Extinção dos contratos: encerramento, rescisão, anulação e suas implicações - Parte 3

Extinção dos Contratos: Anulação (Nulidade)
Prezados Alunos,
Sejam bem-vindos a esta aula sobre Extinção dos Contratos por Anulação. No âmbito da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021), a extinção contratual é um tema crucial na fase de gestão, garantindo a legalidade e a conformidade dos atos da Administração Pública. A anulação, decorrente de vícios de legalidade, é uma das formas de extinção prematura de um contrato.
O objetivo desta aula é fornecer uma compreensão aprofundada sobre o conceito de anulação contratual, suas causas, efeitos, e as melhores práticas para que a Administração evite vícios que levem à invalidade dos seus ajustes.
1. Conceito de Anulação Contratual e Base Legal
A anulação, ou nulidade do contrato, é uma das formas de extinção prematura do contrato, juntamente com o ato unilateral da Administração (rescisão), o consenso entre as partes ou a decisão arbitral/judicial.
No contexto administrativo, a anulação ocorre quando há um vício de legalidade no contrato ou no procedimento licitatório que o antecedeu. Um contrato administrativo viciado por nulidade deve ser extinto, pois a Administração está vinculada ao Princípio da Legalidade.
Base Legal (Lei nº 14.133/2021):
Embora os excertos fornecidos não citem diretamente o Art. 141 da Lei nº 14.133/2021, o dispositivo legal que trata da nulidade do contrato está inserido no Capítulo X (Da Extinção dos Contratos) da referida lei, e é categorizada como uma das Causas para a extinção prematura do contrato.
2. Diferenciação entre Anulação e Rescisão
É fundamental distinguir anulação de rescisão, embora ambas resultem na extinção prematura do contrato.
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Característica |
Anulação (Nulidade) |
Rescisão (Ato Unilateral/Consensual/Judicial) |
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Causa Raiz |
Vício de legalidade ou irregularidade presente na fase de formação do contrato ou da licitação. |
Inadimplemento (culpa do contratado ou da Administração) ou outras razões supervenientes durante a execução do contrato. |
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Natureza do Vício |
Legalidade (ato ilegal ou nulo). |
Fática (descumprimento de cláusulas ou ocorrência de fatos que autorizam a quebra do vínculo). |
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Efeitos Típicos |
Ex tunc (em regra, retroage, desconstituindo os efeitos jurídicos desde o início). |
Ex nunc (em regra, não retroage, produzindo efeitos a partir da decisão de rescisão). |
A extinção prematura do contrato pode ocorrer por ato unilateral da Administração, que é uma forma de rescisão. Por outro lado, a nulidade do contrato é uma causa específica de extinção prematura.
Atenção aos efeitos ex nunc: É relevante notar que, mesmo em casos de aplicação de sanções graves ao contratado (como a declaração de inidoneidade) que possam ensejar a rescisão, a lei prevê que tais restrições podem não afetar contratos em andamento celebrados antes da penalidade (efeito ex nunc), comprometendo apenas futuros contratos ou renovações. Contudo, a ausência de efeito rescisório automático não impede que a Administração, no uso de seu poder discricionário, rescinda os contratos em andamento nos casos previstos em lei.
3. Causas que Levam à Anulação
A anulação de um contrato administrativo é geralmente motivada por vícios de legalidade (nulidade), que podem ocorrer tanto na fase interna (planejamento) quanto na fase externa (licitação).
Embora a anulação em si não seja uma sanção, ela é a consequência da constatação de que o procedimento ou o contrato nasceu viciado. As infrações administrativas praticadas por licitantes e contratados, previstas no Art. 155 da Lei nº 14.133/2021, muitas vezes revelam os vícios de legalidade que podem levar à anulação do contrato.
Causas de anulação relacionadas a vícios de legalidade ou irregularidades na licitação:
1. Apresentação de Declaração ou Documentação Falsa/Fraude na Licitação: O licitante que apresenta declaração ou documentação falsa exigida para o certame ou presta declaração falsa durante a licitação, ou ainda, frauda a licitação, comete infrações graves. Se o contrato decorrer de tal vício, ele é passível de anulação.
