Extinção dos contratos: encerramento, rescisão, anulação e suas implicações - Parte 2

EXTINÇÃO DOS CONTRATOS: RESCISÃO

Prezado(a) Aluno,

A extinção dos contratos administrativos marca o fim de uma relação jurídica, sendo crucial que a Administração Pública compreenda os mecanismos e os ritos legais para encerrar o vínculo de forma transparente e em conformidade com o interesse público. Embora a extinção natural ocorra com o cumprimento integral das obrigações ou o término do prazo de vigência, muitas vezes o contrato precisa ser encerrado prematuramente, o que a Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLL) disciplina como extinção. A rescisão, neste contexto, refere-se a uma das formas de extinção prematura do contrato, determinada por diversas causas legais.

1. Conceito e Base Legal da Extinção Contratual

A extinção contratual é o ato que põe fim ao vínculo estabelecido entre a Administração Pública (Contratante) e o particular (Contratado). As formas de extinção prematura do contrato, que ocorrem antes que seu objeto seja concluído ou antes do prazo previsto, estão descritas nos artigos 137 a 139 da Lei nº 14.133/2021.

O artigo 137 da NLL define que a extinção pode ocorrer por três vias principais:

1. Ato unilateral e escrito da Administração (exceto quando o descumprimento for decorrente da sua própria conduta).

2. Consensual, por acordo entre as partes, por conciliação, mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração.

3. Decisão arbitral (em decorrência de cláusula compromissória ou compromisso arbitral) ou por decisão judicial.

2. Diferenciação das Formas de Rescisão (Extinção)

A NLL estabelece claramente as três modalidades pelas quais um contrato pode ser encerrado prematuramente:

2.1. Extinção Unilateral (Rescisão Administrativa)

É a prerrogativa da Administração de determinar o fim do contrato por ato unilateral e escrito, sem necessidade de anuência do contratado. Essa modalidade é uma cláusula exorbitante reconhecida nas contratações públicas. No entanto, a Administração está impedida de utilizar o ato unilateral para rescindir o contrato quando o descumprimento decorrer de sua própria conduta. A extinção unilateral deve ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente e reduzida a termo no processo respectivo.

2.2. Extinção Consensual (Rescisão Amigável)

Ocorre por acordo entre as partes, ou através de meios alternativos de resolução de conflitos como a conciliação, a mediação ou comitê de resolução de disputas, sempre exigindo a comprovação do interesse da Administração. Assim como a unilateral, a extinção consensual deve ser precedida de autorização escrita e fundamentada da autoridade competente e formalizada no processo.

2.3. Extinção Judicial ou Arbitral

Ocorre quando o fim do contrato é determinado por decisão judicial ou por decisão arbitral (no caso de haver cláusula compromissória ou compromisso arbitral).

3. Motivos que Ensejam a Extinção Contratual

O artigo 137 da Lei nº 14.133/2021 elenca os motivos que podem levar à extinção do contrato. Esses motivos podem ser imputáveis ao contratado (inadimplemento), decorrentes de eventos externos (caso fortuito ou força maior), ou resultantes de razões da própria Administração (interesse público).

3.1. Inadimplemento Contratual ou Culpa do Contratado

Os motivos relacionados à conduta do contratado incluem:

• Não cumprimento ou cumprimento irregular de normas editalícias, cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos.

• Desatendimento às determinações regulares emitidas pela autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a execução ou por autoridade superior.

• Alteração social ou modificação da finalidade ou estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato.

• Decretação de falência ou de insolvência civil, dissolução da sociedade ou falecimento do contratado.

• Não cumprimento das obrigações relativas à reserva de cargos prevista em lei (para pessoa com deficiência ou aprendiz, por exemplo).

• Subcontratação não autorizada, que é motivo para extinção por descumprimento de cláusula contratual.

