Gestão de riscos na execução contratual - Parte 2

Aplicação Prática e Monitoramento dos Riscos Contratuais

Nesta aula, exploraremos a “Aplicação prática e monitoramento dos riscos contratuais” sob a ótica da Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021), um tema crucial para garantir a eficiência, a integridade e a obtenção dos resultados desejados pela Administração Pública.

A gestão de riscos nas contratações públicas não é restrita à fase de planejamento; ela é uma atividade contínua que se intensifica durante a execução contratual, exigindo vigilância permanente por parte da Administração.

1. Implementação da Gestão de Riscos na Execução Contratual

O ponto de partida para a gestão de riscos durante a execução é a análise prévia, obrigatória, realizada na fase de planejamento da contratação (Art. 18, inciso X, da Lei 14.133/2021). Contudo, a efetiva materialização dessa gestão durante a vigência do contrato ocorre por meio de ferramentas específicas, focadas em eventos supervenientes.

1.1. A Matriz de Alocação de Riscos como Cláusula Contratual

A ferramenta central para a aplicação prática dos riscos é a Matriz de Alocação de Riscos (ou simplesmente Matriz de Riscos), definida como uma cláusula contratual. Diferentemente da análise de riscos, que identifica e trata os riscos gerais da contratação, a matriz é elaborada quando é necessária a formalização da divisão explícita dos riscos contratuais entre o contratante e contratado.

Como implementar na prática:

1. Registro de Eventos Supervenientes: Na matriz, devem ser registrados os possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato que possam impactar seu equilíbrio econômico-financeiro.

2. Definição de Responsabilidades: Para cada evento identificado, a matriz define explicitamente quais riscos serão reforçados por cada parte contratante ou quais serão compartilhados. A alocação deve ser fundamentada em razões técnicas e econômicas, atribuindo o risco à parte que estiver nas melhores condições de gerenciamento.

3. Mecanismos de Tratamento: Para cada risco, devem ser previstas medidas de tratamento que visem reduzir sua probabilidade de ocorrência e mitigar seus efeitos.

É fundamental que o cálculo do valor estimado da contratação considere a taxa de risco compatível com o objeto e com os riscos atribuídos ao contratado, quantificando-os financeiramente (Art. 103, § 3º).

Exemplo Prático de Aplicação da Matriz:

Nos contratos de obras sob regime de contratação integrada ou semi-integrada, a matriz é obrigatória. Por exemplo, a matriz pode prever que os riscos geológicos e geotécnicos da obra serão de responsabilidade exclusiva do contratado. Isso garante que, se um evento geológico superveniente ocorrer, o contratado será o responsável, e o contrato só poderá ser alterado para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro se o sinistro for considerado na matriz como causa de desequilíbrio não suportado pela parte que pleiteia ou reajuste. A ausência de uma matriz específica em contratações integradas pode levar o contratado a encargos decorrentes de erros ou omissões do projeto anteprojeto, caracterizando uma águia ordinária.

2. Ferramentas e Metodologias de Monitoramento

O monitoramento contínuo da execução contratual deve ser instrumentalizado para garantir que os riscos sejam mantidos sob controle e que as medidas de mitigação sejam aplicadas de forma eficaz.

2.1. Planos de Mitigação e Ação

A cerne da matriz de riscos é uma previsão de mecanismos que afastem a ocorrência do sinistro e mitiguem seus efeitos, caso ocorram. Estes mecanismos são traduzidos em planos de mitigação e planos de ação.

Planos de Mitigação: São ações preventivas incorporadas à execução. Por exemplo, em contratos de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra (serviços com alto risco trabalhista), a Lei nº 14.133/2021 estabelece mecanismos obrigatórios de mitigação:

    ◦ Exigir cautela, fiança bancária ou seguro-garantia com cobertura para verbas rescisórias.

    ◦ Condicionar o pagamento à comprovação de quitação das obrigações trabalhistas vencidas.

    ◦ Efetuar depósitos em conta vinculada.

2.2. Checklists e Relatórios Periódicos

Os checklists são ferramentas cruciais para o acompanhamento contínuo e a verificação da conformidade, especialmente pelo Fiscal do Contrato.

Uso de Checklists: O Anexo 02 do Guia de Jaboatão, por exemplo, sugere um Checklist do Contrato detalhado para a verificação mensal de contribuições trabalhistas e previdenciárias, garantindo que o contratado esteja cumprindo a legislação. Esta prática é essencial para que a Administração evite a responsabilidade administrativa por falha na fiscalização.

Registro de Ocorrências: O Fiscal deve anotar em registro próprio (Livro de Ocorrências ou similar) todas as ocorrências relacionadas à execução, determinando o que é necessário para a regularização das faltas ou defeitos observados. Este registro cronológico é um relatório periódico essencial para a tomada de decisão do Gestor.

