subpastas para cada mês de acompanhamento, arquivando ali toda a documentação comprobatória.
• Documentos Essenciais: O fiscal deve ter pleno conhecimento dos documentos pré-contratuais, como o Termo de Referência (TR), a proposta da contratada, a planilha de custos, o cronograma físico-financeiro e a portaria de sua designação.
• Diário de Obra (Obras e Engenharia): Em contratos de obras e serviços de engenharia, é vital zelar para que a contratada mantenha o Diário de Obra com anotações diárias atualizadas sobre o andamento dos trabalhos, início e término de etapas, interrupções, e recebimento de material.
b) Comunicação com o Gestor e Relatórios de Acompanhamento:
A comunicação deve ser clara e tempestiva. O fiscal deve relatar ao gestor quaisquer indícios de irregularidade, necessidade de alteração ou situação que precise de decisão superior.
• Reunião Inicial: Recomenda-se uma reunião inicial entre a equipe de fiscalização e o preposto da empresa contratada para formalizar os mecanismos de trabalho, o plano de execução, e o cronograma. Os assuntos devem ser registrados em ata.
• Monitoramento da Qualidade (IMR): A fiscalização técnica deve monitorar constantemente o nível de qualidade dos serviços, utilizando o Instrumento de Medição de Resultado (IMR) ou instrumentos substitutos, quando previstos, para aferição de qualidade e tempestividade.
• Relatório de Recebimento Provisório: O fiscal técnico deve apurar o resultado das avaliações da execução do objeto e emitir um relatório detalhado de recebimento provisório, que subsidiará o gestor na análise de pagamento e no recebimento definitivo.
6. Orientações e Entendimentos do TCU e da CGU
O Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) têm papel fundamental na orientação da função fiscalizatória, enfatizando a governança e a prevenção de falhas.
• Governança e Controles Internos: Os Gestores e Fiscais de Contratos atuam na execução de controles internos de primeira linha nas contratações. A boa gestão e fiscalização é um importante instrumento para a governança das contratações. O TCU, em seu Manual de Licitações e Contratos, foca em pontos essenciais como planejamento estratégico, gestão de riscos e estudo de necessidade.
• Capacitação e Profissionalização: O TCU e a doutrina destacam que a profissionalização e a capacitação técnica dos agentes são condições essenciais para o cumprimento eficiente das funções, a prevenção de danos ao Erário e a efetividade das políticas públicas.
• Fiscalização de Riscos Trabalhistas: Em contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, a Administração (e, portanto, os fiscais) responde subsidiariamente pelos encargos trabalhistas se comprovada falha na fiscalização do cumprimento das obrigações do contratado. O fiscal deve verificar rigorosamente os documentos de quitação de salários, FGTS, INSS e demais obrigações trabalhistas, preferencialmente antes do pagamento da fatura.
• Aplicação de Sanções: A Lei nº 14.133/2021 estabelece critérios para a dosimetria das penalidades, considerando, entre outros fatores, a natureza e a gravidade da infração, os danos causados e a implantação ou aperfeiçoamento de programas de integridade. O fiscal, ao constatar a infração, tem a obrigação de agir para instaurar o procedimento visando à apuração dos fatos.
7. Conclusão
O Fiscal de Contrato, sob a égide da Lei nº 14.133/2021, transcende a função de mero burocrata, tornando-se um agente de governança essencial para o sucesso e a integridade da execução contratual. Sua atuação diligente e técnica, focada no acompanhamento fiel do objeto e no registro de ocorrências, assegura que o interesse público seja atendido.
Ao fiscalizar a execução, conferir a qualidade, zelar pelos prazos e garantir a conformidade legal e trabalhista, o fiscal minimiza riscos de inexecução, prejuízos ao erário e falhas estruturais, frequentemente apontadas pelos órgãos de controle. A capacitação contínua e a observância dos princípios de legalidade, transparência e segregação de funções, conforme orientam o TCU e a CGU, são pilares para que o fiscal possa exercer suas atribuições com excelência, protegendo tanto a Administração quanto a si próprio de responsabilidades futuras. Em última análise, o Fiscal de Contrato é a linha de frente que garante que o poder de compra do Estado se traduza em resultados eficazes para a sociedade.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Presidência da República, 2021.
ESCOLA DE SERVIÇO PÚBLICO DO ESPÍRITO SANTO (ESESP). Gestão e Fiscalização Contratual na Lei nº 14.133/21. 2024.
GRUPO JML. A Dosimetria das Penalidades em Contratos Administrativos: Análise à Luz da Lei nº 14.133/2021. Blog JML, 18 out. 2024.
MANUAL OPERACIONAL DE GESTÃO E FISCALIZAÇÃO CONTRATUAL. Versão 1.0 – JUN/25. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos – MGI.
PREFEITURA DO JABOATÃO DOS GUARARAPES. Guia de Orientação Gestores e Fiscais de Contrato. 2023.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. 2024.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). TCU disponibiliza nova versão do Manual de Licitações e Contratos. Portal TCU, 19 ago. 2024.
ZÊNITE. Gestores e fiscais de contratos administrativos e seu papel como instrumentos de governança pública. Blog da Zênite, 30 jun. 2025.