3.2. Fatos Não Imputáveis às Partes (Caso Fortuito/Força Maior)

O contrato pode ser extinto devido a caso fortuito ou força maior, desde que estejam regularmente comprovados e sejam impeditivos da execução contratual. Se a ocorrência desses fatos tornar impossível a execução contratual, o contrato será extinto.

3.3. Interesse Público ou Falha da Administração

A extinção pode ser motivada por:

• Razões de interesse público, desde que justificadas pela autoridade máxima do órgão ou da entidade contratante.

• Ausência de créditos orçamentários para a continuidade ou quando a Administração entender que o contrato não mais lhe oferece vantagem (aplicável a contratos de prestação contínua, com limites temporais específicos).

O Contratado terá o direito à extinção (rescisão) se a Administração incorrer em falhas graves, como: suspensão da execução por ordem da Administração por prazo superior a 3 meses; repetidas suspensões que totalizem 90 dias úteis; atraso no pagamento superior a 2 meses (contado da emissão da nota fiscal); ou não liberação de áreas para execução. Contudo, mesmo nestas situações que conferem o direito de extinção ao contratado, ele não está autorizado a encerrar o contrato unilateralmente, devendo solicitá-lo à Administração.

4. Processo Administrativo de Rescisão e Ampla Defesa

O procedimento de extinção deve ser formalmente motivado nos autos do processo e deve assegurar o contraditório e a ampla defesa ao contratado.

1. Instauração: O gestor do contrato é o responsável por avaliar as hipóteses de extinção e formalizá-las nos autos do procedimento, elaborando uma representação à autoridade competente com o relato dos motivos e o fundamento legal, juntamente com a minuta do termo de extinção.

2. Notificação e Defesa: Em casos de extinção por ato unilateral da Administração, o gestor do contrato deve intimar o contratado para que apresente sua defesa no prazo de 10 dias (contados do recebimento ou ciência da notificação). A notificação deve assegurar vista imediata dos autos e deve ser comprovada.

3. Parecer do Gestor: Recebida a defesa (ou transcorrido o prazo), o gestor de contrato relatará o processado, manifestando-se sobre as razões de defesa e emitindo opinião fundamentada pela rescisão ou não, encaminhando o processo à autoridade competente para a decisão.

4. Decisão da Autoridade Competente: A autoridade competente acatará a proposta do gestor ou indicará outra medida mais adequada.

5. Recurso: Fica resguardado o direito de recurso do contratado nas hipóteses de extinção unilateral, nos termos do Art. 165 da Lei Federal nº 14.133/2021. O recurso e o pedido de reconsideração terão efeito suspensivo do ato ou da decisão recorrida.

5. Efeitos Jurídicos e Financeiros da Rescisão

Os efeitos jurídicos e financeiros variam drasticamente conforme a parte culpada pela extinção.

5.1. Extinção por Culpa Exclusiva do Contratado (Administração Unilateral)

A extinção por ato unilateral da Administração pode acarretar:

• Assunção imediata do objeto do contrato no estado em que se encontrar.

• Ocupação e utilização do local, instalações, equipamentos, material e pessoal empregados.

• Execução da garantia contratual para: ressarcimento da Administração por prejuízos; pagamento de verbas trabalhistas, fundiárias e previdenciárias (quando cabível); pagamento das multas devidas; e exigência de assunção da execução pela seguradora (quando for o caso).

• Retenção dos créditos decorrentes do contrato até o limite dos prejuízos causados e das multas aplicadas.

• A aplicação de sanções, como a multa, não exclui a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública.

5.2. Extinção por Culpa Exclusiva da Administração

Quando a extinção decorrer de culpa exclusiva da Administração (como suspensão prolongada da execução ou atrasos no pagamento), o contratado será ressarcido pelos prejuízos regularmente comprovados e terá direito a:

• Devolução da garantia.

• Pagamentos devidos pela execução do contrato até a data da extinção.

• Pagamento do custo da desmobilização.

