Simulações práticas de gestão de contratos e resolução de problemas - Parte 1

SIMULAÇÕES PRÁTICAS DE GESTÃO DE CONTRATOS
A gestão e a fiscalização de contratos administrativos, regidas pela Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos — NLLC), transcendem a mera burocracia, configurando um processo fundamental para a governança pública e a seleção da proposta mais vantajosa, considerando todo o ciclo de vida do objeto. Esta aula visa oferecer um panorama técnico-prático, por meio de simulações, sobre as rotinas essenciais que o gestor e o fiscal do contrato devem adotar, desde a formalização do ajuste até seu encerramento.
1. A Gestão do Contrato: Do Início ao Fim da Execução
A execução contratual é a fase em que o objeto contratado deve ser fielmente cumprido pelas partes. A NLLC ampliou as disposições sobre a fiscalização, exigindo que o planejamento comece já no Estudo Técnico Preliminar (ETP) e no Termo de Referência (TR), incluindo providências para a capacitação dos fiscais e gestores.
1.1. Formalização e Início da Execução
Após a seleção do fornecedor e a adjudicação do objeto, a Administração convoca o licitante vencedor para a assinatura do termo de contrato. É um dever da Administração garantir que todas as providências prévias sejam tomadas antes da expedição da ordem de serviço, como a liberação de áreas ou a obtenção de licenças ambientais.
No momento da formalização, o contrato deve estabelecer cláusulas claras, definindo: o objeto, o regime de execução, o preço e as condições de pagamento, os prazos, as penalidades cabíveis e os valores das multas. É indispensável a indicação da matriz de risco, quando for o caso, especialmente em contratações de grande vulto ou nos regimes integrado e semi-integrado, alocando responsabilidades entre contratante e contratado.
1.2. Acompanhamento Contínuo e Fiscalização
A execução deve ser acompanhada e fiscalizada por um ou mais fiscais designados, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações, sem que isso os exima de responsabilidade.
• O Papel do Fiscal: O fiscal do contrato, que pode ser técnico, administrativo ou setorial, acompanha a execução de perto, assegurando o cumprimento das cláusulas e obrigações. Suas funções incluem fiscalizar o desenvolvimento dos trabalhos, solicitar correções e emitir relatórios de acompanhamento. O fiscal deve anotar em registro próprio todas as ocorrências relacionadas à execução.
• O Papel do Gestor: O gestor do contrato tem uma visão mais abrangente e administrativa. Ele coordena as atividades de fiscalização, controla os aspectos financeiros (pagamentos, medições), avalia o desempenho do contratado, e é responsável por coordenar os atos preparatórios para formalização de prorrogações, alterações e aplicação de sanções. O gestor deve manter o controle dos prazos e dos limites de acréscimos ou supressões do objeto.
1.3. Controle de Pagamentos e Encerramento
Os pagamentos devem obedecer a uma ordem cronológica. No entanto, esta ordem pode ser alterada mediante prévia justificativa da autoridade competente e comunicação ao controle interno e ao Tribunal de Contas. Em caso de controvérsia sobre a execução, a parcela incontroversa deverá ser liberada no prazo previsto para pagamento.
Ao final da execução, o objeto deve ser recebido provisória e definitivamente. O recebimento provisório é realizado pelo fiscal (técnico, administrativo ou setorial) mediante relatório circunstanciado. O recebimento definitivo é feito pelo gestor, que analisa toda a documentação e emite o termo circunstanciado, atestando a execução.
Para o encerramento do contrato, o gestor deve elaborar um relatório final de que trata a alínea “d” do inciso VI do § 3º do art. 174 da Lei nº 14.133/2021.
2. Simulações Práticas e Tomada de Decisão Baseada em Evidências
O gestor e o fiscal do contrato atuam como a Primeira Linha de Defesa no controle das contratações, e suas decisões devem ser pautadas por evidências e registros administrativos.
2.1. Simulação I: Inadimplemento e Aplicação de Sanções (Atraso na Entrega)
• Situação Simulada: O contrato de fornecimento de equipamentos de informática prevê a entrega em 30 dias, mas a contratada atrasa 15 dias sem justificativa formal prévia. O edital prevê multa de mora de 0,5% ao dia de atraso.
• Ação do Fiscal (Baseada em Evidências):
1. O fiscal deve, imediatamente, registrar formalmente a ocorrência (Registro de Ocorrências) no histórico do gerenciamento do contrato, documentando o não cumprimento do prazo.
2. Notificar a contratada, por escrito (ofício ou e-mail formal anexado ao processo), determinando o que for necessário para a regularização e fixando um novo prazo para cumprimento. O fiscal também comunica o ocorrido ao gestor.
• Ação do Gestor (Decisão Fundamentada):
1. O gestor recebe o relatório do fiscal e, confirmada a inexecução parcial (atraso injustificado), deve tomar providências para a formalização do processo administrativo de responsabilização (PAR).
2. Ao aplicar a multa, a autoridade competente deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Embora a multa seja objetivamente apurada pelo percentual contratual, a autoridade pode, em análise fática e concreta, reduzir o valor, desde que justifique, sem violar a vinculação ao contrato.
3. A Administração deve garantir o contraditório e a ampla defesa do contratado antes de aplicar qualquer sanção.
• Inspiração TCU/CGU: A atuação do gestor/autoridade sancionadora na dosimetria das penalidades deve ser orientada pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, observando as circunstâncias do caso concreto, conforme sustentado em pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU), que ecoam o entendimento de controle. A documentação (notificações, registro de ocorrências) é crucial para instruir adequadamente o PAR.
