Extinção dos contratos: encerramento, rescisão, anulação e suas implicações - Parte 4

Extinção dos Contratos: Suas Implicações
A extinção contratual na Administração Pública é um tema crucial que encerra o ciclo de vida da contratação e exige atenção redobrada dos gestores e fiscais, pois implica consequências jurídicas, administrativas e financeiras significativas. A Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos - NLL) estabelece as diretrizes para este encerramento, que pode ocorrer naturalmente (pelo cumprimento do objeto ou término do prazo de vigência) ou de forma prematura (por rescisão ou anulação).
Formas e Implicações Jurídicas da Extinção Contratual
A extinção do contrato pode ser determinada por três vias principais:
1. Ato unilateral e escrito da Administração (Rescisão Administrativa): Aplicável exceto quando o descumprimento decorrer de conduta da própria Administração. Esta forma é motivada por diversas situações de descumprimento por parte do contratado, como o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos, ou o desatendimento de determinações regulares dos fiscais ou autoridades superiores. Outros motivos incluem alteração social ou modificação da estrutura da empresa que restrinja sua capacidade de concluir o contrato, decretação de falência ou ocorrência de caso fortuito/força maior que impeça a execução.
2. Consensual: Por acordo entre as partes, mediante conciliação, mediação ou por comitê de resolução de disputas, desde que haja interesse da Administração.
3. Decisão arbitral ou judicial: Decorrente de cláusula compromissória, compromisso arbitral ou por determinação do Poder Judiciário.
A Lei também garante ao contratado o direito de solicitar a extinção em casos de culpa da Administração, como supressão do objeto que modifique o valor inicial além do limite legal, suspensão da execução por ordem da Administração por período superior a 3 (três) meses, repetidas suspensões que totalizem 90 (noventa) dias úteis (com direito a indenização) ou atraso de pagamento superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal. No entanto, mesmo nesses casos, o contratado não pode encerrar o contrato unilateralmente, mas apenas suspender a execução ou solicitar a extinção à Administração.
A Anulação (Nulidade)
A anulação (nulidade) difere da rescisão por estar fundamentada em um vício legal que torna o contrato inválido desde sua origem (falta de requisitos essenciais). Exemplos de nulidade incluem a contratação sem a caracterização adequada do objeto ou sem a indicação dos créditos orçamentários para o pagamento.
Em regra, a nulidade tem efeitos retroativos (ex tunc), desconstituindo os efeitos já produzidos. Contudo, a NLL exige que a Administração, ao constatar uma irregularidade que possa levar à anulação, avalie se a medida é de interesse público, considerando as possíveis consequências ambientais, sociais e econômicas da invalidação (em consonância com a LINDB). Se a anulação for de interesse público, mas for impossível reverter os efeitos da contratação, a nulidade terá eficácia dali em diante (ex nunc), cabendo indenização pelos prejuízos comprovados e apuração de responsabilidade e penalidades.
Impactos sobre o Equilíbrio Econômico-Financeiro e a Responsabilidade do Gestor
Equilíbrio Econômico-Financeiro (EEF)
O equilíbrio econômico-financeiro deve ser preservado, garantindo que as condições financeiras iniciais do contrato não sejam alteradas de forma injusta ou desproporcional.
A extinção afeta diretamente o EEF, exigindo a compensação das partes:
• Extinção por culpa do Contratado: A Administração pode executar a garantia contratual e reter créditos devidos para fins de ressarcimento por prejuízos, pagamento de multas aplicadas e verbas trabalhistas/previdenciárias. A Administração também pode optar por aplicar sanções e promover a extinção unilateral.
• Extinção por culpa da Administração: O contratado será ressarcido por todos os prejuízos regularmente comprovados e terá direito à devolução da garantia, aos pagamentos devidos pela execução até a data da extinção e ao pagamento do custo de desmobilização.
