Gestão de riscos na execução contratual - Parte 1

Fundamentos da Gestão de Riscos na Execução Contratual
Prezado(a) Aluno(a),
Seja bem-vindo(a) à nossa aula sobre a Gestão de Riscos, um tema que se consolidou como um pilar essencial para a moderna administração pública e a boa execução dos contratos, especialmente sob a égide da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos – NLLC). A gestão de riscos transcende a mera burocracia, sendo um instrumento estratégico para garantir a eficiência, a integridade e o sucesso das contratações públicas.
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1. Conceituação da Gestão de Riscos em Contratações Públicas (Lei nº 14.133/2021)
A Nova Lei de Licitações estabelece que as contratações públicas devem se submeter a práticas contínuas e permanentes de gestão de riscos e de controle preventivo. Isso significa que a gestão de riscos não é uma atividade isolada, mas sim um componente intrínseco e sistemático de todo o ciclo da contratação.
A Gestão de Riscos está diretamente ligada ao conceito de Governança das Contratações. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança e deve implementar processos e estruturas, incluindo a gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos.
A governança visa alcançar objetivos como garantir a seleção da proposta mais vantajosa, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico, e promover a eficiência, efetividade e eficácia.
Conforme a Portaria SEGES/ME nº 8.678/2021, o controle preventivo e a gestão de riscos devem racionalizar o trabalho administrativo, garantindo que os controles sejam proporcionais aos riscos e que rotinas meramente formais sejam suprimidas.
O modelo de controle adotado pela NLLC organiza a responsabilidade pela gestão de riscos e controles em três linhas de defesa:
1. Primeira Linha de Defesa: Integrada pelos agentes de licitação, servidores, empregados públicos e autoridades que atuam na estrutura de governança. São aqueles que praticam diretamente os atos.
2. Segunda Linha de Defesa: Integrada pelas unidades de assessoramento jurídico e de controle interno do próprio órgão ou entidade.
3. Terceira Linha de Defesa: Integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo Tribunal de Contas.
2. Riscos Contratuais e seu Gerenciamento do Planejamento à Execução
Risco pode ser entendido como a possibilidade de ocorrência de eventos futuros que possam impactar negativamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato ou o sucesso da contratação.
A obrigatoriedade de identificar e gerenciar riscos se estende desde a fase de planejamento (fase preparatória) até a execução do contrato.
• No Planejamento: A Lei nº 14.133/2021 exige que a fase preparatória, por meio do Estudo Técnico Preliminar (ETP), contemple a Análise de Riscos. Essa análise deve abordar todas as considerações que podem interferir na contratação, incluindo os riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual.
• Na Execução: A gestão de riscos se materializa na Matriz de Alocação de Riscos. O objetivo é estabelecer, de forma clara, a responsabilidade de cada parte (Administração e Contratado) pelos riscos, bem como os mecanismos que afastam a ocorrência do evento danoso (sinistro) e mitigam seus efeitos.
Ao alocar eficientemente os riscos, o processo visa manter o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em relação a eventos supervenientes, sendo observada na solução de eventuais pleitos.
3. Tipos Comuns de Riscos em Contratações
Os riscos contratuais podem ser classificados em diversas categorias, refletindo as múltiplas dimensões da execução de um contrato público:
1. Riscos Operacionais e Técnicos: Relacionados à execução prática do objeto e à capacidade de entrega.
◦ Exemplos incluem falha na qualidade ou quantidade do produto/serviço, falta de capacidade técnica da equipe, inexecução parcial ou total do contrato, ou atrasos não justificados. A falta de conhecimento técnico por parte dos agentes de fiscalização também é um risco operacional à própria Administração.
2. Riscos Financeiros e Econômico-Financeiros: Relacionados à saúde financeira do contrato e do contratado.
◦ Englobam a possibilidade de a contratação se tornar não econômica, a ocorrência de sobrepreço ou superfaturamento na execução, ou eventos supervenientes que impactem o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como alterações na carga tributária. A gestão desses riscos é crucial para evitar pleitos de reequilíbrio não justificados ou aditivos indevidos.