2.2. Simulação II: Pedido de Reequilíbrio Econômico-Financeiro (Revisão)
• Situação Simulada: Um contrato de obra pública (construção de uma escola) é impactado por uma súbita crise internacional que causa um aumento expressivo e imprevisível no preço do aço, um insumo principal. A contratada solicita a revisão dos preços.
• Ação do Gestor/Fiscal Técnico (Análise Técnica):
1. O gestor/fiscal técnico deve receber o pedido formal e a documentação comprobatória do aumento dos custos.
2. A Administração tem a obrigação constitucional de manter as condições efetivas da proposta. A revisão (reequilíbrio) é aplicável em casos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe ou fatos imprevisíveis de consequências incalculáveis que inviabilizem a execução.
3. O fiscal técnico deve manifestar-se no processo, analisando a comprovação do fato superveniente e sua real incidência no contrato. Se o aumento for comprovado e for alocado na matriz de risco como de responsabilidade da Administração, a revisão é devida.
• Ação da Administração (Decisão e Formalização):
1. Confirmado o desequilíbrio, a alteração deve ser formalizada por Termo Aditivo. O processo deve ser instruído com a justificativa técnica e o parecer jurídico.
2. É crucial diferenciar este caso de Reajuste (correção monetária predefinida em edital, baseada em índices) e Repactuação (aplicável a serviços contínuos com custos dinâmicos).
2.3. Simulação III: Necessidade de Prorrogação (Serviços Contínuos)
• Situação Simulada: Um contrato de prestação de serviços contínuos (ex: limpeza e vigilância) está próximo do término da vigência e a Administração precisa da continuidade dos serviços.
• Ação do Gestor Administrativo (Controle de Prazos):
1. O gestor deve iniciar o processo com antecedência mínima de 60 dias da data final de vigência.
2. O processo deve ser instruído com: ratificação de que os serviços foram prestados de acordo com o objeto; justificativa da necessidade e interesse da continuidade; comprovação da vantagem econômica do valor do contrato (análise comparativa com preços de mercado).
3. Verificar a manutenção das condições de habilitação do contratado, consultando o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP) e emitindo certidões negativas.
• Ação de Formalização: Se o interesse e a vantajosidade forem confirmados, a prorrogação é formalizada por Termo Aditivo com aprovação da Assessoria Jurídica. A ausência de solicitação de repactuação pelo contratado, quando cabível, gera a preclusão desse direito na prorrogação.
3. Síntese de Boas Práticas para a Gestão Contratual
A gestão de contratos na NLLC exige uma postura proativa, ética e técnica dos agentes públicos.
1. Conhecimento e Capacitação: É crucial o entendimento completo da nova legislação, procedimentos, prazos e requisitos. O gestor/fiscal não pode alegar mero desconhecimento como forma de afastar sua responsabilidade e deve acionar o assessoramento técnico, jurídico ou o controle interno em caso de dúvidas.
2. Registro e Formalidade: Toda decisão, fiscalização, comunicação de ocorrência ou pedido de alteração deve ser formalmente registrada e documentada. Relatórios circunstanciados e comunicações escritas (atas, ofícios, e-mails trocados com a contratada) são a evidência para subsidiar a tomada de decisão do gestor.
3. Governança e Transparência: Promover a transparência ativa, divulgando os contratos e seus aditamentos no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). A Administração deve implementar práticas contínuas de gestão de riscos e controle preventivo, fortalecendo a governança.
4. Atuação Ética e Técnica: O desempenho das funções deve ser diligente, buscando a seleção da proposta mais vantajosa. A atuação deve ser vinculada aos parâmetros previamente estabelecidos no edital e contrato. Além disso, a implantação ou aperfeiçoamento de um programa de integridade pode ser considerado na dosimetria das sanções.
A gestão contratual, em sua essência, funciona como um sistema de bússola e caixa-preta para a Administração Pública: a bússola (planejamento, ETP, TR) indica o caminho a ser seguido, enquanto a caixa-preta (registros administrativos e relatórios de fiscalização) grava cada evento, permitindo que, em caso de desvio (não conformidade, atraso), a rota possa ser corrigida de forma justa, técnica e transparente, baseada nos fatos documentados.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 14.133, de 01 de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativo. Brasília, DF.
JABOATÃO DOS GUARARAPES. Guia de Orientação Gestores e Fiscais de Contrato. Jaboatão dos Guararapes, 2023.
MINISTÉRIO DA GESTÃO E DA INOVAÇÃO EM SERVIÇOS PÚBLICOS. Manual de Orientações e Boas Práticas na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Versão 01. Brasília: Diretoria de Normas e Sistemas de Logística/SEGES/MGI, abr. 2025.
SAEC. Portaria Nº. 043, de 06 de fevereiro de 2.024 “Dispõe sobre a regulamentação da Lei Federal nº 14.133 de 1º de abril de 2021”.
SILVEIRA, E. D.; CARACAS, S. K. C. A Lei de Licitações n° 14.133/21 e os desafios dos municípios de pequeno porte. Revista do Curso de Direito da Unimontes, Montes Claros/MG, v. 1, n. 1, jan.-jun./2024 (Eletrônica).
TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Comentários - Artigo 117 (Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021).
UNIÃO, Advocacia-Geral da. Parecer n. 00002/2022/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU. Assuntos: Penalidades. NUP: 59800.000900/2021-17. Brasília, 2022.