2. Prática de Atos Ilícitos: A prática de atos ilícitos com vistas a frustrar os objetivos da licitação, ou a prática de ato lesivo previsto no art. 5º da Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), são causas graves.
3. Vícios Processuais por Incompetência ou Falta de Due Process: A falta de capacidade técnica das comissões processantes ou a instrução de processos sancionatórios sem elementos mínimos necessários à validade (como garantia de contraditório e ampla defesa) pode levar à nulidade dos procedimentos. Se o vício procedimental ocorrer na licitação, a nulidade poderá atingir o contrato subsequente.
4. Contratação de Inidôneo: Admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profissional declarado inidôneo é tipificado como crime penal, o que demonstra a gravidade do vício.
4. Efeitos da Anulação, Inclusive para Terceiros de Boa-Fé
A anulação de um ato administrativo (e, por extensão, de um contrato) decorrente de ilegalidade tem, em princípio, efeito ex tunc, retroagindo à data de sua celebração.
No entanto, no âmbito da Nova Lei, há uma discussão doutrinária sobre a invalidação de contratos públicos como um "exemplo de consequencialismo", o que sugere que os efeitos práticos da anulação devem ser ponderados, especialmente em relação à segurança jurídica e aos terceiros.
Efeitos da Anulação:
1. Desconstituição do Vínculo: O contrato é desfeito em razão do vício de origem.
2. Reparação Integral do Dano: A aplicação de sanções (que muitas vezes acompanham as irregularidades que causam a anulação) não exclui, em hipótese alguma, a obrigação de reparação integral do dano causado à Administração Pública.
3. Terceiros de Boa-Fé (Interpretação Extensiva):
◦ Embora a fonte não detalhe os efeitos da anulação especificamente para terceiros de boa-fé, é um princípio do Direito Administrativo que se busque proteger a boa-fé e evitar o enriquecimento ilícito.
◦ No contexto de sanções (que são frequentemente ligadas aos motivos de anulação), a restrição de licitar e contratar geralmente tem efeito ex nunc, não afetando contratos em andamento. Esta regra visa a segurança jurídica e minimiza prejuízos decorrentes de atos sancionatórios ou anulatórios.
5. Competências e Limites da Administração na Anulação
A anulação, por envolver o controle de legalidade, requer um procedimento formal e motivado, respeitando os princípios da ampla defesa e do contraditório.
Competências para a Apuração de Vícios (Sanções/Nulidade):
• Processo de Responsabilização: Nas hipóteses que justifiquem a anulação (como fraude ou declaração falsa), a aplicação de sanções como o impedimento de licitar e contratar ou a declaração de inidoneidade exige a instauração de um processo de responsabilização conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores estáveis (ou empregados públicos dos quadros permanentes).
• Autoridade Competente: A decisão final sobre a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade (que reflete um vício grave) é de competência exclusiva de autoridades de alto nível hierárquico (Ministro de Estado, Secretário Estadual ou Municipal, ou autoridade máxima da autarquia/fundação).
Limites da Administração:
1. Devido Processo Legal: A aplicação de sanções e, por consequência, a eventual anulação do contrato, só pode ocorrer após um processo administrativo sancionatório que garanta ao responsável o contraditório e a ampla defesa.
2. Análise Jurídica Prévia: A aplicação da sanção mais grave (declaração de inidoneidade) será precedida de análise jurídica. Da mesma forma, a desconsideração da personalidade jurídica (em casos de abuso de direito para dissimular ilícitos), que estende os efeitos das sanções a sócios e administradores, exige análise jurídica prévia.
6. Jurisprudências do TCU e Boas Práticas para Prevenir Nulidades
6.1. Jurisprudência do TCU (Foco em Vícios e Ilegalidades)
O Tribunal de Contas da União (TCU) reforça a obrigação dos gestores de atuar para coibir atos ilegais na licitação, que são a gênese de futuras nulidades contratuais.
• Dever de Apenação: Os gestores devem autuar processo administrativo com vistas à apenação das empresas que praticarem, injustificadamente, ato ilegal tipificado na lei, ainda que não tenha ocorrido prejuízo ao erário, sob pena de responsabilização.