3. Riscos Legais e Procedimentais: Relacionados ao não cumprimento da legislação ou a falhas nos ritos administrativos.
◦ Incluem a falta de clareza sobre responsabilidades e procedimentos para apuração de infrações, a desconsideração da dosimetria na aplicação de sanções, o que pode levar à anulação da penalidade, ou falhas processuais que resultam em nulidade.
4. Riscos de Integridade (Compliance): Envolvem condutas antiéticas ou ilícitas.
◦ Exemplos são a fraude na licitação ou na execução do contrato, o uso de documentação falsa, a prática de atos lesivos previstos na Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), e o comportamento inidôneo ou fraudulento. A corrupção e a falta de integridade resultam em ineficiência e desvio de recursos.
4. Importância da Análise de Riscos na Fase de Execução Contratual
A fase de execução é o momento em que os riscos, antes apenas planejados, podem se materializar. A análise e o tratamento contínuo dos riscos durante a execução são de importância estratégica para o sucesso da contratação.
A gestão diligente de riscos na execução contratual é fundamental para:
• Prevenir Atrasos e Falhas de Desempenho: A fiscalização e o monitoramento contínuos (atividades que devem ser realizadas de forma preventiva, rotineira e sistemática) visam aferir a qualidade, quantidade, tempo e modo da execução dos serviços. Ao registrar as ocorrências e determinar correções em tempo hábil, o fiscal do contrato atua para evitar a degeneração do nível de qualidade e a paralisação do objeto.
• Evitar Aditivos Indevidos e Irregularidades: A Matriz de Alocação de Riscos, elaborada no planejamento, define o equilíbrio inicial e estabelece que, se as condições da matriz forem atendidas, o equilíbrio econômico-financeiro será considerado mantido. Isso significa que a matriz endereça os riscos previsíveis, evitando, assim, a celebração de aditivos contratuais desnecessários ou pleitos de reequilíbrio para riscos que já haviam sido alocados como responsabilidade do contratado.
• Garantir o Cumprimento das Obrigações (inclusive trabalhistas): Em contratos com dedicação exclusiva de mão de obra, a fiscalização de riscos é intensificada, exigindo o controle rigoroso da documentação trabalhista e previdenciária. A NLLC prevê mecanismos para que a Administração assegure o cumprimento dessas obrigações, como a exigência de garantias e o condicionamento do pagamento à comprovação da quitação.
5. Etapas do Processo de Gestão de Riscos
O processo de gestão de riscos é um ciclo contínuo que orienta a atuação dos gestores e fiscais. As principais etapas são:
1. Identificação dos Riscos: Envolve listar os eventos futuros que podem impactar a contratação, bem como suas causas e consequências. Na fase de execução, isto significa registrar formalmente e de forma cronológica os eventos ocorridos.
2. Análise e Avaliação dos Riscos: Consiste em estimar a probabilidade de o evento ocorrer e o impacto caso se concretize. Essa etapa permite mapear os riscos e priorizar as ações de gestão, focando naqueles que detêm a maior combinação de probabilidade e impacto.
3. Tratamento/Resposta ao Risco (Mitigação e Controle): Inclui a definição de ações preventivas (para evitar a ocorrência) e ações de contingência (para remediar as consequências). Por exemplo, a capacitação de agentes públicos é uma medida preventiva.
4. Alocação de Riscos: Consiste em repartir os riscos entre o contratante e o contratado, definindo quem reúne as melhores condições para gerenciá-los. Os riscos com cobertura de seguradoras, por exemplo, são preferencialmente transferidos ao contratado.
5. Monitoramento e Comunicação: Acompanhamento contínuo da eficácia das medidas de tratamento e dos riscos que persistem. Os registros das ocorrências pela equipe de fiscalização são cruciais para retroalimentar o processo decisório, como em possíveis prorrogações contratuais e futuros estudos técnicos preliminares.
6. Orientações e Boas Práticas de Órgãos de Controle
A NLLC harmoniza a atuação dos órgãos de controle, que devem atuar de forma coordenada e com diretrizes comuns.
Orientação da SEGES/ME (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos - MGI):
• A Portaria SEGES/ME nº 8.678/2021 estabelece que os órgãos devem modelar o processo sancionatório, definindo critérios objetivos e isonômicos para a dosimetria das penas.
