Gestão de contratos administrativos: obrigações do contratado e da administração - Parte 2

 

Introdução

A Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos – NLLC), estabeleceu um novo regime jurídico para as contratações públicas, com grande destaque para a fase de planejamento e, crucialmente, a execução dos contratos administrativos. A gestão e a fiscalização do contrato são instrumentos imprescindíveis à Administração Pública para a defesa do interesse público.

A NLLC enfatiza que a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações, que é o conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos. O objetivo central é garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e selecionar a proposta mais vantajosa, buscando promover a eficiência, a efetividade e a eficácia na utilização dos recursos públicos.

Este material visa detalhar as obrigações da Administração na gestão e fiscalização contratual, conforme as diretrizes da Lei nº 14.133/2021.

Princípios e Fundamentos Legais

A execução do contrato administrativo é regida por um conjunto robusto de princípios. O Art. 5º da Lei nº 14.133/2021 elenca princípios que devem ser observados na aplicação da lei, como:

• Legalidade e Impessoalidade.

• Moralidade e Probidade Administrativa.

• Publicidade e Transparência.

• Eficiência, Eficácia e Economicidade.

• Planejamento.

• Motivação (todas as decisões devem ser fundamentadas).

• Segurança Jurídica e Vinculação ao Edital.

• Segregação de Funções (visa prevenir erros, omissões e fraudes).

A obrigatoriedade de fiscalizar a execução dos contratos é uma prerrogativa (e um dever) da Administração.

Artigo 117 (Lei nº 14.133/2021): Estabelece a obrigação de a execução do contrato ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais do contrato.

Artigo 115 (Lei nº 14.133/2021): Determina que o contrato deverá ser executado fielmente pelas partes.

Deveres da Administração na Gestão e Fiscalização

O cumprimento das obrigações contratuais pela Administração Pública deve ser pautado no modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada.

1. Designar fiscais e gestores de contrato

A designação de gestores e fiscais de contrato é uma função essencial.

• Responsabilidade da Designação: Compete à autoridade máxima do órgão ou entidade, ou a quem as normas internas indicarem. A designação é um ato formal, geralmente por portaria.

• Requisitos dos Agentes (Art. 7º da Lei nº 14.133/2021): O agente público designado deve preencher, preferencialmente, os seguintes requisitos:

    1. Ser servidor efetivo ou empregado público do quadro permanente.

    2. Ter atribuições relacionadas a licitações e contratos, ou possuir formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo.

    3. Não ser cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração, nem ter com eles vínculo de parentesco (até o terceiro grau).

A segregação de funções deve ser observada, evitando que um mesmo agente acumule funções que possam gerar conflitos de interesse ou ocultação de erros e fraudes. No entanto, excepcionalmente, as funções de gestor e fiscal podem recair sobre a mesma pessoa em contratações de baixo valor.

2. Acompanhar e fiscalizar a execução contratual

A fiscalização é o conjunto de atividades para controle, acompanhamento e monitoramento do cumprimento das obrigações contratuais.

Papel do Fiscal:

O fiscal é o responsável pela parte operacional e técnica, acompanhando a execução em campo. Cabe ao fiscal, em especial:

• Acompanhar o cronograma de execução do contrato, monitorando prazos e condições de entrega (Art. 117).

• Verificar se o bem/serviço está em conformidade com o contratado em quantidade e qualidade.

• Determinar o que for necessário para a regularização das faltas ou dos defeitos observados.

• Informar a seus superiores (o gestor) as situações que demandem decisões ou providências que ultrapassem sua competência (Art. 117, § 2º).

• Examinar a documentação exigida para comprovar a regularidade (fiscalização documental).

Papel do Gestor:

O gestor possui uma visão mais abrangente e estratégica e coordena as atividades de fiscalização. Compete ao gestor:

• Coordenar as atividades relacionadas à fiscalização técnica, administrativa e setorial.

• Acompanhar a manutenção das condições de habilitação e das exigências legais pela contratada.

• Receber definitivamente o objeto (Art. 140).

• Manifestar-se sobre todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução contratual, no prazo de 1 (um) mês.

• Promover a formalização de aditivos, prorrogações, reajustes ou rescisões contratuais, quando necessário.

A fiscalização ou o acompanhamento pela Administração não exclui nem reduz a responsabilidade do contratado pelos danos causados.

3. Garantir o equilíbrio econômico-financeiro

O gestor de contrato tem o dever de zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro do contrato, avaliando e promovendo as solicitações conforme o caso.

Reequilíbrio e Alterações: Os pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro estão entre as atividades coordenadas e analisadas pelo gestor. Alterações contratuais (unilaterais ou consensuais) são tratadas no Capítulo VII do Título III da Lei nº 14.133/2021.