6. O Controle Externo (TCU e CGU) e as Irregularidades em Rescisões

A Lei nº 14.133/2021 introduziu dispositivos que buscam limitar e qualificar a atuação do controle externo, exercido primariamente pelos Tribunais de Contas (TCs/TCU). A nova lei adota um propósito de melhor delimitar os espaços de atuação, propiciando uma maior deferência dos TCs em relação às decisões dos administradores públicos.

O TCU e a Controladoria-Geral da União (CGU), como órgãos de controle, devem atuar com uma nova perspectiva, preconizada tanto pela NLL quanto pela Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB):

• Prioridade ao Saneamento (Ultima Ratio): O princípio geral é que a anulação (e, por extensão, a extinção por irregularidade grave) só deve ser reconhecida em última ratio. Os TCs (terceira linha de defesa) devem dar preferência à adoção de medidas de saneamento e de mitigação de riscos.

• Contextualização e Motivação: A NLL impõe aos órgãos de controle (TCs) que, na fiscalização, considerem as razões apresentadas pelos órgãos e entidades, além dos resultados obtidos com a contratação.

• Responsabilização: A responsabilização por falhas deve preservar um espaço para a atuação experimental e deve se limitar a situações de maior gravidade, exigindo-se erro grosseiro ou dolo para responsabilização.

Embora os documentos de origem não citem decisões específicas do TCU ou CGU sobre irregularidades em rescisões (Acórdãos ou relatórios nomeados), o tema central do controle na NLL é justamente corrigir os "descaminhos" e o "excesso de rigor" do controle externo que anteriormente geravam receio e responsabilidade indevida aos gestores. A nova lei impõe que, ao tomar decisões que possam levar à anulação ou extinção, o controlador deve indicar expressamente as consequências jurídicas e administrativas e, quando cabível, as condições para a regularização ocorrer de modo proporcional e equânime.

7. Recomendações Finais e Referências

Para garantir a segurança jurídica e a lisura do processo de extinção contratual, o Gestor deve observar as seguintes recomendações:

1. Motivação e Formalização: Todo procedimento de extinção deve ser formalmente motivado, com autorização escrita e fundamentada da autoridade competente, e reduzido a termo no respectivo processo.

2. Direito de Defesa: Em caso de extinção unilateral, a notificação deve ser clara, acompanhada dos documentos pertinentes e garantir o prazo legal para a defesa do contratado, em observância ao contraditório e à ampla defesa.

3. Publicidade e Registro: O extrato do termo de extinção deve ser publicado no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). O registro deve conter, no mínimo: o número do processo, o contratante e o contratado, o objeto, os motivos que justificaram a ação e o respectivo fundamento legal. Na inviabilidade técnica de publicação no PNCP, o extrato deve ser publicado no Diário Oficial do Estado.

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REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (Atricon). Resolução nº 08/2014: aprovas as diretrizes de controle externo Atricon 3206/2014 relacionadas à temática “Os Tribunais de Contas do Brasil e o controle do cumprimento do art. 5º da Lei 8.666/93”. Fortaleza: Atricon, 6 ago. 2014. Disponível em: https://www.atricon.org.br/normas/resolucao-atricon-no-082014-ordem-dos--pagamentos-publicos/. Acesso em: 2 jul. 2021.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Sanções nas licitações e contratações públicas: avanços e desafios. Portal L&C Licitação e Contrato. Publicado em 09/04/2025. Disponível em: www.licitacaoecontrato.com.br. Acesso em: dd/mm/aaaa.

PREFEITURA MUNICIPAL DE CLÁUDIA. Manual de procedimentos administrativos de apuração de infrações administrativas cometidas por licitantes e contratados na vigência da Lei 14.133/21. Decreto nº 1.061, de 11 de outubro de 2024.

RODRIGUES, Ricardo Schneider. A lei n.º 14.133/2021 e os novos limites do controle externo: a necessária deferência dos Tribunais de Contas em prol da Administração Pública. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 11, n. 3, p. 161-181, 2021.

SECRETARIA DE ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ESESP). Apostila Gestão e Fiscalização Contratual na Lei 14.133/21. 2024.