• É crucial evitar a sobrecarga de atribuições na designação de gestores e fiscais, e garantir que recebam documentos essenciais, como o mapa de riscos, logo após a formalização.
• A SEGES/ME incentiva a base de dados de lições aprendidas para aprimoramento das atividades, colhidas durante a execução contratual.
Orientação do TCU (Tribunal de Contas da União):
• O TCU defende que a governança das contratações deve ser um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para agregar valor ao negócio da organização, com riscos aceitáveis.
• Os órgãos devem dar preferência à adoção de medidas de saneamento e de mitigação de riscos, e de controle preventivo, especialmente mediante a capacitação dos agentes públicos, nos casos de simples impropriedade formal. A apuração de infrações só se impõe nos casos em que há dano ao erário.
• A boa prática exige que o controle respeite a segregação de funções e a individualização das condutas ao se apurar responsabilidades.
Orientação da CGU (Controladoria-Geral da União):
• A CGU disponibiliza modelos e orientações, como a Sugestão de Escalonamento das Circunstâncias Agravantes e Atenuantes, para apoiar a dosimetria na aplicação de sanções, visando a proporcionalidade e razoabilidade das decisões.
• A implantação ou aperfeiçoamento de programa de integridade é um critério a ser considerado na dosimetria das sanções. É, inclusive, uma condição para a reabilitação do licitante em casos de fraude ou uso de documentação falsa.
Uma boa prática comum recomendada é o Princípio da Segregação de Funções, que visa evitar a concentração excessiva de poder em um único agente, reduzindo a possibilidade de ocultação de erros e ocorrência de fraudes.
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Conclusão Reflexiva: O Controle Preventivo e a Cultura de Integridade
A Gestão de Riscos, formalmente incorporada pela Lei nº 14.133/2021, representa um marco na evolução da gestão contratual pública brasileira. Ao exigir que os gestores identifiquem, analisem e tratem riscos continuamente – desde o planejamento (ETP e Matriz de Riscos) até a execução –, a nova lei migra o foco de um controle meramente repressivo para um controle eminentemente preventivo.
Este enfoque preventivo incentiva os agentes públicos a decidir com segurança, pois as falhas decorrentes de complexidades inerentes à função (sem dolo ou erro grosseiro) devem ser tratadas prioritariamente com saneamento e mitigação, e não com punição imediata.
A gestão de riscos está, portanto, intrinsecamente ligada à Cultura de Integridade. Ao implementar controles internos robustos, como a Matriz de Riscos e a Segregação de Funções, e ao considerar a existência de programas de Compliance como atenuante de penalidades, a NLLC não apenas busca a eficiência, mas também reforça o compromisso com a ética e a probidade.
O seu papel, como gestor, é estratégico: utilizar a gestão de riscos como uma ferramenta dinâmica e contínua para garantir que os contratos alcancem seus objetivos, promovendo o melhor aproveitamento dos recursos e a entrega de serviços de qualidade à sociedade, em um ambiente de confiança e responsabilidade.
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Referências
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Presidência da República, 2021.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. Brasília: TCU, [s.d.].
BRASIL. Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos. Manual Operacional de Gestão e Fiscalização Contratual. Versão 1.0. Brasília, DF, jun. 2025.
INSTITUTO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DE ALAGOAS (IDAA). A lei n.º 14.133/2021 e os novos limites do controle externo: a necessária deferência dos Tribunais de Contas em prol da Administração Pública. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 11, n. 3, p. 162-181, dez. 2021.
LIMA SANTOS, D. D. de. As principais diferenças na fiscalização dos contratos entre a Lei 8.666/93 (Lei de Licitações) e a Lei 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). Revista Científica de Alto Impacto, v. 28, n. 136, jul. 2024.
SCHRAMM, F. S. Governança, Gestão de Riscos e Compliance na Nova Lei de Licitações. [Apresentação].
Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC), [s.d.]. SECRETARIA DE GESTÃO E INOVAÇÃO (SEGES/ME). Portaria SEGES/ME nº 8.678, de 19 de julho de 2021. Dispõe sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional.