Matriz de Riscos (Art. 6º, XXVII, e Art. 103): A Lei nº 14.133/2021 estabelece a "matriz de riscos" como uma cláusula contratual que define riscos e responsabilidades entre as partes, caracterizando o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato. A matriz deve ser observada na solução de eventuais pleitos de reestabelecimento do equilíbrio, especialmente para eventos supervenientes.

4. Aplicar sanções quando necessário

O atraso injustificado na execução ou o não cumprimento do contrato enseja o dever (poder-dever) da Administração de adotar as medidas cabíveis para aplicar as multas contratuais e demais penalidades previstas em lei.

Infrações e Sanções (Art. 155 e Art. 156): A NLLC descreve as infrações administrativas. As sanções aplicáveis ao responsável são:

    ◦ Advertência (para inexecução parcial sem grave dano - Art. 155, I).

    ◦ Multa (moratória ou compensatória).

    ◦ Impedimento de licitar e contratar (até 3 anos no âmbito do ente federativo).

    ◦ Declaração de Inidoneidade (mínimo de 3 e máximo de 6 anos em todos os entes federativos).

• Procedimento Sancionador: O gestor ou o fiscal, ao constatar a infração, tem a obrigação de agir para instaurar procedimento específico.

• Garantias: O processo sancionador deve garantir o contraditório e a ampla defesa ao contratado. Para as sanções mais graves (impedimento e inidoneidade), o Art. 158 exige a instauração de um processo de responsabilização conduzido por comissão.

5. Registrar e documentar todas as ocorrências

A Administração tem o dever de manter o registro de todas as ocorrências na execução contratual.

Registro pelo Fiscal (Art. 117, § 1º): O fiscal do contrato deve anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução, determinando as ações necessárias para a regularização.

Uso dos Registros: Os registros servem para subsidiar o amadurecimento do gerenciamento de riscos, a elaboração de futuros estudos técnicos preliminares (retroalimentação da fase de planejamento), e a instrução dos processos de liquidação e pagamento.

Decisões Administrativas: A Administração tem o dever de emitir explicitamente decisões sobre todas as solicitações e reclamações relacionadas à execução dos contratos (Art. 123).

Boas Práticas de Fiscalização

A gestão eficiente exige planejamento detalhado, fiscalização rigorosa e mecanismos efetivos de controle.

1. Conhecimento e Organização Documental: O gestor e o fiscal devem ter conhecimento aprofundado do Termo de Referência (TR), do edital, da proposta do contratado e da planilha de custos. É fundamental organizar e arquivar toda a documentação de forma estruturada e digital (contrato, aditivos, portaria de nomeação, cronograma físico-financeiro, notas fiscais, atestados, etc.).

2. Apoio e Qualificação: O fiscal e o gestor podem contar com o apoio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da Administração para dirimir dúvidas e obter informações relevantes para prevenir riscos (Art. 117, § 3º). Além disso, a Lei nº 14.133/2021 inova ao tornar a capacitação dos servidores para fiscalização e gestão contratual uma obrigação da Administração, a ser prevista desde a fase de planejamento.

3. Gestão Preventiva e Reuniões: A gestão deve ser realizada de forma preventiva, rotineira e sistemática. É boa prática realizar uma reunião inicial (registrada em ata) com o contratado (e seu preposto), fiscais e demais envolvidos para alinhar os procedimentos de acompanhamento da execução e a forma de apresentação dos documentos.

4. Fiscalização Trabalhista (Serviços Contínuos): Nos contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, é necessário um controle rigoroso para evitar a responsabilidade subsidiária da Administração por encargos trabalhistas em caso de falha na fiscalização (Art. 121). O gestor deve adotar medidas como:

    ◦ Exigir caução, fiança bancária ou seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias inadimplidas.

    ◦ Condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do mês anterior (fiscalização mensal).

5. Recebimento do Objeto (Art. 140): O recebimento do objeto se divide em provisório e definitivo. O recebimento provisório é realizado pelo fiscal, enquanto o definitivo, que atesta o cumprimento das exigências contratuais, é realizado pelo gestor ou comissão designada. Os prazos e métodos para o recebimento devem ser definidos no contrato.

Conclusão

A Lei nº 14.133/2021 consolida a gestão e a fiscalização de contratos como poder-dever da Administração Pública, essenciais para a concretização das políticas públicas. O novo marco legal, ao prever explicitamente a designação de gestores e fiscais com requisitos claros (Art. 7º e Art. 117), e ao detalhar as práticas de governança, gestão de riscos e controle (Art. 169), direciona a Administração para uma atuação mais eficiente, transparente e orientada a resultados. A atuação diligente e coordenada dos agentes designados, pautada na motivação, na segregação de funções e no registro sistemático das ocorrências, é a chave para o sucesso na execução dos contratos e para a defesa do interesse público.

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Referências

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