Programa de Integridade e integridade contratual na execução - Parte 2

INTEGRIDADE CONTRATUAL NA EXECUÇÃO
1. Introdução à Integridade Contratual
A integridade contratual é um dos pilares centrais da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº 14.133/2021). Ela garante que os contratos firmados pela Administração Pública sejam executados de forma ética, transparente e eficiente, assegurando que o interesse público verdadeiro destinatário das contratações seja respeitado em todas as etapas.
A execução contratual é o momento em que o objeto contratado se concretiza: é quando a obra é construída, o serviço é prestado ou o produto é entregue. É nessa fase que os riscos de irregularidades, desvios e fraudes aumentam, exigindo do gestor e do fiscal de contrato uma atuação vigilante e responsável.
Exemplo prático: imagine uma prefeitura que contrata uma empresa para reformar uma escola. Se a execução não for acompanhada com integridade, pode haver uso de materiais de qualidade inferior, superfaturamento ou até conluio entre servidores e fornecedores. Com integridade, por outro lado, há controle, transparência e cumprimento fiel das cláusulas contratuais.
2. Conceito e Importância da Integridade Contratual
A integridade contratual pode ser entendida como o conjunto de princípios, práticas e mecanismos que garantem que o contrato seja executado em conformidade com a lei, os regulamentos e as cláusulas pactuadas, sem favorecimentos ou condutas antiéticas.
Ela é essencial para assegurar que o propósito do processo licitatório obter a proposta mais vantajosa para a Administração se concretize de fato, evitando prejuízos ao erário e fortalecendo a confiança da sociedade no poder público.
Base Legal:
A Constituição Federal de 1988, no artigo 37, e a Lei nº 14.133/2021, especialmente em seus artigos 5º e 11, reforçam os princípios da legalidade, moralidade, eficiência e transparência como fundamentos da integridade administrativa.
3. Princípios da Lei nº 14.133/2021 Aplicados à Execução Contratual (Art. 5º)
A integridade se materializa por meio da aplicação de diversos princípios na fase de execução contratual. Entre os principais, destacam-se:
a) Legalidade
Todas as ações devem estar estritamente de acordo com a legislação.
Exemplo: um gestor não pode autorizar aditivo contratual sem justificativa técnica e sem observar os limites legais de acréscimo (até 25% do valor original, conforme o art. 125 da Lei 14.133/21).
b) Transparência
As informações sobre a execução dos contratos devem ser públicas e acessíveis.
O Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é a principal ferramenta de transparência, permitindo que qualquer cidadão acompanhe licitações, aditivos e pagamentos.
c) Governança
Envolve a responsabilidade da alta administração em criar mecanismos de controle, gestão de riscos e monitoramento dos contratos.
Exemplo: a criação de comitês de governança ou de manuais internos de contratação fortalece a integridade e reduz falhas processuais.
d) Eficiência
Busca o melhor resultado com o menor custo possível, sem comprometer a qualidade.
Exemplo: contratar uma empresa com preço baixo, mas que entrega serviço de baixa qualidade, é ineficiente. A integridade visa equilíbrio entre preço, qualidade e cumprimento de prazos.
e) Impessoalidade
Proíbe favorecimentos ou perseguições.
Exemplo: o gestor não pode privilegiar uma empresa por amizade ou vínculo político; as decisões devem se basear em critérios técnicos e objetivos.
4. Mecanismos de Prevenção, Detecção e Resposta
A integridade na execução se sustenta em três pilares fundamentais, que formam um ciclo contínuo de controle:
1. Prevenção
Busca evitar que erros ou irregularidades ocorram.
Inclui a segregação de funções (ninguém deve concentrar todas as etapas do processo), o planejamento adequado e a exigência de garantias contratuais.
Exemplo: antes de iniciar a execução, o gestor deve verificar se a empresa mantém sua regularidade fiscal, trabalhista e se apresentou a garantia de execução exigida.
2. Detecção
Consiste em identificar desvios e inconformidades durante a execução.
O fiscal e o gestor devem manter registros detalhados de todas as ocorrências — atrasos, falhas de qualidade, trocas de responsáveis, etc.
Exemplo: caso um fiscal observe que a pintura de uma escola não segue o padrão especificado, deve registrar a ocorrência e notificar formalmente a contratada para correção.
3. Resposta
Envolve as ações corretivas e sancionatórias diante das irregularidades.
A resposta pode incluir advertência, multa, suspensão do contrato, ou até declaração de inidoneidade (Lei nº 14.133/2021, art. 156).
Exemplo: se a empresa não corrige as falhas e reincide em descumprimentos, o gestor deve abrir processo administrativo para aplicação de penalidade.