2.3. Indicadores de Monitoramento

A avaliação do desempenho deve usar indicadores de aferição e medição para faturamento, que permitam o redimensionamento do pagamento caso o contratado não atinja os resultados ou não execute com a qualidade mínima ocasional.

Nos contratos de obras, o Gestor deve verificar mensalmente a planejamento para garantir o cumprimento do cronograma físico-financeiro, garantindo a conformidade entre o planejamento e a execução e evitando atrasos. O Fiscal, por sua vez, deve zelar pelo preenchimento correto do Diário de Obra, que registra diariamente o andamento, início/término de etapas, e causas de intermediários.

3. O Papel do Gestor e do Fiscal no Monitoramento e Tratamento dos Riscos

A Lei nº 14.133/2021 reforça o papel do Gestor e do Fiscal como agentes centrais na governança contratual, sendo responsáveis ​​por executar os controles internos de primeira linha nas contratações.

Agente

Perfil de Atuação no Risco

Atribuições Chave (Tratamento de Riscos)

Gestor do Contrato

Visão administrativa e estratégica; cooperativo.

Garantir Equilíbrio: Zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro do contrato, avaliando obrigações de reajuste ou repactuação. Supervisão e Decisão: Coordenador dos fiscais, verificar o Livro de Ocorrências, manifestar-se sobre reclamações e reclamações. Manutenção de Habilitação/Garantia: Acompanhar a manutenção das condições de habilitação (fiscal, social, trabalhista) e controlar o valor e atualização das garantias. Apoio Sancionatório: Subsidiar o ordenador de despesas na aplicação de decisões.

Fiscal do Contrato

Visão técnica e operacional; envio em campo.

Monitoramento Técnico: Acompanhar o cronograma de execução, monitorando prazos e condições de entrega. Registro e Correção Imediata: Anotar todas as ocorrências no próprio registro, determinando o que é necessário para a regularização imediata de faltas ou defeitos. Recebimento: Formalizar a coleta provisória de bens/serviços, examinando notas fiscais e conferindo especificações técnicas. Comunicação de Riscos Maiores: Informar ao Gestor, em tempo hábil, situações que exijam decisões ou providências que extrapolem sua competência.

 

A responsabilidade desses agentes é mitigada pela diligência e pelo registro formal. É crucial que o fiscal e o gestor tenham integridade e honestidade, e busquem sempre a eficiência no uso dos recursos.

4. Integração da Gestão de Riscos ao Controle Interno e à Governança Pública

A Lei nº 14.133/2021 estabelece que a alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações. Governança, nesse contexto, é um conjunto de processos, políticas e instrumentos que visam o planejamento, o monitoramento e o controle das contratações públicas, garantindo eficiência, integridade e transparência.

A gestão de riscos é integrada à governança. Para que uma governança seja eficiente, é necessário implementar processos e estruturas, incluindo a gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos.

O Controle Interno e a Gestão de Riscos:

O controle interno da gestão é definido como o conjunto de regras e procedimentos, como protocolos e rotinas, destinado a enfrentar os riscos e fornecer segurança razoável para que os objetivos da entidade sejam alcançados.

1. Segregação de Funções: Um princípio fundamental de controle e prevenção de riscos é a segregação de funções, que impede uma concentração excessiva de poder e a ocultação de erros e fraudes. A Lei veda a designação do mesmo agente para funções de autorização, aprovação, execução, controle e contabilização.

2. Programas de Integridade (Compliance): A adoção de programas de integridade robustos (compliance) é um fator crucial na prevenção de riscos, especialmente fraude e corrupção. A Lei nº 14.133/2021 considera a melhoria ou o aprimoramento de um programa de integridade como um fator atenuante na dosimetria das avaliações. Isso alinha o Brasil às boas práticas internacionais e fortalece a cultura de prevenção.

5. Exemplos de Falhas Contratuais Evitadas por Boa Gestão de Riscos

Embora as fontes não citem exemplos específicos de falhas evitadas em termos narrativos, elas descrevem os riscos que a aplicação das ferramentas e metodologias visa prevenir:

 

Falha

Prevenção (Boa Gestão de Riscos)

Ferramenta Aplicada

Inexecução Contratual por Inviabilidade Financeira: Risco atribuído arbitrariamente ao contratado, que não consegue gerenciá-lo, resultando em paralisação da execução no caso de sinistro.

Alocação Eficiente e Quantificação do Custo: A Administração avalia qual parte está nas melhores condições de gerenciamento do risco e quantifica a taxa de risco no preço estimado.