• Em caso de supressão unilateral de obras, bens ou serviços, o contratado que já tiver adquirido materiais e os colocado no local dos trabalhos deve ser pago pela Administração pelos custos de aquisição comprovados e reajustados, podendo haver indenização por outros danos decorrentes da supressão.
Em casos de anulação, a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pela parte executada e pelos prejuízos que este comprove ter sofrido.
A Responsabilidade do Gestor e Fiscal
A inexecução total ou parcial do contrato sujeita cada parte às consequências, e a Administração detém o poder-dever de fiscalizar. A responsabilidade do gestor e do fiscal se intensifica no processo de extinção:
1. Gestor: Cabe ao Gestor do Contrato promover, quando necessário, a formalização de rescindir. No contexto da extinção, compete ao gestor coordenar os atos preparatórios e o encaminhamento da documentação para formalização dos procedimentos relativos à extinção. Ele deve avaliar as hipóteses de extinção (seja proposta pela Administração ou pelo contratado) e propor a solução adequada.
2. Fiscal: O Fiscal deve registrar todas as ocorrências relacionadas à execução, determinando as correções necessárias. Em caso de descumprimento passível de rescisão, o fiscal deve comunicar por escrito ao gestor.
3. Comunicação e Segregação: Quando o assunto demandar decisão ou providência que ultrapasse a competência do fiscal, é sua obrigação comunicar formalmente aos superiores (Gestor) em tempo hábil. O mero desconhecimento não afasta a responsabilidade do servidor.
4. Governança e Integridade: A alta administração é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas de gestão de riscos e controles internos, o que inclui a correta condução dos processos de extinção para evitar danos ao erário e sanções aos agentes públicos.
5. Sanções ao Agente Público: O descumprimento da lei e das normas procedimentais na gestão contratual, inclusive na extinção, pode levar à responsabilização administrativa, civil e penal do agente público, sujeitando-o a sanções como perda da função pública e ressarcimento ao erário (Lei nº 8.429/92).
Obrigações Remanescentes e Procedimentos Pós-Extinção
O procedimento de extinção deve ser formalmente motivado nos autos do processo e assegurar o contraditório e a ampla defesa ao contratado.
|
Procedimento |
Responsável Principal |
Detalhes/Implicações |
|
Autorização e Formalização |
Autoridade Competente/Gestor |
Autorização escrita e fundamentada, reduzida a termo no processo. |
|
Notificação e Defesa |
Gestor do Contrato |
Intimação do contratado para defesa em 10 dias (em caso de extinção unilateral). |
|
Publicação do Termo |
Gestor/Administração |
Extrato do termo de extinção deve ser publicado no PNCP ou Diário Oficial. |
|
Sanções e Devoluções |
Ordenador de Despesa/Gestor |
Aplicação de penalidades (multas). A multa pode ser de 0,5% a 30% do valor contratado. A diferença entre multa/indenizações e o valor a pagar deve ser descontada da garantia ou cobrada judicialmente. |
|
Verbas Trabalhistas |
Fiscal Administrativo/Gestor |
Na rescisão de contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, o Gestor pode efetuar o pagamento direto de verbas trabalhistas não quitadas, deduzindo do pagamento devido ao contratado (ou usando a garantia). O fiscal administrativo deve verificar o pagamento das verbas rescisórias ou a realocação dos empregados. |
|
Prestação de Contas (Encerramento) |
Gestor/Fiscal |
Realização de uma revisão das pendências, elaboração de um relatório de conclusão e formalização do termo de encerramento ou termo de quitação. O relatório final deve conter informações obtidas durante toda a execução do contrato. |
|
Registro de Sanções |
Autoridade/Administração |
Informar e manter atualizados os dados relativos às sanções aplicadas (exceto advertência e multa) no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS). |
Citação de Entendimentos do TCU e CGU
Os órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), desempenham um papel central na fiscalização da execução e extinção dos contratos. Os TCs foram classificados como a "terceira linha de defesa" no controle das contratações públicas, ao lado do órgão central de controle interno.