• Instauração de Processo Obrigatória: A não instauração de processo administrativo para aplicar penalidade ao licitante que deixa de entregar a documentação exigida, por exemplo, contraria a legislação e pode ser objeto de sanção pelo TCU.
• Desconsideração da Personalidade Jurídica: O TCU aplica a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para responsabilizar sócios ou administradores pelo dano causado ao erário quando há abuso da personalidade jurídica, caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial, com fundamento no art. 50 do Código Civil.
6.2. Boas Práticas para Prevenir Nulidades
A maioria das anulações decorre de vícios processuais e falta de planejamento e controle na origem do contrato. A Administração deve promover a boa governança e gestão para mitigar riscos:
1. Planejamento Robusto: Garantir que todas as fases da contratação, desde o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Termo de Referência (TR), estejam devidamente instruídas e justificadas. As ocorrências registradas na gestão contratual devem retroalimentar a fase de planejamento para corrigir o modelo de contratação e as cláusulas futuras.
2. Segregação de Funções: Evitar a concentração de funções (como gestor e fiscal) na mesma pessoa, a fim de prevenir a ocultação de erros, ocorrência de fraudes e consequente nulidade do procedimento.
3. Capacitação e Conhecimento: Assegurar que os agentes públicos (gestores e fiscais) tenham a capacidade técnica para o desempenho de suas funções. A falta de capacidade técnica das comissões processantes pode levar à nulidade dos procedimentos.
4. Consulta a Cadastros Nacionais: Antes de contratar, a Administração deve consultar os cadastros de sanções (Ceis e Cnep). A contratação de empresa com restrições leva à paralisação da licitação e, em casos graves, pode ensejar responsabilização penal.
5. Dosimetria Proporcional: Ao aplicar sanções que podem levar a uma rescisão contratual (evitando a nulidade pela má aplicação da pena), o gestor deve considerar o grau de culpabilidade, a natureza e a gravidade da infração, peculiaridades do caso concreto, circunstâncias agravantes/atenuantes e os danos à Administração. A falta de observância desses critérios (dosimetria) pode levar à anulação da sanção.
Resumo: Controle de Legalidade e Prevenção de Vícios Contratuais
A anulação contratual é a manifestação mais extrema de que a Administração falhou no seu dever de observar a legalidade desde a origem do processo.
Para evitar a extinção por anulação, o gestor deve manter um controle de legalidade rigoroso em todas as fases:
• Fase Preparatória: Assegurar a validade e a completude do planejamento, garantindo que o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Termo de Referência (TR) não contenham vícios que possam contaminar a licitação.
• Fase de Seleção: Aplicar as sanções cabíveis aos licitantes que cometerem irregularidades (como fraude ou declaração falsa), seguindo o devido processo legal (contraditório e ampla defesa), prevenindo que um contrato nasça de um processo viciado.
• Fase de Gestão: Manter a fiscalização ativa e documentada, e exigir a manutenção das condições de habilitação do contratado durante toda a execução, o que previne a inexecução ou a necessidade de rescisão por falta de idoneidade.
O controle de legalidade é a chave para a segurança jurídica e o alcance dos objetivos públicos.
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Referências (ABNT)
• ALMEIDA, Carlos Wellington Leite de. Fiscalização contratual na Lei nº 14.133/2021: governança e resultado na execução de contratos administrativos. Revista do TCU.
• BRASIL. [Constituição Federal (1988)]. [Constituição da República Federativa do Brasil].
• BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal.
• BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
• BRASIL. Lei nº 8.443, de 16 de dezembro de 1992. [Lei Orgânica do TCU].
• BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
• BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.
• BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.
• BRASIL. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.
• BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas.
• BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos.
• CÂMARA, Jacintho Arruda. “Invalidação de contratos públicos na nova lei: um exemplo de consequencialismo”. Jota, jan. 2021.
• JABOATÃO DOS GUARARAPES. Decreto Municipal n.º 08/2023.
• PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Duração, execução, gestão e fiscalização dos contratos.
• TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Manual Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. (Manual atualizado em 29/08/2024).