5. Papel do Gestor e do Fiscal de Contrato
Os agentes responsáveis pela execução contratual são a primeira linha de defesa da integridade. Suas atribuições estão previstas no art. 117 da Lei 14.133/21.
- Gestor do Contrato: coordena e supervisiona a execução; verifica a validade da garantia contratual; solicita providências corretivas; propõe sanções quando necessário.
- Fiscal do Contrato: acompanha o cumprimento das cláusulas contratuais, verifica a qualidade do objeto entregue e registra todas as ocorrências em relatório próprio.
Exemplo de situação real:
Uma empresa contratada para fornecer merenda escolar começa a atrasar as entregas. O fiscal registra as ocorrências, comunica o gestor, e este aciona o setor jurídico para decidir sobre multa ou rescisão contratual. Essa atuação coordenada garante integridade e evita danos à administração.
6. Integração com Programas de Integridade (Compliance Público)
A Lei nº 14.133/2021 trouxe um avanço importante: a integração dos Programas de Integridade (também conhecidos como programas de compliance) ao ciclo das contratações públicas.
Esses programas são conjuntos de políticas, normas e práticas internas que buscam prevenir e combater fraudes, corrupção e irregularidades.
Aplicações práticas:
- Obrigatoriedade em contratos de grande vulto: empresas vencedoras de licitações com valores elevados devem implementar um programa de integridade em até 6 meses.
- Atenuante de sanções: se a empresa comprovar possuir um programa de integridade efetivo, isso pode reduzir penalidades em caso de infração.
- Condição de reabilitação: para voltar a contratar com o poder público, empresas punidas devem adotar ou aperfeiçoar seu programa de integridade.
Exemplo: uma construtora autuada por irregularidades em um contrato de rodovia implementa um programa de compliance com canal de denúncias e código de ética. Ao comprovar essas ações, pode obter redução da penalidade.
7. Modelo das Três Linhas de Defesa
A integridade contratual se apoia no modelo das Três Linhas de Defesa, adotado pela Controladoria-Geral da União (CGU) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU):
- Primeira Linha – Execução (Gestores e Fiscais): responsáveis diretos pela execução e pelo controle inicial.
- Segunda Linha – Controle Interno e Assessoramento Jurídico: monitora e orienta a primeira linha, apontando melhorias e riscos.
- Terceira Linha – Controle Externo (CGU e TCU): realiza auditorias independentes, avaliando se a gestão pública está cumprindo os princípios da governança.
Analogia didática:
Pense em uma partida de futebol:
- O fiscal e o gestor são os zagueiros e goleiro (defesa direta);
- O controle interno e jurídico são os técnicos e analistas que ajustam a estratégia;
- O TCU e a CGU são os árbitros que garantem o cumprimento das regras do jogo.
8. Boas Práticas Recomendadas pelo TCU e CGU
- Capacitação contínua: servidores devem ser treinados para reconhecer riscos e agir preventivamente.
- Controle e auditoria baseados em risco: priorizar contratos com maior impacto financeiro ou social.
- Transparência ativa: publicar todas as etapas no PNCP e portais institucionais.
- Canais de denúncia: criar meios seguros e confidenciais para comunicação de irregularidades.
- Registro documental: manter histórico completo das fiscalizações, notificações e comunicações com o contratado.
Essas medidas não apenas reduzem fraudes, mas também criam uma cultura de integridade institucional.
9. Conclusão – A Confiança como Resultado da Integridade
A integridade contratual é mais do que um requisito legal: é uma atitude ética e responsável diante da gestão pública. Quando o gestor e o fiscal atuam com vigilância, os controles internos funcionam e os programas de integridade são aplicados, o resultado é uma Administração Pública mais eficiente, confiável e legitimada socialmente.
Em última análise, integridade contratual é sinônimo de confiança — confiança da sociedade de que o dinheiro público está sendo bem aplicado e de que o Estado
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Institui a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1 abr. 2021.
BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 ago. 2013.
CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO (CGU). Guia de Programas de Integridade – Orientações para Empresas. Brasília, DF, 2023.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU). Manual de Licitações e Contratos: orientações e boas práticas. 3. ed. Brasília, DF: TCU, 2021.
ZENITE. Sanções administrativas e seus avanços na nova lei de licitações. Revista Zênite, Curitiba, 2023.
ESESP. Apostila Gestão e Fiscalização Contratual na Lei 14.133/2021. Vitória, 2024.
JABOATÃO DOS GUARARAPES. Guia do Gestor e Fiscal de Contratos. Ronny Charles Lopes de Torres, 2022. age com honestidade, transparência e respeito ao cidadão.