Entendimentos sobre Responsabilidade e Integridade:
• Jurisprudência do TCU: As decisões do TCU relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais a União legisla privativamente, devem ser acatadas por administradores em todas as esferas federativas (Súmula nº 222/1994).
• Fiscalização e Registro: O TCU reforça a necessidade de o fiscal registrar as ocorrências e comunicar seus superiores em tempo hábil para evitar a responsabilização por omissão.
• Programas de Integridade: O TCU e a CGU fornecem orientações sobre a implementação de programas de integridade, cuja existência é inclusive critério de desempate e um fator a ser considerado na aplicação de sanções, refletindo o enfoque na integridade administrativa.
Casos Reais (Implicações da Extinção):
Embora os extratos fornecidos não detalhem um acórdão específico sobre uma rescisão, a jurisprudência do TCU é vasta em casos de danos ao erário decorrentes de má gestão que culminam na extinção contratual, como obras inacabadas. As imagens de pontes paralisadas e o alerta sobre o dilema da compra pública (melhor qualidade versus desperdício) ilustram as consequências de falhas na gestão e fiscalização que levam à necessidade de extinção ou anulação, gerando prejuízos (Custos de Deterioração/Perda e Custo de Nova Licitação) que a Administração deve avaliar no processo de nulidade. O próprio processo de contratação em análise pelo TCE-RO (Parecer n. 60/2025/PGETC), embora trate de inexigibilidade, ilustra a atuação constante dos órgãos de controle em assegurar a legalidade e a correta instrução processual, requisitos fundamentais para evitar futuras anulações.
Resumo Integrativo
A extinção dos contratos administrativos, seja por encerramento natural, rescisão por culpa de uma das partes ou anulação por vício de legalidade, representa um momento crítico que exige o máximo de profissionalismo do gestor.
A importância da gestão documental é inegável, especialmente no pós-extinção. O registro contínuo de todas as ocorrências pelo fiscal é essencial, pois o histórico de gerenciamento precisa conter todos os registros formais (ordem de serviço, ocorrências, alterações, prorrogações). A correta organização de documentos, como notas fiscais, comprovantes de quitação trabalhista e registros de ocorrências, é a base para a prestação de contas, a defesa do agente público e a fundamentação legal de qualquer sanção ou indenização.
A integridade administrativa é um objetivo primordial da NLL. A responsabilização do gestor por falhas na extinção contratual é real, mas o risco pode ser mitigado por meio da correta aplicação do princípio da segregação de funções, da capacitação adequada e da busca por apoio técnico e jurídico quando as questões excederem a competência do agente. O processo de extinção, ao exigir motivação e análise de custos (sociais, ambientais, financeiros), reforça o dever de agir sempre no melhor interesse público, transformando o encerramento em um ato de governança transparente e defensável.
--------------------------------------------------------------------------------
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.
BRASIL. Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964. Estatui Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: http//www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4320.htm.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.133-de-1-de-abrilde-2021-311876884.
BRASIL. Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Instrução Normativa nº 05, de 26 de maio de 2017. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-5-de-26-de-maio-de-2017-atualizada.
DE ALMEIDA, Carlos Wellington Leite. Fiscalização contratual na Lei 14.133/2021. Revista do TCU, n. 150, p. 85-111, 2022.
INSTITUTO RUI BARBOSA. A Nova Lei de Licitações e o Controle Externo (2ª. parte).
LIMA, Damázio Daniel de. AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS NA FISCALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ENTRE A LEI 8.666/93 (LEI DE LICITAÇÕES) E A LEI 14.133/2021 (NOVA LEI DE LICITAÇÕES). Revista Científica de Alto Impacto, Volume 28 - Edição 136/JUL 2024.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão nº 1.287/2008 – Plenário.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Acórdão nº 1.828/2008 – Plenário.