Matriz de Riscos.

Aditivos Irregulares em Contratos Complexos: Aceitação, pelo Gestor, de pedidos de reequilíbrio relacionados a riscos de projeto que deveriam ser apoiados pelo contratado (ex.: erro no projeto básico em contratação integrada).

Clareza Contratual e Capacidade Técnica: A Matriz de Riscos obrigatoriamente aloca riscos de projeto (em integrados/semi-integrados) ao contratado. O Gestor deve ter capacidade técnica para não acolher muitos indevidos.

Matriz de Riscos e Capacitação dos Gestores.

Responsabilidade Subsidiária por Encargos Trabalhistas: Falha na fiscalização de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra.

Fiscalização Meticulosa e Controles Financeiros: O Fiscal verifica o cumprimento mensal de obrigações (salários, FGTS, INSS) usando checklists. O Gestor aplica mecanismos de mitigação financeira como a conta vinculada ou exigência de seguro-garantia específica para verbas rescisórias.

Checklists de Fiscalização e Planos de Mitigação Financeira.

 

6. Resumo Prático e Dicas para Consolidar uma Cultura de Prevenção

A Nova Lei de Licitações exige uma postura proativa e profissionalizada dos agentes públicos. A gestão de riscos é, acima de tudo, uma questão de governança, que deve ser promovida pela alta administração e realizada diariamente pelos gestores e fiscais.

Resumo Prático

Planejamento (Matriz): A Matriz de Riscos deve ser usada de forma técnica e objetiva, alocando os riscos a quem melhor pode gerenciá-los, e quantificando-os sem preço.

Monitoramento (Fiscalização): O monitoramento deve ser contínuo e documentado. O Fiscal deve usar o registro de ocorrências para formalizar desvios e solicitar correções imediatas.

Controle (Gestor): O Gestor coordena as ações, lida com a parte administrativa e financeira, e garante que as condições de habilitação e garantias sejam mantidas ao longo de toda a execução.

Conformidade (Compliance): Programas de integridade atuam como mecanismos preventivos e atenuantes de riscos de má-fé e corrupção.

Dicas para uma Cultura de Prevenção

1. Capacitação Contínua: A profissionalização e a capacitação técnica dos agentes são essenciais para o cumprimento eficiente das funções e prevenção de danos. O desconhecimento não afasta a responsabilidade.

2. Diligência e Proatividade: Não há restrição à fiscalização reativa. Promova reuniões iniciais para esclarecimento das obrigações contratuais (Atribuição do Gestor). O Fiscal deve atuar em campo, monitorando in loco o cumprimento das especificações.

3. Documentação Estruturada: Utilize uma tecnologia para organizar e arquivar toda a documentação comprobatória da execução (notas fiscais, certidões, relatórios, atas). Manter um registro atualizado e de fácil acesso é vital para a prestação de contas e para subsidiar decisões (como a aplicação de deliberações).

4. Recorra ao Assessoramento: Se o Fiscal ou Gestor não tiver conhecimento suficiente para resolver uma questão, deve acionar outros setores como o assessoramento técnico, jurídico ou o controle interno.

5. Aplicação Proporcional das Sanções: Em casos de inexecução, garanta que a aplicação das sanções observe os princípios constitucionais, como a legalidade, a ampla defesa, o contraditório e a proporcionalidade. A audiência deve ser adequada à gravidade da infração, considerando os danos e a existência de programas de integridade.

--------------------------------------------------------------------------------

Referências

A seguir, apresentamos as referências utilizadas para a elaboração desta aula, em conformidade com as normas da ABNT:

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021 . Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília, DF: Presidência da República, 2021.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU . Brasília: TCU.

DE CESARE, Michel. Gestores e fiscais de contratos administrativos e seu papel como instrumentos de governança pública. Blog da Zênite , 30 jun. 2025.

GRUPO JML. A Dosimetria das Penalidades em Contratos Administrativos: Análise à Luz da Lei nº 14.133/2021. Blog JML , 18 fora. 2024.

JABOATÃO DOS GUARARAPES. Prefeitura. Guia de Orientação Gestores e Fiscais de Contrato . Jaboatão dos Guararapes, 2023.

SECRETARIA DE GESTÃO E RECURSOS HUMANOS DO ESPÍRITO SANTO (ESESP). Apostila Gestão e Fiscalização Contratual na Lei 14.133/21.

SECRETARIA-EXECUTIVA, Diretoria de Administração e Gestão Estratégica, Coordenação-Geral de Gestão e Administração, Coordenação de Gestão de Contratações. Modelo de Termo de Referência Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021: Serviços Sem Dedicação Exclusiva de Mão-de-Obra - Contratação Direta . Portal Gov.br.