Fiscalização de contratos: aspectos técnicos, administrativos e financeiros - Parte 3

Fiscalização de Contratos: Aspectos Financeiros

1. Introdução: A Governança e o Foco na Economicidade

A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021 – NLLC) exige que a Administração Pública adote práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e controle preventivo, alinhadas à Governança das Contratações. A Governança impõe à alta administração a responsabilidade por implementar processos e estruturas para avaliar, direcionar e monitorar os contratos.

O objetivo central da contratação pública é obter a proposta mais vantajosa, evitando contratações com sobrepreço ou superfaturamento. Nesse contexto, a fiscalização dos aspectos financeiros é crucial para assegurar a eficiência e a economicidade no uso dos recursos públicos.

2. Aspectos Financeiros da Fiscalização Contratual na Lei nº 14.133/2021

Os aspectos financeiros na fiscalização de contratos, conforme a NLLC, abrangem todos os procedimentos que garantem que o dispêndio de recursos públicos seja feito de forma legal, compatível com o mercado e em estrita conformidade com o que foi efetivamente entregue ou executado pela contratada.

A. Adequação Orçamentária e Planejamento

O planejamento é a fase crucial para a gestão financeira. O Termo de Referência (TR) deve prever a Estimativa do valor da contratação [1, 4.3.9; 143, 161] e demonstrar a Adequação Orçamentária [1, 4.3.10; 164]. A previsão de recursos orçamentários é uma condição para a realização da contratação, conforme o Art. 150 da NLLC e o Art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

Para contratos de serviços e fornecimentos contínuos, a autoridade competente deve atestar, no início de cada exercício financeiro e nas prorrogações, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação. A falta de disponibilidade orçamentária pode levar à extinção do contrato sem ônus para a Administração.

B. Critérios de Medição e Pagamento

Os critérios de medição e de pagamento devem estar claramente definidos no Termo de Referência (TR) [1, 4.3.7; 144]. A regra é que a medição tenha como base o resultado alcançado, garantindo a eficácia da contratação.

O pagamento deve ser providenciado pelo Gestor do Contrato e, em regra, deve observar a ordem cronológica de pagamentos (Art. 141 da NLLC), permitindo alteração apenas mediante prévia justificativa e comunicação aos órgãos de controle. Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (ME/EPP) têm a possibilidade de receberem o pagamento devido sem que a Administração observe essa ordem cronológica.

C. Manutenção do Equilíbrio Econômico-Financeiro

Durante a execução contratual, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro envolve três mecanismos importantes:

1. Reajuste em sentido estrito: Trata da variação de custos decorrentes do mercado (insumos e materiais), sendo realizado por índice oficial de correção previamente definido no contrato.

2. Repactuação: Aplica-se aos custos de mão de obra (salários e encargos), realizada com base em convenção, acordo, dissídio coletivo de trabalho ou em decorrência de lei.

3. Revisão (Recomposição): Destina-se a reequilibrar o contrato por fatos supervenientes e imprevisíveis, alterando as condições iniciais.

A verificação da vantajosidade é obrigatória nas prorrogações de contratos contínuos, e a negociação de melhores condições deve ser feita antes de optar pela extinção em caso de perda de vantagem. Nos contratos de prestação contínua com vigência maior que um ano, as repactuações devem ser solicitadas antes de eventual prorrogação. Se o contratado aceitar prorrogar sem solicitar a repactuação, ocorre a preclusão lógica do seu direito.

3. O Papel do Fiscal Financeiro (Gestor e Fiscal)

Embora a NLLC designe o Gestor do Contrato para o Controle Financeiro e o Fiscal do Contrato para o acompanhamento técnico e documental, a atuação em conjunto é indispensável para garantir a higidez dos pagamentos. O fiscal atua na ponta, subsidiando o gestor com informações para a liberação financeira.

A. Verificação de Medições e Pagamentos

Atesto da Nota Fiscal (Fiscal): O fiscal tem o dever de atestar a nota fiscal/fatura após o recebimento da mercadoria ou a efetiva prestação do serviço. Neste momento, devem ser observados os dados da empresa, os itens descritos, a quantidade e o valor unitário e total.

Aprovação e Controle (Gestor): O gestor é responsável por analisar e aprovar as medições e solicitações de pagamento apresentadas, verificando se estão em conformidade com o contrato e os serviços efetivamente realizados. O gestor deve manter o controle atualizado dos pagamentos efetuados para garantir que o valor total do contrato não seja ultrapassado.

B. Retenções, Encargos e Glosas

A fiscalização financeira busca garantir que a Administração pague apenas pelo que foi efetivamente executado e que a contratada cumpra suas obrigações, especialmente as trabalhistas e fiscais.

Encargos e Obrigações Trabalhistas: Em contratos de serviços contínuos com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o gestor e o fiscal devem realizar um controle rigoroso para verificar se a contratada está cumprindo todas as obrigações legais e trabalhistas. Isso é crucial para evitar a responsabilidade subsidiária da Administração.

    ◦ Mecanismos de Cautela (Retenções): A Administração pode condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas, efetuar depósito de valores em conta vinculada ou, em caso de não cumprimento, efetuar diretamente o pagamento das verbas trabalhistas, deduzindo-as do valor devido à contratada.

    ◦ Fiscalização Documental: O fiscal deve verificar mensalmente documentos como Certificado de Regularidade do FGTS, GPS (Previdência Social), comprovantes de pagamento de salários, e documentos fiscais (Federal, Estadual, Municipal).

Glosas (Ajustes e Descontos): Embora o termo "glosa" não esteja explicitamente definido como função, as glosas são a materialização do controle financeiro quando há falhas.

    ◦ O fiscal deve registrar as ocorrências e notificar o contratado para correções.

    ◦ Em caso de descumprimento, o gestor deve solicitar a abertura de processo administrativo para a aplicação de penalidade cabível, como multa. O gestor também deve apurar o percentual de desconto da fatura correspondente. Essas penalidades financeiras ou reduções por serviços não conformes representam as glosas ou retenções punitivas.

4. Controles da Despesa Pública (Empenho, Liquidação e Pagamento)

O controle da despesa pública segue fases estritas, derivadas da Lei nº 4.320/1964 e inerentes à Contabilidade Pública. O gestor e o fiscal, ao atuarem no controle financeiro, interagem diretamente com estas fases:

1. Empenho: É o primeiro estágio, em que a Administração reserva o recurso orçamentário para atender à despesa, garantindo que o contrato tenha dotação própria e saldo suficiente. O valor do empenho deve ser conhecido pelo gestor e fiscal.

2. Liquidação: Ocorre após a entrega do bem ou a prestação do serviço. Esta fase confirma a dívida da Administração, verificando o direito do credor com base nos títulos e documentos comprobatórios (como a Nota Fiscal atestada pelo fiscal). A liquidação pressupõe o ateste de que o objeto foi cumprido na quantidade e qualidade contratadas.

3. Pagamento: É o último estágio, quando a Administração efetivamente realiza a transferência financeira ao contratado. Esta fase deve ser precedida pela análise do Gestor, que verifica a observância das exigências contratuais e legais, como a regularidade fiscal e trabalhista.

O acompanhamento físico-financeiro e o controle administrativo dos aspectos orçamentários e financeiros pelo Gestor garantem que essas fases ocorram de forma regular e alinhada às leis orçamentárias.

5. Boas Práticas de Prestação de Contas e Controle Financeiro

A gestão financeira eficaz depende de práticas transparentes e organizadas:

Organização Documental: Manter todos os documentos de formalização e execução do contrato de forma estruturada e digital. Isso inclui cópia do orçamento e planilha de custos, cronograma físico-financeiro, notas fiscais, comprovantes de quitação de encargos, e registros de ocorrências.

Transparência e Publicidade: O princípio da Publicidade estabelece que todas as etapas da contratação devem ser acessíveis aos interessados e à sociedade. A NLLC reforça a importância de relatórios detalhados para o acompanhamento e o controle social.

Gestão de Riscos: Identificar e analisar os riscos que podem comprometer a execução contratual (como o risco de inexecução que leve à multa ou o risco de responsabilização subsidiária por encargos trabalhistas). As ações preventivas (mitigação) devem ser incorporadas ao planejamento.

Manutenção da Vantajosidade: Para prorrogações, o Gestor deve realizar a verificação da manutenção da vantajosidade econômica, que não se limita apenas ao preço de mercado, mas considera também o desempenho do contratado e os custos de uma nova licitação.

6. Integração entre Gestor, Fiscal Financeiro e Fiscal Técnico/Administrativo

A segregação de funções é um princípio fundamental da NLLC, visando prevenir erros, fraudes e o uso irregular de recursos públicos. As funções devem ser distribuídas entre diferentes agentes, evitando que uma mesma pessoa acumule funções suscetíveis a riscos.

O Gestor e o Fiscal devem atuar de forma conjunta e complementar:

Agente

Função Principal (Perspectiva Financeira)

Relação de Integração

Gestor do Contrato (Administrativo/Financeiro)

Possui visão abrangente. Controla os aspectos financeiros (pagamentos, medições, reajustes, penalidades). Analisa relatórios dos fiscais. Autoriza e providencia o pagamento.

Recebe e avalia os relatórios e atestos do Fiscal. Orienta o Fiscal sobre a adequada observância das cláusulas.

Fiscal do Contrato (Técnico/ Operacional/ Documental)

Possui perfil técnico, atuando em campo. Atesta o recebimento do objeto. Verifica a conformidade técnica, fiscal e trabalhista da contratada.

Comunica, por escrito, ao Gestor sobre descumprimentos e irregularidades para aplicação de penalidades. Subsidia o Gestor com a documentação para a liquidação da despesa (atesto de nota fiscal).

 

O Gestor coordena as atividades e solicita providências para a aplicação de penalidades, enquanto o Fiscal monitora a execução e fornece a prova material do cumprimento (ou não) das obrigações, essencial para a validação financeira.

Conclusão: Responsabilidade e Transparência na Gestão Financeira

A fiscalização de contratos, sob a ótica financeira, é um pilar da boa governança pública e da Lei nº 14.133/2021, garantindo o alcance dos objetivos de economicidade, eficiência e eficácia.

Principais Cuidados Financeiros:

1. Conformidade na Despesa: Assegurar que os pagamentos (Empenho, Liquidação, Pagamento) sigam rigorosamente a legislação e o contrato, pagando apenas pelo que foi devidamente executado e atestado.

2. Encargos e Riscos Trabalhistas: Manter controle mensal rigoroso sobre as obrigações trabalhistas da contratada, utilizando os mecanismos de cautela (como conta vinculada ou exigência de caução) previstos na NLLC para mitigar o risco de responsabilização subsidiária.

3. Controle Orçamentário: Verificar anualmente a existência de créditos orçamentários e manter o controle atualizado para evitar ultrapassar o valor contratual.

4. Defesa contra Preclusão: Alertar formalmente o contratado sobre a necessidade de solicitação de repactuação antes da prorrogação contratual, sob pena de perda do direito.

A atuação diligente, ética e responsável dos servidores designados, aliada à transparência e à segregação de funções, é indispensável para a gestão eficiente dos recursos públicos, protegendo tanto o interesse da Administração quanto o patrimônio público.

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Referências

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